... que o meu pai morreu, aos 49 anos de idade. Dois dias depois do tremor de terra de 1969. Morávamos em Sintra. Foi num Domingo em que o meu pai tentou levantar-se para ir tratar de um negócio (teria sido o negócio da vida dele) para o local da barragem do Roxo para, com uns sócios espanhois tratar de negociar carradas de tomate para se fazer uma fábrica de concentrado. Não deu para se levantar. Teve um ataque de coração. E naquele tempo (e venham-me falar bem do tempo do Salazar!) não havia ambulâncias para chamar, nem hospitais equipados a funcionar, nem médicos de urgência. Chamámos à pressa o Dr Telmo Henriques que conhecia o problema dele, mas que ainda demorou uma meia hora a chegar. Lembro-me das suas quase últimas palavras: "Aquele cabrão [desculpem-me!] quando chegar já não é preciso!" Depois ainda tivemos de ir desencantar uma enorme e pesadíssima garrafa de oxigénio que transportámos, o meu primo M. e eu escadas acima e pronto! Depois de muitas massagens cardíacas (qual desfribilhador, qual quê!) e de muito oxigénio, ficou-se-nos nos braços. Só me lembro de ver o meu primo, que viveu connosco muitos anos, sentado no sofá de canto do quarto a chorar baba e ranho. Assim mesmo: baba e ranho.
Já não houve negócio e a fábrica de produtos liofilizados, que à época eram novidade, produziu apenas mais alguns meses.
O meu pai era uma pessoa muito empreendedora, muito viva, muito perspicaz e extremamente trabalhador. Mas tinha uma deficiência congénita de coração. E também era um pouco "estouvado"... Apesar de tudo, fumava como se fumava naquela época, sem restrições, bebia o que muito bem entendia e (ainda bem para ele!) viajou e divertiu-se tudo quanto pôde.
De facto, ficou muito afectado com aquele ronco rouco que saiu durante vários minutos das entranhas da terra e mais ainda com os estremeções que abanaram com força a casa onde vivíamos (já metida bem no sopé da Serra) bem rodeada de enormes árvores e mesmo por baixo dos enorme pegregulhos que parece que se vão desprender da mesma. (Ele sempre disse que nunca sentira um tremor de terra e que o primeiro de que se apercebesse lhe seria fatal). Depois de se ter recomposto (mal) do enorme susto, ele ainda teve de conduzir para o aeroporto para ir buscar o meu irmão que chegava de Cabinda, da guerra colonial, para umas curtas férias. E aí ainda voltou a sentir as réplicas do brutal abalo.
O seu pobre coração não resistiu a tanta comoção.
(retrato do meu pai e de minha mãe, no seu escritório em Lisboa, em 1967)
Sem texto...
ResponderEliminarVou arriscar: tu e?
:)
Desculpa, M! "Apanhaste-me" quando ainda estava a fazer experiências com a foto... Ih! Ih! Ih! Não sou eu, não! Era a minha mãe, com 40 e poucos anos. Anos 60! Estás a ver o penteado?
ResponderEliminarA vida é madrasta para muitos!
ResponderEliminarE alguns partem demasiado cedo! :-((
Abraço solidário
Sei o que custa ver partir os que nos amam incondicionalmente.
ResponderEliminarUm abraço solidário
É uma grande dor ver partir alguém que amamos.
ResponderEliminarUm abraço.
É uma saudade muito dolorosa que fica para sempre.
ResponderEliminarE o teu Pai não tinha idade para morrer, era ainda muito novo.
Mas "ela" não escolhe idades...
Quanto às dificuldades e carências dos "outros tempos" quem não se lembra delas? Quem diz que então se vivia melhor não sabe o que diz nem do que fala!
Continuação de boa semana. Beijinhos
Podia ser uma fase de revivalismo:)
ResponderEliminarTeu primo M??? lol
Comovente o teu texto. Maduro e sem excessos de sentimentos a poluir. Um caso de amor bem resolvido:)
Lindos os teus pais...Só podiam!!!
Amiga em primeiro lugar, aquele beijo solidário.
ResponderEliminarA foto dos teus pais, para mim foi como se tivesse acendido um candeeiro, que estava apagado há muitos anos. Já não me lembrava da cara do teu pai, da tua mãe sim, estava cá muito bem viva!
Estaria sempre contigo por todas as razões, e, também por esta, porque também padeço desse mal horrivel, da morte precoce do meu querido pai.
Tudo o que escreves-te sobre o teu encaixa no meu, a terra, a doença, tudo, o ano é que foi outro, 1971.
Em 1969, por esta altura estava cá eu de férias, vindo de Angola, da guerra colonial a expensas minhas, vim num boeing 707 da TAP, um luxo para a época, 11 contos de reis, hoje a ninharia de 55€?!...
Obrigada pelas vossas palavras tão queridas. Já foi, de facto, há muito tempo, mas fica sempre um misto de nem sei bem o quê.
ResponderEliminarO meu primo M., que não faz aqui comentários, mas que segue com atenção estas "coisas" que eu escrevo, mandou-me dizer o seguinte:
"- Se achares por bem, poderás acrescentar às palavras por ele proferidas, mais estas ditas quase ao findar, que eu tantas vezes evoco, e das quais jamais me esquecerei "A morte é uma coisa horrível. "
M! minha querida, há muitos M(s) por esse mundo fora... é uma letra muito simpática!
Pois é, Gato Preto, o meu primeiro ordenado oficila, em 1973, foi de cinco contos e era bem bom. Corresponde aos actuais míseros 25 euros...