(imagem retirada de http://brisadareosa.bligspot.com/ )
A noite de 5 para 6 de Janeiro é/era tradicionalmente a noite dos grupos, nas aldeias, irem de porta em porta cantar as Janeiras recebendo em troca dos donos das casas, especialmente as mais abastadas, alguma coisa para comer e beber.
Lembrei-me de um texto de Aquilino, com a sua prosa característica, que dava aos meus alunos de Português para lerem e interpretarem, no início da minha carreira, acompanhado pela bela canção de José Afonso "Vamos cantar as Janeiras". Apreciem a prosa e, já agora, vejam o tipo de vocabulário que os alunos aprendiam à época...
"Apinhados contra a porta silenciosa, os janeireiros hesitavam. Estavam ainda todos a dormir em casa e iam dar por paus e por pedras se os acordassem. Mas a Lagartixa é que não esteve com meias-medidas e intimou:
- Cantais ou eu largo? Julgais que vim aqui para ficar de boca aberta!
- Então vá! – exclamou o Jaime com o peremptório de quem se atira de mergulho para um poço fundo.
E contra a porta cerrada, em toadilha de princípio perra, depois cerzida de esganiçamentos, atacaram:
Ano novo, melhor ano,
Vimos cantar as Janeiras,
Como é de lei cada ano.
Vinde-nos dar as Janeiras,
Se no-las houverdes para dar,
Somos romeiros de longe,
Não podemos cá voltar.
Boas festas, santas festas,
Está a alba a arruçar,
Venham-nos dar as Janeiras
Que temos muito p’ra andar.
Nesta altura do coral estacaram. Dentro de casa continuava o mesmo silêncio imperturbável. Dormiam que nem pedras no fundo duma cisterna. Pareceu-lhes que o sol não podia estar longe, se é que a névoa o deixava romper por detrás das suas cocas enfelujadas.
Recomeçaram com alegria:
Senhora que lá está dentro,
Linda rosa encarnada,
Mande a moça à salgadeira
Dar-nos ‘smola avantajada.
Uma chouriça p’ra mim,
Outra p’rò mê camarada.
Dê-nos figos do sequeiro
Ou bola do tabuleiro,
Uma peça do fumeiro,
Ou da burra do dinheiro.
Se lhe custa dar-nos disso
As castanhas do caniço.
Ó minha rica senhora,
Cumpra a sua obrigação,
Meta a mão na salgadeira,
Puxe cá um salpicão.
Se o presunto está teso
E a faca não quer cortar,
Faça-lhe ferrum-fum-fum
Nos beiços do alguidar.
A porta rangeu nos gonzos, escancarou-se. Uma voz estremunhada, meio de riso, meio de cólera, rabujou:
- Diabo de pequenos, que nada lhes mete! Não podíeis vir mais tarde?! Hem, arrelampados?
Era a criada velha, que se fazia muito fina, mas quem mandava já lá vinha embrulhada no seu roupão, nada zangada com os cantadores. A Leocádia trazia uma abada com as janeiras, mas agora, divertida também, deixava cantarolar o rancho:
Aqui haja neste dia,
Que manda o Menino-Deus
Filho da Virgem Maria!"
(Aquilino Ribeiro in “O Livro do Menino-Deus”)
Bonito texto de Aquilino e bela música do Zeca, intemporais. É caso para dizer, como no anuncio, há mais na Caixa (Portugal) do que você julga. E quem sou eu para julgar?
ResponderEliminarBela recordação que trouxeste!
ResponderEliminarA saborosa e rica prosa de Aquilino que os nossos alunos liam...
Um costume que ainda persiste por aqui - o de cantarem as Janeiras...Há um grupo de "Janeireiros" da Casa do Povo.
Eu gosto de os receber!
A estreia oficial este ano vai ser na recepção de um candidato a PR.
Já deves calcular qual... :-))
E também deves calcular que lá estarei na fila da frente! :-)))))))
Olha, igualzinho ao que a minha Mãe me contou ontem que se fazia na nossa terra.
ResponderEliminarBelos tempos os dela que os viveu assim. Eu não que vim para Lisboa com 3 anos.
Beijosssss e um Bom Ano Novo Carol
Ler os clássicos é muito importante: a nossa literatura é muito rica e também não fazia nada mal às nossa criancinhas que os lessem para conhecerem as nossas tradições e os nosso valores. Mas agora é só computador, computador, computador... quando o computador é apenas uma ferramenta, um utensílio importante como o esquentador ou a máquina da roupa...
ResponderEliminarTite, aí em Lisboa também se cantam as Janeiras - em S. Bento e no Palácio de Belém... ah, ah, ah!
Tens razão Carol, eu é aue nunca brinquei a "esse jogo" -:))
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