sábado, 12 de março de 2011

Manifestação Geração à Rasca



Foi marcada para hoje não sei como nem por quem uma manifestação da dita geração à rasca. Não gosto da expressão nem fonética nem semanticamente. Primeiro porque, de certo modo, derivou da expressão “geração rasca” contra a qual sempre vociferei; depois porque não gosto da expressão “à rasca” por pertencer à área de um brejeirismo antigo, familiar mas que não nos era “permitido” e, por fim, por achar que esta geração está tão “à rasca” como todas as das outras idades e como muitas, muitíssimas outras de que tenho lembrança.

“À rasca” estiveram todas as gerações jovens e não jovens no tempo em que não havia direito a nada senão a uma ditadura fascista e opressora de todas as liberdades, em que não havia direito a uma vida minimamente ocidental, europeia como a dos restantes países ocidentais, em que não havia direito à educação – de relembrar que até ao 25 de Abril a escolaridade “obrigatória” (entre muitas aspas porque nada nem ninguém obrigava a que as meninas fossem para a escola) era a 3ª classe.

“À rasca” estiveram as gerações que, arrancadas aos campos e às suas vidas e famílias se viram forçadas, sem saber ler nem escrever (na verdadeira acepção da palavra) a ir lutar lá longe, para os confins de África, numa guerra colonial idealizada pela cabeça de meia dúzia de cabeças pensantes e mandantes.

“À rasca” estiveram as gerações que, depois da Revolução, vieram como numa vertigem estonteante das suas terras em África onde deixaram as suas vidas, os seus teres e haveres, muitos deles sem terem onde se acoitar, muitos deles sem terem o que comer, nem dinheiro para o comprar.

Não se fez o 25 de Abril em vão. Foi uma luta pela paz, pelo fim da guerra colonial, pela saúde, pela educação, pela melhoria das condições de vida das pessoas, pela liberdade de expressão, de reunião, de comunicação. E o povo explodiu em gritos contra o cinzentismo, o acabrunhamento, a humilhação, a ignorância em que fôramos acorrentados, contra a miserabilidade das vidas de grande, da imensa parte de nós, contra o isolacionismo, contra a incúria. Ganhou-se o direito de expressão. Depois ganhou-se o direito à indignação e ao protesto e à reclamação. Muito bem! Faz parte da gramática da democracia. E ainda bem!

Não estamos, de facto, a viver actualmente a melhor das situações, não senhor. Se estamos descontentes com os PEC(s) e com os cortes e com os aumentos de preços e com a falta de emprego, com a diminuição do poder de compra, etc. etc.? Estamos, sim senhor! E muito. Mas o que fizemos para evitar esta situação de aperto? Como se viveram as décadas dos rios de dinheiro que, vindos da Europa desaguaram aqui após a nossa adesão? Preveniu-se alguma coisa? Houve alguma contenção? Houve fiscalização de gastos? Houve zelo? Houve prudência? Houve criação de riqueza? Houve renovação da indústria? Houve mudança de atitude nos gestores, vulgo, patrões? Houve visão estratégica? Não. Definitivamente, não! Houve apenas preocupação em manter as clientelas e manter as maiorias.

Li o manifesto da manifestação de hoje e está bem escrito e bem intencionado – como somos bons a escrever! Que me desculpem todos, especialmente todos aqueles que estão a passar “o mau bocado”, mas esta, como outras manifestações de rua que se têm arregimentado nos últimos tempos, por muito bem intencionadas e por muito cheias de convicção que sejam, quando põem à frente estes “homens da luta” e outros “trauliteiros” quejandos, soam-me a mais uma festa de rua.



