domingo, 2 de janeiro de 2011

Sonata para um menino que está a chegar



("Feliz 2011" deseja-vos o Ralph)


Vens juntar-te nós e, em si mesma, a tua vinda é já um acto de comovente beleza. Há muito que te esperávamos, provindo dessa interminável sequência na qual se tecem os fios da nossa condição. As coisas não estão boas, por aqui. Mas os tormentos que nos assolam não calam a voz das nossas esperanças. Vem, menino. Pertences a uma estirpe que acendeu o seu lume em muitos campos alheios e fez um leito de nações num concerto de poesia que dura há séculos. Que quer, rigorosamente, dizer isto? Que o parágrafo das nossas vidas tem sido extenso e que, no encontro com os outros, alargámos os laços da nossa pessoal intimidade.

Vem, menino. Menino novo, cujo coração unânime vai bater como o coração de um anjo que sorri e nos acena. Sei que vais ser um menino feliz, como eu sou feliz ao escrever esta afirmação pausada. Menino feliz porque te espera um coro de risos, de faces radiantes; a paixão de quem quer dar tudo pela fortuna de te ter consigo e o regozijo de nos pertenceres para te pertencermos.

Há muito que te esperávamos. Há muito que te esperava, como o louvor de uma boa nova ou o sinal de uma luz rigorosa para a festa de todas as festas. E aí vens.

Já se sabe como é o mundo: sombrio e venal, cobarde e duro, obscuro e triste, glorioso e valente, tímido e arrogante, calado e grosseiro. Já se sabe. Mas a qualidade áurea das criaturas que o habitam e que o moldam, com a argila das suas individuais deficiências, faz com que, todos os anos, continuemos a acreditar. E assim nascem meninos como tu, produtos dessa crença confusa na concórdia que nos impele para todos os recomeços.

Em cada ano que atravessa outro ano renovam-se os risos, remoçam os alvoroços, renascem os velhos no olhar dependente dos meninos, porque os velhos são meninos que se prolongam na pontualidade e no espanto das coisas permanentemente inauguradas. A vida, como é hábito.

Espero-te com a emoção de quem viajou por muitos bares, muitas cartografias, por muitas palavras, por muitos socalcos. Mas não quero dar-te conselhos. Os conselhos são o modo de os antigos imporem uma ridícula superioridade. A expressão: "No meu tempo..." é o início de algo de enfadonho; a fastidiosa e inútil frase que pretende doirar o passado de misérias e afrontas. Como se isso fosse possível. O tempo é todo nosso, o teu e o meu, pode levar tudo, mas nunca lava tudo.

O mundo anda atrapalhado e aflito. Há quem pense que deixou de haver lutas e que a nitidez do entendível perdeu-se no opaco e na desistência. Vais ver que as realidades não são bem assim e que as razões da existência dispõem de argumentos poéticos com os quais se pode enfrentar a manipulação, a omissão, o medo e a mentira.

Não te demores.

(Baptista-Bastos,  in DN 29/Dez/2010)

Quem me dera saber escrever assim!

4 comentários:

  1. E quem não gostaria?!
    Que texto tão bem conseguido em relação a esse menino que aí vem, esse menino novo que deve ser recebido com risos, com abraços, com carinho, apesar de todas as incertezas!
    Um 2011 cheio de coisas boas!

    Abraço

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  2. Já festejamos este Menino há 2010 anos e sempre lhe fazemos uma festa. É o Seu Aniversário.
    Que Ele esteja sempre presente nas nossas vidas e nas nossas palavras.

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  3. Quero acreditar que os tempos difíceis tornam os meninos (que somos) mais fortes.

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  4. Toda a razão, Rui! Temos de ser optimistas!

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