Não resisto a transcrever mais uma das (excelentes) crónicas do escritor jornalista Baptista-Bastos. Quase me dá vontade de as transcrever semanalmente, o que se tornaria cansativo para quem me vai lendo e que não aprecia o (ia a dizer "o estilo", mas é quase impossível a quem gosta da nossa bela língua portuguesa não apreciar o estilo deste escritor) o conteúdo dos seus escritos.
Hoje, porém, está por de mais a meu gosto e por isso a deixo aqui:
«Disse o Marcelo Rebelo de Sousa: "Não percebo porque é que o trabalho paga, e o capital não." Claro que o Marcelo percebe muito bem o porquê do facto. Mas o Marcelo gosta muito de dizer coisas e de dissimular os factos. Não é com a aplicação de reajustamentos incidentais que o mundo se recompõe e Portugal melhora. O Marcelo, inteligente e perverso, nada tolo e muito ligeiro, é daqueles comentadores do óbvio que não arriscam nenhuma opinião contrária às opiniões dominantes. Irrita um pouco, à direita e à esquerda, mas trata-se de brotoeja passageira.
A afirmação do Marcelo, no comentário habitual, aos domingos, na TVI, constitui a repetição, dramática por ser repetição, do conteúdo do seu método de ideias. Acaso ele desejasse criar contenciosos, desfazer compromissos de classe e outros, atacar o preço pago pelo poder, tudo isso seriam razões do nosso contentamento. Sobretudo, do nosso esclarecimento fundamental. Mas não. No essencial, o Marcelo cala, consente, desvia, e crê, com cinismo e advertida fidelidade, no sistema louco que nos destrói e liquida lentamente.
O que é grave. O Marcelo é um intelectual muito arguto, muito lido e muito capaz de nos surpreender. Assim, torna mais pesada a responsabilidade que lhe cabe nesta cumplicidade tenebrosa. O espectáculo mediático, por ele protagonizado, todos os domingos, é o fácil recurso à atenção dos outros. Claro que gosto de o ver e de o ouvir. E admito, sem reticências, que o aprecio pessoalmente. Não faz batota. Ou, melhor, a batota que pratica é outra: pertence aos domínios da prestidigitação e do malabarismo. Sabe, como nenhum outro preopinante das televisões, utilizar a frase-chave, a locução com efeito pirotécnico, a contradição como testemunho da diferença.
O Marcelo dá umas bicadas, pequeninas para não degenerarem em infecção, mas, infelizmente, nunca nos informa, nunca toma posição antagónica àquela que pertence ao discurso e à acção reinantes. "Não percebo porque é que o trabalho paga, e o capital não." A frase contém, no seu bojo, algo de degradante, por imoral. O sistema de que é paladino permite e estimula a indignidade, aquela e outras mais.
O Marcelo, lido em Keynes, tem, desde há muito, conhecimento de que o capitalismo é autofágico porque não sobrevive à tentação de "fornecer os ricos com meios para que fiquem mais ricos". E, também, de que esta etapa acelera o processo de dissolução do sistema, quando se lhe pode aplicar a metáfora de Dostoievski, Os Irmãos Karamazov: "Se não há Deus, tudo é permitido." »
Excelente!!!
ResponderEliminarTambém li esta crónica tão certeira na análise mordaz da pseudo-ingenuidade de Marcelo Rebelo de Sousa!
ResponderEliminarQuem é que ainda se deixa enganar por ele?!
Abraço
Boa Malha.
ResponderEliminarTive para postar
mas depois pus-me a pensar
A Carol vai fazê-lo...
E cá estou eu a lê-lo
BB pode querer dizer Baptista Bastos ou Bem Bom...
"Se não há Deus, tudo é permitido." Creio que Deus está usando viseiras para não enxergar tamanha aberração... pirotecnia posta à prova, realmente! Lá e cá as pulverizações absurdas coincidem-se!!
ResponderEliminarAbraço, Célia.
Costumo ler no D.N. digital o B.B. e o Ferreira Fernandes, ambos com "uma pontaria" certeira não falham o alvo (o Álvaro que se cuide também).
ResponderEliminarHa aqui um conceito que nao entendo e altamente enganador
ResponderEliminarprimeiro, porque e que nos concentramos tanto em tentar fazer com que os ricos sejam mais pobres, e nao nos concentramos em fazer com o que os pobres sejam mais ricos?
Outro engano e o conceito que aumentar os impostos e as contribuições dos mais ricos vai resolver o problema. E um engano pode resolver a curto prazo, sim entra mais dinheiro agora. Mas o que vai acontecer daqui a 5 ou 10 anos e que as empresas que eles criaram, que empregam muita gente, nao vao poder crescer, ou ate podem vir a ter de diminuir, o que provoca desemprego o que provoca outra vez um crise.
Temos e de nos concnetrar em tomar medidas que permitam que as pessoas com trabalho arduo ( e isto e que ninguem quer ouvir falar) sejam capazes de criar uma vida melhor .
Bjinhos
Paula
Não entende, não!
ResponderEliminarAh fantástico Marcelo, aquelas suas evasivas divagações tipo analista geral, agora estão mesmo ao seu jeito. Já nem precisa de se esforçar quase nada, as coisas seguem um percurso que lhe é intimamente familiar, logo sente-se como peixe na água.
O Baptista-Bastos é, de facto, um senhor jornalista/escritor. E com uma prosa insuperável, quase me atreveria a afirmar.
Bem Bom...
Há que perceber as diferenças do talvez comentador Marcelo.
ResponderEliminarAté 5 de Junho era anti-sistema. A partir daí passou a ser pró-sistema.
Será que Marcelo ainda não percebeu que um comentador tem que despir a pele de político e vestir a de pessoa isenta?
Vejam como ele abordou o "caso" do irmão que vai para a CGD.
Mas há mais.
Olá Carol,
ResponderEliminarConcordo com essa crónica, penso também que o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, meu professor de Direito Administrativo na FDL,não vai ao fundo dos problemas e poderia ir, porque sabe muito bem como abordar os assuntos e tem capacidade para o fazer, mas infelizmente ele está ali a comentar, não como pessoa isenta, mas como comentador ligado a um partido, por isso quanto a mim os seus comentários perdem em qualidade, porque são tendenciosos. Todos sabemos que só dá uns beliscões muito ao de leve ao seu partido, do qual até já foi Presidente. Portanto não esperemos isenção dali.
Bjs.