9 comentários:

  1. Querida Carol, tens razão no que dizes, mas eu fico feliz, por finalmente os mais jovens se preocuparem e se manifestarem. Mesmo que não tenham consciência plena do que está em jogo, hoje deram um passo em frente :)

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  2. Comprás-te uma Guerra!
    Já tens um bom lote de seguidores, pela qualidade e interesse dos teus textos, mas cheira-me que vais levar tau tau!
    No meu entendimento, estes jovens, e, os pais têm razão de queixa porque foram enganados, iludidos com cursos, e licenciaturas do xáxa, que não servem para nada. Os pais pagaram o que tinham, e o que não tinham, para darem aos filhos a formação que eles gostariam de ter tido, e têm-nos em casa, ou vêem-nos a trabalhar nas caixas dos supermecados, ou similares.
    No tempo do "botas", os empregos eram na generalidade mal pagos, mas havia muito por onde escolher.
    Estes políticos Europeus, com a benção dos EUA, andam a "meter os papéis", para haver um conflito generalizado!
    A situação anda a ficar semelhante (nalgumas coisas), ao descontentamento popular que pairava antes do 2º conflito Mundial.
    Taxa de desemprego elevada, aumento diário dos bens de primeira necessidade, subida da inflação, famílias sem terem comida para dar aos filhos, etc...
    Uma frase a tomar em linha de conta; - Cuidado com os que não têm nada a perder.
    Por cá:
    Deram-se subsídios a ciganos, e outros oportunistas que nunca fizeram nada, anos a fio, agora chegou a hora do aperto, pagam os justos pelos pecadores. Mas não cortam a esses marginais porque têm medo que lhes entrem em turbilhão pelos gabinetes.
    Corta-se aos cumpridores, e nesta onda o grande patronato faz o mesmo. Os pequenos patrões fecham, porque não aguentam os impostos, e ficam também na miséria. Antigamente nós barafustávamos porque eram bens adquiridos, agora é aguentar porque vêm logo 100 ou 200, que não têm experiência mas querem trabalhar, vão por qualquer preço, e sem contrato.
    Em resumo os jovens estão mesmo "À RÀSCA", gostes ou não do termo.

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  3. O Carlos já disse parte do que eu ia dizer. Obrigado Carlos.


    Prefiro que as pessoas se manifestem porque sim.

    Melhor de que ficar em casa na engorda. Povo fraco faz países fracos. Parece que não existem dúvidas de que algo tem que ser feito. E não são os nossos engravatados que o vão conseguir. Nem rebaixando o rabo à gorda Alemanha:)

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  4. Nada do que os meus queridos comentadores disseram está contra o que eu disse! É tudo bem verdade e uma triste verdade. Também concordo com o "cuidado com os que nada têm a perder", mas o que fizemos nós para prevenir esta situação? O que fizemos enquanto tudo nos caiu gratuitamente no regaço? Quantas longas baixas enganosas e atestados médicos falsos para estarmos sem fazer nada na vida? Quanto aproveitamento de todas as vantagens que fomos ganhando? Quantas casas com piscina e jeeps e facturas falsas e formação fantasma e tudo e mais alguma coisa para enganar o "Zé" enquanto o dinheiro corria direitinho da gorda Alemanha e sei lá de onde mais? Fizemos manifestações nessa altura? Não! E agora fazem-se para correr com o governo e pôr lá outro que, enquanto puder para ganhar o "estado de graça" tudo fará para manter o pessoal contente! Desculpem lá, mas, independentemente das muitas razões que este povo que somos todos nós tiver para protestar, estou muito céptica, e continuo a achar estas manifs um bocado folclóricas.

