segunda-feira, 16 de julho de 2012

A tomada da Bastilha








No dia 16 de Julho de 1879, Leonor de Almeida, a Marquesa de Alorna, poderia ter descrito assim no seu Diário, a tomada da Bastilha a que terá assistido.

«O que mais me aflige é a duplicidade, que me envergonha.

Dividida entre os meus ideais, os meus princípios e o temor suspeitoso de poder estar a testemunhar o início da queda do meu mundo, tal como o conheço.

Foi o que senti ao assistir à tomada da Bastilha,

sem saber como lidar com os meus sentimentos divididos, diante das emoções tumultuadas do povo exaltado.

Na madrugada do dia treze tudo parecia ainda amodorrado e duvidoso. Sem nenhuma autoridade civil, Paris aparentava dormitar, apesar do clima de tensão e os nervos arrepiados, à flor da pele da noite, numa espécie de furor assombrado e mal contido.

Madrugada brumosa e fria, a anteceder a manhã luminosa, enganosa, que desponta logo nas primeiras horas do dia catorze.

Saí afoitada para a rua, em busca de uma tranquilidade que mais tarde se iria estilhaçar, fazendo com que o clima aparentemente calmo e amortecido, depressa se transformasse em brasa, enquanto eu seguia arrastada pelo entusiasmo e a coragem das muitas mulheres que, em tumulto, corriam gritando ou cantando com uma vontade inquebrantável. Desde esses primeiros instantes, tão tolhida de medo quanto fascinada pela ousadia feminina, indómita e corajosa, segui sem relutância o trilho da raiva, da exaltação e do desespero a que sempre leva a falta de liberdade, a miséria e a fome.

E acabei diante da Bastilha.

Na noite seguinte, para ir ao salão da pintora Marie Anne Vigée-Lebrun, escolhi um vestido de seda negra com rendas altas e nocturnas a cobrirem-me os ombros, os braços e o pescoço, como se estivesse de luto. No entanto, colocara num dos meus dedos um rubi sanguíneo encastoado a ouro.

Sentia o pulso apressado como nunca, e no meu peito, o coração descompassado exultava.»

Paris, 16 de Julho de 1789

(de “As Luzes de Leonor” por Maria Teresa Horta, 2011)

(se gostarem de romances históricos, de prosa poética e se tiverem pachorra para ler um livro com 1050 páginas, aconselho este, indubitavelmente!)

7 comentários:

  1. Aparenta ser de boa leitura, e o tema é atraente. Bom, tu acabas argumentar muito bem e de vender melhor a ideia... que remates de venda fazes!
    Gosto deste tipo de leitura mas dependendo dos protagonistas, do tema..
    Um grande abraço, ilustre e muito querida amiga

    ResponderEliminar
  2. Amanhã é o dia da "debandada" ! :))
    Encontrei este texto que liga as duas situações (passada e presente):

    http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/07/o-ultimo-sair-apague-luz.html

    Cuidado com as redes sociais e com as manifestações exteriores de riqueza ! eheheh
    .

    ResponderEliminar
  3. Ando para o ler, mas ainda não tive tempo de qualidade para lhe dedicar.

    Boa semana!

    Beijo

    Laura

    ResponderEliminar
  4. Graça minha querida
    Não me encontro de momento com pachorra para ler um livro desse calibre, mas faço questão de o ler, até porque já são algumas as vezes que digo "não quero morrer sem ler este livro".
    Boa semana minha amiga.

    Beijinho e uma flor

    ResponderEliminar
  5. Quando for grande tentarei ler livros grandes, mas como sou pequenino...
    :)

    ResponderEliminar
  6. Uma mulher fora de série!
    Espero que mo emprestes para ver se o leio nos longos serões de Inverno!
    Gosto do género mas a quantidade de páginas assusta-me um pouco!

    Abraço

    ResponderEliminar
  7. Este também quero ler!:)))
    beijocas

    ResponderEliminar