segunda-feira, 9 de abril de 2018

A Batalha de La Lys: um relato



A Batalha de La Lys, travada no Sul da Flandres em 9 de Abril de 1918, constitui o momento mais traumático da acidentada participação portuguesa na Primeira Grande Guerra.

Esta batalha insere-se na investida que a Alemanha desencadeou na Primavera desse ano com o objetivo de quebrar a resistência dos Aliados e acabar rapidamente com a guerra, buscando alcançar a vitória antes que os contingentes norte-americanos, que desembarcavam em França a um ritmo crescente, tomassem parte no conflito.

O novo poder instalado na Rússia, saído da Revolução de Outubro, logo em Novembro assinara um cessar-fogo e em 3 de Março de 1918 firmara a paz separada com os Impérios Centrais. O exército alemão agora com uma só frente de luta na Europa, a ocidental, volta-se para a Flandres e decide a chamada "Operação Georgette” para retomar a cidade de Ipres e abrir caminho até Calais e Boulogne. É nesta operação que se enquadra o combate da planície do Lys. As forças militares em presença são, de um lado, a 2.ª Divisão do Corpo Expedicionário Português comandada pelo general Gomes da Costa e as Divisões 40ª e 55ª do Reino Unido, e, do outro lado, o 6.° Exército alemão, com oito divisões em primeira linha, outras quatro em apoio e mais sete em reserva.

A batalha começa às 4,15h com um bombardeamento alemão maciço sobre as trincheiras, sobre as primeiras e segundas linhas de infantaria. O comando português foi colhido de surpresa e levou algum tempo a perceber que não se tratava de mais um raid. As comunicações ficaram todas cortadas desde as 4,30h, quer as ligações telefónicas, quer o telégrafo. A batalha transformou-se numa série de combates locais de iniciativa dos oficiais subalternos.

Sem comunicações, logo desde o início cada unidade ficou entregue a si própria sem qualquer direção do comando e ficaram também comprometidas as transmissões entre a infantaria e a artilharia que a apoiava. Durante horas de bombardeamento pesado, a artilharia germânica conseguiu varrer as linhas de abastecimento e as posições da artilharia, e destruir completamente todas as fortificações da linha de defesa em frente ao setor português.

 Às 7h, as primeiras linhas de infantaria portuguesa eram "uma massa de escombros, de terra, de revestimentos despedaçados, amalgamados com os cadáveres das guarnições!"

Pelas 7,50h, os soldados alemães, a coberto da sua barragem de artilharia e do nevoeiro, saltam os parapeitos das trincheiras, atravessam a terra de ninguém, e atacam diretamente as posições defendidas pelos restos dos Batalhões de Infantaria, que os recebem à baioneta até serem completamente avassalados pela enorme superioridade numérica contrária, que avança em ondas sucessivas.

Uma hora depois, a Divisão Britânica começa a retirar, deixando o flanco português desprotegido a norte. Às 9,30h, as forças alemãs atacam as linhas de separação entre as congéneres portuguesas e inglesas em ambos os lados. Às 10,30h, os Britânicos da 55ª Divisão, a sul, avisam que também vão recuar e estabelecer posições defensivas. Assim, as divisões em que os flancos da Divisão portuguesa se apoiavam "retiravam para formarem flanco defensivo, deixando aberturas por onde o inimigo penetrou com mais facilidade".

A partir desta hora começa a desorganização de muitas unidades, completamente destroçadas, com os soldados errando desgarrados depois de abandonarem os seus postos.

Muitos são mortos e feridos, e milhares são feitos prisioneiros. As hostes portuguesas e britânicas não conseguiram aguentar o embate e cederam perante uma avalanche que chegou a ser na proporção de dez para um.

Cerca de 400 portugueses morreram nessa batalha e mais de sete mil portugueses terminaram a guerra em campos de prisioneiros alemães, onde enfrentaram condições de vida muito complicadas.

O seu desenlace feriu profundamente a alma nacional, chegando a falar-se de um novo Alcácer-Quibir.

(Texto adaptado de “Batalha de La Lys: um relato pessoal” recolhido e tratado por Guilhermina Mota. Trabalho completo em:


(Prisioneiros portugueses)

19 comentários:

  1. Um verdadeiro horror.
    As tropas portuguesas não estavam minimamente preparadas para o que aconteceu.
    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A guerra é um horror! E nesse tempo, o país era tão pobre, o povo tão miserável, como poderia estar minimamente preparado para uma enormidade daquelas?

      Eliminar
  2. Mas ainda assim ficou a memória de um herói.
    Ainda agora ao jantar estive a pesquisar sobre o soldado Milhões, o nome pelo qual ficou conhecido Aníbal Augusto Milhais, o soldado português mais condecorado da I Guerra Mundial. A minha mãe ouviu o seu nome nas notícias e estivemos a pesquisar sobre ele.

    Beijinhos em dia de efeméride (triste)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também li no jornal. Parece que vão fazer um filme sobre esse soldado. Vamos esperar para depois ver.

      Beijinho.

      Eliminar
  3. Convém sempre (re)lembrar.
    Para que a memória não se perca.
    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A História faz-se de todas estas e outras lembranças, Pedro. Há que passar o "testemunho"...

      Beijinho.

      Eliminar
  4. Muito bem. Adorei a publicação. Parabéns:))

    Hoje:- Estaria mentindo, se a sede não fosse o desejo.
    -
    Bjos
    Votos de uma boa Terça-Feira

    ResponderEliminar
  5. Vi e ouvi, ontem, no noticiário da manhã, na RTP1, a notícia sobre a comemoração do centenário da Batalha de La Lys. Àquela hora, matinal, o cemitério português de Richebourg, era pequeno para albergar tanta gente que ali aguardava a chegada do nosso PR e do Presidente francês.
    Tive pena de não dispor de tempo para esperar até à chegada dos Chefes de Estado, pois noticiaram que, as dezenas de crianças que ali se encontravam, descendentes de emigrantes portugueses e familiares dos soldados que perderam a vida nessa Batalha, haviam aprendido o Hino de Portugal, para o cantarem quando fosse chegado o momento de o fazer. A palavra que mais lhes custou a pronunciar - disseram - foi "canhões". Senti-me profundamente emocionada, mas não voltei a ouvir nada sobre o acontecimento.

    Obrigada, Graça, por nos relembrares a valentia (hoje, meio adormecida) do povo Lusitano.

    Beijinhos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também fui vendo pela televisão. Gosto de tudo quanto tem a ver com a nossa História.

      (E tens razão: a nossa valentia anda pelas ruas da amargura...)

      Beijinhos.

      Eliminar
  6. escutei o relato vezes sem conta, sentado nos joelhos de um tio-avô!

    beijo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Imagino que deva ter sido bem emocionante! Não tive essa sorte...

      Eliminar
  7. Ninguém está preparado para morrer
    muito menos inocente
    Bj

    ResponderEliminar
  8. Obrigada por partilhar em pormenor um acontecimento que a História jamais esquecerá!bj

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Acontecimento bem triste! Mas a História é mesmo assim: feita de momentos bons e outros menos bons!

      Beijinho

      Eliminar
  9. Tive um avô que andou por lá e que felizmente sobreviveu !

    ResponderEliminar
  10. Boa tarde
    Ao lembrar-me que o meu avô deixou um diário escrito com um relato da batalha de La Lys, vim à Net e deparei-me com este Blog, cujo relato é idêntico ao do meu avô, só que com outras palavras...

    ResponderEliminar