quinta-feira, 5 de julho de 2012

Histórias da minha rua





Já deve ter dado para ver a minha relação com os animais. Pois é: sofro sempre muito por eles. Herdei (mais) este traço da minha mãe que, desde sempre, foi defensora de cães e de gatos que trazia para casa quando os via maltratados. E o pior é que consegui passá-lo para as minhas filhas, especialmente para a mais nova que me encheu sempre a casa com animais que apanhava (uma vez trouxe um canário que apanhou no caminho da escola) ou que lhe ofereciam (cada namorado que tinha oferecia-lhe (mais) um animal zinho!) E, uma vez, em pleno 6º ano de escolaridade, estava ela a resolver um teste de Língua Portuguesa cujo texto tinha como protagonista um cãozinho a quem tinha acontecido já não me lembro muito bem o quê e aí a rapariga vai de se largar a chorar que nem uma Madalena!... Valeu-lhe a professora ser daquelas professoras supersensíveis que se apaixonavam pelos alunos (e por ela especialmente) e por isso as coisas não correram mal…


Tudo isto para vos enquadrar no espírito mimalho cá da casa, o que explicará, entre outras coisas, a narração desta história (e de outras a haver) que aconteceu por aqui nas últimas semanas. 

Rua de cães e de gatos (e de ratos também, mas esses, porém, nasceram com outro destino, os pobres) em que todas as casas têm os seus animais de companhia. O Billy era um deles. Cãozito rafeiro, branco e castanho, pequenote mas cheio de “atitude” que pertencia a uns vizinhos pobres, muito pobres mesmo, mas que o tratavam muito bem. Há uns meses o dono, que há muito estava doente, morreu. O cãozito não ficou abandonado porque fora já adotado por uma vizinha do dono, atrás de quem ele calcorreava todas as redondezas. O cão porém ressentiu-se, entrou numa profunda tristeza e deixou de comer. Lá me disponibilizei a pagar uma visita à clínica veterinária onde sou por de mais conhecida e o Billy, com os tratamentos e os extremos carinhos da vizinha que o tinha adotado, lá arrebitou voltando a dar todos os passos que a dona dava (e não eram poucos já que se tratava de uma pobre mulher desequilibrada, mas inteligente e sensível, cozida porém pelo álcool e pelos maus tratos da vida). 

Mas por ironia, também esta, apesar de estar ainda na casa dos quarenta, desapareceu de uma semana para a outra, quando o seu fígado acabou por ceder às imensas quantidades de bebida que teve de ir destilando. Além de lamentar a morte da pobre mulher que, não sei porquê, mostrara sempre uma enorme estima por mim, fiquei preocupada com o cãozinho. E passei ainda uma ou outra noite acordada a ouvi-lo a ladrar tristemente como que a chamar pela sua amiga. Depois, deixei de o ver e de o ouvir e pensei que qualquer outra vizinha tivesse tomado conta dele.


Até que há poucos dias, à entrada do café aonde vamos todas os dias beber a nossa bica da manhã, vi um cãozinho perecido com o Billy – mas desses há tantos! – muito bem tratado, lavadinho e de pelo escovado, agarrado por uma trela presa na árvore fronteira ao café, todo aprumado, a olhar de olho bem brilhante lá para dentro. Perguntei à jovem que lá trabalha se aquele não era o cão que andava sempre atrás da L. ao que ela, muito feliz, me respondeu que sim, que tinha sido ela que lhe tinha arranjado um novo dono e que estavam ambos muito contentes. 

E acrescentou, sorridente: «Esta semana, já consegui tirar três cãezinhos da rua!»

10 comentários:

  1. (Sou mesmo mauzinho)
    Vou ler este post à minha cara-metade sabendo antecipadamente que ela vai chorar.
    Ainda bem que esta história teve um final feliz.
    :)

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  2. Voltei, só para confirmar o que disse anteriormente.
    :)

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  3. Bonita história de solidariedade com os animais nossos amigos, que raramente têm culpa dos donos que lhe calham na rifa. Com bons sentimentos, mas doentes, tristes ou infelizes e que acabam por partir antes do tempo... Vá que cão teve um "final" feliz e esperemos que assim continue! :)

    Beijocas!

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  4. Realmente, uma história comovente, pois apesar de irracionais, muitas vezes, agem de forma mais inteligente que nós, os humanos racionais!
    Bj. Célia.

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  5. Que história mais ternurenta...tirando o infortúnio dos dois donos anteriores...
    O Billy é um cão cheio de sorte e tu também tiraste um peso de cima!
    Sei como isso é, já que cá por casa se passa o mesmo!
    Admiro o empenhamento de tanta gente a tirar os animais da rua.
    Os cães não são como os gatos, não se "viram" sozinhos, precisam mesmo de um dono ou dona!

    Abraço

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  6. Nem imaginas como fiquei feliz ao ler esta história...
    Bjs

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  7. Que história bonita, um lindo final feliz para o Billy!
    Há tantos cãezinhos assim pelo mundo e é de lavar a alma quando sabemos de uma história que deu certo.
    Bjocas

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  8. A crónica do cão - ainda a tenho e ainda não chego ao fim - fala de sensações bem conhecidas...saudades de tanta coisa! O José (isto é mesmo genético, só pode) dizia, depois de ver os nossos gatos serem levados para a avó para passar o fim de semana: «Eu não quero ficar sem os nossos gatos», com a maior tristeza...
    Qt aos animais dados pelos namorados, só a coelha Sara Afonso foi de facto pelo namorado; a Helsa, com H, foi o pai dele e a gata Ritinha, que tu adotaste depois do divórcio, foram os quase-sogros... :-) lindo texto pq não acaba em lágrimas, só li pq sabia do final feliz...

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  9. O Billy, rafeirinho da história com final felíz, fez-me lembrar aqueles fidalgos falidos, tem nome pretensioso (podia ser um vulgar Piloto, ou Benfica), foi sempre ligado a gente de poucas posses, teve relações com a bebida, mas no fim lá se reconciliou com a vida, e está bem!
    Como sabes que sou adoptante de cães abandonados (militante), tenho três, já adoptei seis, fico bem em saber que felizmente, por cada besta que abandona o seu animal, há sempre um/uma boa alma que se levanta, e adopta, para lhe proporcionar bem estar para o resto da sua vida. Infelizmente nem sempre calha assim.

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  10. Obrigada pelos vossos comentários também ternurentos!

    Com exceção do menino Rui que e mesmo mauzinho, mauzinho... Mas não para os nossos amigos de quatro patas, que eu sei!

    Tenho outra história para contar mas não termina tão bem... (até porque a vida não é justa, nem para nós, nem para os irracionais.)

    Beijinhos

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