sábado, 5 de maio de 2012

Dia da Língua Portuguesa


(O dia 5 de Maio foi fixado como a data em que é anualmente comemorada a “Língua Portuguesa e a Cultura da CPLP”, uma decisão saída do XIV Conselho de Ministros da CPLP, realizado em Junho de 2009, em Cabo Verde. Nesta data, os ministros dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores recomendaram aos Estados-membros, às instituições da CPLP, aos Observadores Associados e Consultivos e às diásporas dos países da CPLP, a comemoração do Dia da Língua Portuguesa, tendo em vista a sua afirmação crescente nos Estados membros e na Comunidade internacional.)

E para me associar, deixo aqui, sobre a nossa bela língua, um excelente texto de Eduardo Lourenço e um poema de amor de Hélia Correia, ambos transcritos do Jornal de Letras, de Março/Abril do presente ano.

Língua e enigma

«O coração do enigma para cada povo é a língua em que a sua leitura do mundo se manifesta como mistério ao mesmo tempo luminoso e obscuro. É na língua e na língua ó que somos virtualmente imortais. Tudo se passa como se não pudéssemos ser sujeitos dela. Somos falados antes de falar e falamos para nos falar. Sem começo nem fim. Só no século XVIII quando o Ocidente começou a esquecer a língua como “dom de Deus” um ato recapitulativo de um Verbo criador do mundo, o mistério dessa revelação com sujeito, criadora ao mesmo tempo da voz, da consciência dela e do sentido da sua nomeação de toda a realidade, se converteu no enigma dos enigmas. Começou então a nossa marcha do Deserto. Falamos para povoar o mundo. E ao mesmo tempo para regressar a essa linguagem antes da linguagem, a essa língua divina, a do homem ainda não separado do universo e de si mesmo, sujeito de múltiplas línguas mas lembradas da única que dizia o Ser sem o mutilar, aquela que fala no silêncio do mar e nos cala.

Todas as línguas do mundo desenham nele o bem pouco mítico arquipélago de Babel. O mistério de cada uma participa dessa aventura humana sob a forma de um rizoma. Só a História singular de cada uma delas desvela os seus segredos. Não são os mesmos para o Japão, ou Bornéus, isolados milénios dos seus vizinhos, que os do ramo indo-europeu onde a nossa mergulha as suas raízes. Essa raiz sânscrita só para filólogos terá algum sentido. Para nós, mortais comuns, basta-nos o batismo camoniano, ou da matriz latina sob a qual se sumiu misteriosamente, ou quase, a nativa herança lusitana. Foi aquela que se derramou no mundo juntamente com o castelhano como as primeiras línguas no mundo do Ocidente. 

Nem ela nem a dos nossos vizinhos têm os dias contados. Até onde podemos imaginar-lhe o futuro, essa língua, hoje de variados tons, é um dos mais insólitos milagres linguísticos imagináveis, dada a sua origem tão modesta. Este simples estatuto devia poupar-nos todas as glosas apocalíticas acerca da sua perenidade. Como os amores míticos de Pedro e Inês, a língua em que eles couberam arderá até ao fim do mundo.»
 
Eduardo Lourenço, JL, Março/Abril 2012


(Hélia Correia)
  
Por ti eu troco a noite pelo dia

Por ti eu troco a noite pelo dia,
Como é o natural de uma paixão.
Do fado e dos poetas que seria,
E dos amantes, sem a escuridão?

E salta-me no peito o coração
Se certa voz murmura e pronuncia
Palavras já tão ditas mas que são
Pedaços de um segredo que arrepia.

De Gregos descontentes, de Latinos
Com pouca corrupção dileta herdeira,
Menina e moça, ó flor de verdes pinos.

Além da Taprobana transportada
E sempre renascida e sempre inteira,
Eis a ditosa língua, minha amada.

Hélia Correia, JL, Março/Abril 2012


6 comentários:

  1. Olá, amiga Graça, que bom vir aqui e ler esta postagem, tiraste nota dez, mil, eu adorei ler o texto e mais ainda esse belo poema, que delícia!
    *)
    "E salta-me no peito o *coração
    se certa voZ murmura e pronuncia palavras já tão ditas mas que são pedaços de um segredo que arrepia!"
    Coisa mais linda!
    Bela noite de sábado, e parabéns e também muito obrigada por compartilhar ... Mery*

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  2. Cara Graça Sampaio
    Acabo de escrever um texto em que usei uma expressão de Camões, desconhecia a comemoração do dia.
    Sabe bem sentir que ainda temos algo de que nos orgulhamos, como está bem exemplificado no texto de Eduardo Lourenço e no poema de Hélia Correia.
    Grato pela partilha.
    Um beijo
    Rodrigo

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  3. Que belos textos! Que boa postagem! Mais uma vez parabéns.

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  4. Gostei de ler a forma como esse dia foi abordado.

    Bom domingo.

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  5. Passei para te desejar um dia feliz.
    Abraco

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  6. Obrigada por terem gostado das minhas escolhas.

    Obrigada, Catarina, beijinhos e boa semana.

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