quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

O Conquistador

Foi por acaso (sou grande entusiasta dos acasos) que me veio ter às mãos a recente edição do livro «O Conquistador» que o escritor Almeida Faria lançou em 1990.

Deste autor sabia quase apenas que escrevera «Rumor Branco» quando tinha ainda 19 anos (1962) que, quando saiu, fora uma enorme pedrada no charco da nossa literatura, imediatamente adotado por Vergílio Ferreira (o que não era fácil…)

Este pequeno romance – chamar-lhe-ia novela até! – tem o seu encanto e a sua magia. É um verdadeiro pícaro: sonhador, divertido, imaginoso. Trata-se das aventuras de um rapaz que nasce na zona do Cabo da Roca, no dia do mês em que o rei D. Sebastião nascera, quatro séculos exatos depois do nascimento do rei virgem. Também se vai chamar Sebastião, o pai e a mãe também se chamavam respetivamente João e Joana e também tem seis dedos num dos pés.  Só que… ao contrário de D. Sebastião, este é um libertino, doido por mulheres.

O encanto de que falo acima vem da história da novela, da forma como nos é contada e das singularidades de muitas das personagens que fazem a ação evoluir, nomeadamente a avó Catarina.
A magia vem do ambiente em que se passa, desde a chegada do protagonista até à sua última aparição – a Serra de Sintra em todo o seu feitiço. De facto, Sebastião nasce e vive toda a sua infância e adolescência na casa do Farol, conhece e percorre as praias da Adraga, da Ursa, das Maçãs, toda a costa e todas as veredas da serra como ninguém, acabando por se recolher na Peninha.

As descrições são sublimes e de uma imagética exata e poética que, de imediato, nos lançam no meio das neblinas de Sintra.

«Vindas do mar, [no dia do seu nascimento] lufadas de névoa avançavam em direção à serra, como um exército desordenado recuando em debandada. Este espetáculo criou nos presentes, e ignoro se em meu pai, a convicção de que não seria casual a coincidência de el-rei e eu termos vindo ao mundo a vinte de janeiro, dia do santo do mesmo nome. Quando cresci e percebi que algo se esperava de mim, preferi, por instinto, fingir que não era nada comigo. Só muito mais tarde comecei a interrogar-me, como agora, quando olho aqui de cima, da Peninha, este mar hoje coberto de tiras de neblina.» (…)

«A nevoaça veio de manhã esvoaçando rente ao mar e agarra-se agora às rochas da costa, à orla das praias e ao cimo da serra donde não se dispõe a largar. O céu limpo e as temperaturas altas, anunciadas pela rádio, devem referir-se a outro país. Aqui, neste isolamento, envolto nesta espécie de manto de bruma encharcado em água, é inverno cerrado, embora haja sol a meia dúzia de quilómetros. Sintra é assim: um microcosmo e um microclima. Mas a bruma não me incomoda nada, condiz com a minha clausura e o meu cansaço.»

Foram descrições como estas que me devolveram a imagem das húmidas brumas que se esvaíam pelas encostas da serra e encantaram os primórdios da minha vida.

E que eram assim…
















(fotografias da página do facebook de Emília Reis)

11 comentários:

  1. O escritor não conheço.
    As imagens estão bestiais.
    E fazem lembrar o D. Sebastião :)))
    Beijinhos

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    1. :))) Ele que tanto andou lá pela serra e pela vila!

      Beijinhos.

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  2. Gostei muito do texto!!

    Beijinhos com carinho

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  3. Compreendo que o livro te tenha agradado tanto... aliás deve ser interessante, porém, eu não conheço essa Sintra. Conheço a Sintra bem iluminada...
    Beijinhos sem nevoeiro.
    ~~~

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    1. E eu, que vivi lá 16 belos anos da minha vida, conheço ambas. A do nevoeiro só mesmo para quem lá mora e ama a serra.

      Beijinhos luminosos... :)))

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  4. Crítica literária do melhor que tenho lido. As fotos também são excelentes.

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    1. Muito obrigada, Francisco!

      Boas Festas!

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    2. Só para ler esse simpático elogio valeu a pena escrever o texto.... (que me deu muito prazer a escrever.)

      Obrigada uma vez mais.

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  5. Muito boa apresentaçao, acompanhada de imagens sugestivas como bónus.
    BFS.

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  6. gostei da poética de quem escreve e a de quem descreve. e gostei muito da viagem, de sentir aquele frio-fresco-verde-húmido-misterioso.

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