sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Fala do homem nascido


Logo de manhã ouvi esta belíssima canção  de José Niza na extraordinária voz de Adriano Correia de Oliveira com aquele fortíssimo poema do poeta Gedeão - que, não é por acaso, serve de introito ao meu blog - e pensei que tinha de a rememoriar aqui.

Lembro-me exactamente de quando "dei de caras" com este poema que, apesar de ter sido publicado em 1958, foi apenas em 75 numa daquelas formações sensacionais  a que tive acesso enquanto professora de Português da chamada Reforma do Ministro Veiga Simão. A professora convidada para orientar a sessão mandou  que nos apresentássemos da forma mais original possível e, aí, uma colega já não me lembro de que escola do país, levantou-se e disse com voz bem colocada as duas primeiras estrofes do poema.

Fiquei deslumbrada! E nunca mais deixei de o ter na cabeça quase sempre na minha vida.

Venho da terra assombrada,
do ventre de minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.

Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.

Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.

Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.

Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.

Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.

Com licença! Com licença!
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.






10 comentários:

  1. Carol
    Excelente!!!
    Para mim é sempre uma referência ouvir Adriano.
    Tal com os poemas de António gedeão.
    Beijo

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  2. Olá, adoro as músicas portuguesas e esse cantor é tão lindo!
    Por que não se escuta mais músicas de Portugal, aqui no Brasil? Eu não sei.
    Meu pai era português e sabia cantar tão bem, sinto saudades e agora ao escutar essa linda canção, lembrei-me dele, ele era bonito como esse cantor.
    Adoro esse teu cantinho e te sigo.
    Beijos da Mery do Brasil.

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  3. Sabes que adoro Gedeão e o mesmo acontece com António Correia de Oliveira que tão cedo partiu!

    Abraço e obrigada pela lembrança

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  4. já quase que não se fazem canções assim! tenho saudades de canções assim, de palavras grandes, cheias, vivas...

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  5. Quéqué isso? Quem manda se apropriar de uma canção feita para mim? Sim, para mim como se prova aqui

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  6. Fecho os olhos e navego na beleza dessa canção por além mares... Belo! Belíssimo! Obrigada pelo momento de encantamento!
    Abraço, Célia.

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  7. Olá, desculpe invadir seu espaço assim sem avisar. Meu nome é Fabrício e cheguei até vc através do Blog turista acidental. Bom, tanta ousadia minha é para convidar vc pra seguir meu blog Narroterapia. Sabe como é, né? Quem escreve precisa de outro alguém do outro lado. Além disso, sinceramente gostei do seu comentário e do comentário de outras pessoas. Estou me aprimorando, e com os comentários sinceros posso me nortear melhor. Divulgar não é tb nenhuma heresia, haja vista que no meio literário isso faz diferença na distribuição de um livro. Muitos autores divulgam seu trabalho até na televisão. Escrever é possível, divulgar é preciso! (rs) Dei uma linda no seu texto, vou continuar passando por aqui...rs

    Narroterapia:

    Uma terapia pra quem gosta de escrever. Assim é a narroterapia. São narrativas de fatos e sentimentos. Palavras sem nome, tímidas, nunca saíram de dentro, sempre morreram na garganta. Palavras com almas de puta que pelo menos enrubescem como as prostitutas de Doistoéviski, certamente um alívio para o pensamento, o mais arisco dos animais.

    Espero que vc aceite meu convite e siga meu blog, será um prazer ver seu rosto ali.

    Abraços

    http://narroterapia.blogspot.com/

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  8. Meus queridos,
    Ainda bem que também gostam do poeta Gedeão e desta belíssima canção. Fico muito feliz por isso.

    Querida Mery, fiquei deveras sensibilizada com o seu comentário: não sei se deva ficar feliz ou "apertada" por lhe ter lembrado seu pai. No entanto, prometo que vou pôr aqui mais música portuguesa só para si! BEIJOS

    Ai o menino Rogério que quer açambarcar...

    Fabrício, pode invadir à vontade! Os blogs são mesmo para serem invadidos senão, não têm graça nenhuma! Prometo ir visitá-lo, só não sei se vou ser capaz de corresponder às expectativas!

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  9. Carol
    Era ainda muito jovem, quando a JOC editou clandestinamente um livrinho com poemas. Vários me marcaram. Este em especial ficou gravado na minha memória, pelo seu conteúdo. Nessa altura tentava aprender viola, com o mestre Alvaro Domingues. Tentei musicá-la. Só anos mais tarde ouvi o Adriano cantá-la.
    Marcou-me. No dia 30 de Março fiz Anos. Dediquei-a a mim mesmo no post que nesse dia publiquei.
    Abraço

    PS: Coincidência hoje publiquei um poema de Gedeão na voz do grande Manuel Freire.

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  10. De facto, trata-se de uma canção e de um poema muito bonitos! O Gedeão era um poeta daqueles!

    Enttão o menino folha seca também é Carneiro?! Cuidados connosco!...

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