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  5. Estou de acordo com a generalidade do seu texto.
    Também ando a "comprar uma guerra" ... paciência.
    Doi-me o desespero dos muitos que estão desempregados e já não são jovens... Doi-me a desilusão de muitos outros que foram ou são profissionais responsáveis e se vêm na necessidade de "apertar o cinto" sem esperança numa velhice sem sobressaltos. Na minha geração, os rapazes estudavam, faziam licenciaturas e iam para a guerra ... só depois da tropa podiam procurar emprego. Para as mulheres licenciadas o mercado de trabalho mais comum era a docencia ou ... o casamento!
    Conheço muitos jovens e a maior parte luta por um trabalho e consegue - não necessariamente um emprego ... em Portugal ou não ( têm o mundo disponível, coisa que nós não tinhamos). Também conheço outros que preferem o aconchego da casa dos pais e gastam o dinheiro que ganham nas noites do Bairro Alto, nos concertos, nos festivais ...
    No meu tempo, carro e casa era coisa para muito mais tarde e os transportes públicos eram bem piores ... Hoje, os parques de estacionamento das Universidades estão cheios.
    Ainda bem, digo eu. Ainda bem que se pode ter carro e casa bem mais cedo. Ainda bem que se pode ficar em casa dos pais até mais tarde. Ainda bem que não há guerra e o mundo "está mais perto". Ainda mal que a geração dos nossos filhos foi educada para ter uma vida fácil e quando chega aos 20 anos pede-se-lhes que lutem "por um lugar ao sol" e eles acham injusto.
    Claro que eu gostaria que fosse tudo mais fácil.Mas que uma licenciatura seja uma garantia de um melhor emprego não é nem deve ser. Deve ser sim garantia de uma maior capacidade de resolver problemas, de enfrentar dificuldades, de vencer obstáculos, de saber analisar,julgar, criticar, investigar e descobrir soluções.

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  6. O poderes político, e judicial é que têm que fiscalizar e punir, quem utiliza facturas falsas, baixas fraudulentas, crimes de colarinho branco, lavagens de dinheiro, e fugas ao fisco, mas aí é o que se tem visto ao longo destes anos, estamos mal.
    A maioria dos portugueses trabalhadores, sempre o fizeram por conta de outrém, com ordenados controlados, e descontos sempre feitos em conformidade, esses crimes atráz descritos não são apanágio dos trabalhadores.
    Quem como eu trabalhou, fora da função pública, numa organização exemplar, quem tinha baixas fraudulentas, tinha penalizações fortes, e, a porta de saída era a serventia da casa.
    Quem é que foi preso por ter vigarizado o país em muitos milhões? Só para lembrar, BPP, BCP/Milénio, BPN, CTT, até a CGD, que era dos bancos com mais prestigio e emparceirava com os grandes bancos europeus, já está de tanga. Aqui ninguém vai preso por crimes de lesa pátria! Porquê? Porque assim que for preso o primeiro dessa clique de oportunistas, e vigaristas, têm que arranjar lugar para muitos outros, porque eles vão logo por a boca no trombone. Assim para prevenir qualquer eventualidade, fica tudo solto...!

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  7. Obrigada, Goiaba, pelo seu texto e pela sua compreensão. É isso mesmo: eu não estou contra os jovens que estão cheios de problemas, mas isso aconteceu sempre e em condições muito piores.

    Também tens toda a razão, Caínhas! Tudo o que escreveste está correcto. Mas foi por todas essas irregularidades, fraudes e roubos descarados que estamos como estamos. Sabes quantos atestados médicos meti em 37 anos de escola pública? UM de 30 dias quando fui operada à barriga. E sabes o que é que eu ganhei com isso comparando-me com as minhas colegas que metiam atestados para irem passear para o estrangeiro? NADA! A culpa não é tua ou minha, ou deste ou daquele. É de todos nós, por muito que nos custe.

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  8. E...Eu não pertenci a uma geração " rasca " a da década de 40? Nascido um ano depois de declarada a guerra, bem me lembro dos racionamentos, de quando estava a chover não se ganhava, de famílias numerosas, de gente como eu que vivia em palheiros e cujo chão era de terra batida? E que muitas vezes vi minha mãe chorar porque nós choravamos com fome? E não sofri na pele as agruras dos " verdugos "?
    Como era uma família de 11 pessoas viver só com a jorna de 15 escudos diários? Onde se via restos de pão no caixote do lixo?
    Está mal? Eu sei que é verdade!!!
    Todos veem o vinho que eu bebo, mas raramente ou nunca, veem os trabolhões que dou e que dei.

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  9. Será esta uma geração à rasca?
    O que dizer, então, da minha, da nossa?

    E alguém se preocupou com isso?

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