1-Fevereiro (sábado). Fiz cinquenta e três anos há dias. Como é obvio, não acredito. Mas enfim, é a opinião do Registo Civil. Acabou-se, fiz cinquenta e três anos. É aliás uma idade inverosímil a minha, desde os cinquenta. A “vergonha” da idade (que não tenho) deve vir daí. E lembrei-me: e se eu tentasse uma vez mais o registo diário do que me foi afectando? Admiro os que o conseguiram, desde a juventude. Nunca fui capaz. Creio que por pudor, digamos, falta de coragem. Um romance é um biombo: a gente despe-se por detrás. Isto não. Mesmo que não falemos de nós (é-me difícil falar de mim). Aliás como os outros, desconheço-me. Talvez, também porque me evito. A verdade é que, quando me encontro bem pela frente, reconheço-me intragável. Mas enfim as virtudes são também desgostantes. De resto, sou pouco abonado. Segundo a Regina, as virtudes que tenho têm mesmo raízes viciosas: tolerância por fraqueza, interesse pela arte, por vaidade e coisas assim. Não digo que aconteça isso com todas as ditas virtudes; mas com algumas deve ser verdade. Chega. O meu “diário” está nas centenas de cartas aos amigos. Lembro as ao Lima de Freitas. L. Albuquerque, Costa Marques, Mário Sacramento, Eduardo Lourenço, alguns mais. Em todo o caso, essas mesmas, falsas. Excepto talvez quando sobre coisas “sérias”. E ainda aí há quase sempre um disfarce ou o tempero do gracejo. Serei agora capaz? Tento. Seguro-me ao argumento de que me dá prazer ler os registos dos outros. Lêem-se sempre com curiosidade. Um motivo para insistir – satisfazer a curiosidade dos outros. Mas terei eu “outros”?
Vergílio Ferreira, escritor das minhas preferências, faria hoje 95 anos. Nasceu em 28 de Janeiro de 1916 e morreu em 1 de Março de 1996, com oitenta anos de idade. Transcrevo aqui a primeira entrada do seu diário - Conta-Corrente - que manteve entre 1969 e 1992 e que eu segui com muito gosto.
Desconhecia esta Conta-Corrente deste fabuloso escritor.
ResponderEliminarO que li deu-me vontade de rir por ver o modo como ele brinca com as palavras e a sua idade ou o registo dela.
Beijos e bom FdS
Mais um que anda injustamente esquecido...Fosse ele jogador de futebol...
ResponderEliminarGosto muito dele e dos livros:)
E como Vergílio Ferreira escrevia bem.
ResponderEliminarSempre!
Reparei no comentário da M. e não posso deixar de dizer que muitas vezes será conveniente que o sistema não nos absorva.
Se é que me faço entender...
Mas, no meu tempo, era quase obrigatório ler primeiro os escritores Portugueses. Admirei sempre Vergílio Ferreira,Miguel Torga como Camilho, Eça entre tantos outros belos escritores. Também os havia os "Malditos" da época e que hoje ninguém fala deles. Refiro-me ao Albino Forjaz de Sampaio, Manuel Maria Barbosa do Bocage ( Elmano Sadino) entre outros.
ResponderEliminarBoa escolha de texto.
Pois é! Foi o Conta-Corrente que me fez ler alguns excelentes livros do autor. O primeiro que tentei ler (Nítido Nulo) fez-me desistir após a leitura das primeiras páginas.
ResponderEliminarImpressionou-me sempre uma certa ansiedade,direi mesmo medo, em relação à morte, cada vez mais próxima, à medida que os anos passavam.
Pois eu gostei muito de "Nítido Nulo"!
ResponderEliminarNão tenho o mínimo medo da morte...
Gosto muito deste autor!
Muito bem lembrado, Carol!
Abraço
Pois eu tenho medo da morte, ou melhor, tenho pena de morrer (por enquanto...) e gostei imenso do Nítido Nulo e de todos os livros que li dele. Mas é realmente um autor atormentado pela ideia da morte. E um bocado esquecido também, M!
ResponderEliminarO João tem razão: na escola nós tínhamos um contacto obrigatório com os nossos bons autores. Era obrigatório e não nos fez mal nenhum! Agora, desde que os meninos saibam computador já são os melhores do mundo! Vale mais uma apresentação em Powerpoint que um poema do Fernando Pessoa...
E com isto não quero parecer um Velho do Restelo!
Olá Graça,
ResponderEliminarPara lhe enviar a sua foto do jantar de ontem, necessitava do seu e-mail.
O meu é:
pedromacieira@hotmail.com
também gostei muito de os conhecer.
Um abraço