sábado, 7 de abril de 2018

A Taça de Chá

(daqui)


O luar desmaiava mais ainda uma máscara caida nas esteiras bordadas. E os bambús ao vento e os crysanthemos nos jardins e as garças no tanque, gemiam com elle a advinharem-lhe o fim. Em róda tombávam-se adormecidos os idolos coloridos e os dragões alados. E a gueisha, procelana transparente como a casca de um ovo da Ibis, enrodilhou-se num labyrinto que nem os dragões dos deuses em dias de lagrymas. E os seus olhos rasgados, perolas de Nankim a desmaiar-se em agua, confundiam-se scintillantes no luzidio das procelanas.

Elle, num gesto ultimo, fechou-lhe os labios co'as pontas dos dedos, e disse a finar-se: --Chorar não é remedio; só te peço que não me atraiçoes emquanto o meu corpo fôr quente. Deitou a cabeça nas esteiras e ficou. E Ella, num grito de garça, ergueu alto os braços a pedir o Ceu para Elle, e a saltitar foi pelos jardíns a sacudir as mãos, que todos os que passavam olharam para Ella.

Pela manhã vinham os visinhos em bicos dos pés espreitar por entre os bambús, e todos viram acocorada a gueisha abanando o morto com um leque de marfim.

A estampa do pires é igual.

(Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1')




Porque Almada nasceu num dia 7 de abril, faz hoje 125 anos.


(daqui)

13 comentários:

  1. E a escolha para o recordar é magnífica!!!bj

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  2. Um texto muito bonito
    Abraço e bom fim-de-semana

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  3. Que bela história e essa xícara, linda!
    Tenha um lindo fim de semana. Abraços

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  4. que viva Almada! que viva, pim!...

    beijo

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  5. E também gostei da ortografia. :)

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  6. Os textos de Mestre Negreiros deixam-nos sempre a flutuar.
    Gostei da tua escolha!...E da porcelana chinesa, bago-de-arroz.:)

    Bom Domingo, Graça!
    Beijinhos

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  7. Linda peça e lindo texto do Almada! Já houve mais culto à porcelana; parece-me. Lembro de minha mãe que era aficionada em objetos de porcelana. Hoje já não se vê dar tanta importância... Parece que o ser humano está de desapegando do belo e se apegando ao supérfluo, pois até mesmo às obras de arte como pintura, parece haver menos procura. Bela postagem! Parabéns! Grande abraço. Laerte.

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    Respostas
    1. Tem toda a razão! Sinto, desde muito nova, um especial encantamento por objetos de porcelana; especialmente chávenas. Tenho muitas!! Não sei o que lhes vai acontecer quando eu deixar de existir. Parece que agora não têm valor nenhum... :(
      Obrigada pelas palavras e pela visita.

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  8. Amigos, fico feliz por terem gostado do texto. A prosa poética de Almada tem a beleza, a leveza do seu desenho, da sua pintura. Um artista completo!

    Beijinhos e boa semana.

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  9. A minha avó paterna tinha um serviço de porcelana chinesa, não sei o que fizeram quando faleceu.
    O texto está lindíssimo, Graça.
    Este homem foi um génio.
    Vi as suas exposições, em Lisboa, no ano passado, e no Porto, o mês passado, fiquei fascinada com o seu trabalho.
    Beijinho.

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