Foi por acaso (sou grande entusiasta
dos acasos) que me veio ter às mãos a recente edição do livro «O Conquistador» que o escritor Almeida
Faria lançou em 1990.
Deste autor sabia quase apenas
que escrevera «Rumor Branco» quando
tinha ainda 19 anos (1962) que, quando saiu, fora uma enorme pedrada no charco
da nossa literatura, imediatamente adotado por Vergílio Ferreira (o que não era
fácil…)
Este pequeno romance – chamar-lhe-ia
novela até! – tem o seu encanto e a sua magia. É um verdadeiro pícaro: sonhador,
divertido, imaginoso. Trata-se das aventuras de um rapaz que nasce na zona do
Cabo da Roca, no dia do mês em que o rei D. Sebastião nascera, quatro séculos
exatos depois do nascimento do rei virgem. Também se vai chamar Sebastião, o
pai e a mãe também se chamavam respetivamente João e Joana e também tem seis
dedos num dos pés. Só que… ao contrário
de D. Sebastião, este é um libertino, doido por mulheres.
O encanto de que falo acima vem
da história da novela, da forma como nos é contada e das singularidades de
muitas das personagens que fazem a ação evoluir, nomeadamente a avó Catarina.
A magia vem do ambiente em que se
passa, desde a chegada do protagonista até à sua última aparição – a Serra de
Sintra em todo o seu feitiço. De facto, Sebastião nasce e vive toda a sua
infância e adolescência na casa do Farol, conhece e percorre as praias da
Adraga, da Ursa, das Maçãs, toda a costa e todas as veredas da serra como
ninguém, acabando por se recolher na Peninha.
As descrições são sublimes e de
uma imagética exata e poética que, de imediato, nos lançam no meio das neblinas
de Sintra.
«Vindas do mar, [no dia do seu
nascimento] lufadas de névoa avançavam em direção à serra, como um exército
desordenado recuando em debandada. Este espetáculo criou nos presentes, e ignoro
se em meu pai, a convicção de que não seria casual a coincidência de el-rei e
eu termos vindo ao mundo a vinte de janeiro, dia do santo do mesmo nome. Quando
cresci e percebi que algo se esperava de mim, preferi, por instinto, fingir que
não era nada comigo. Só muito mais tarde comecei a interrogar-me, como agora,
quando olho aqui de cima, da Peninha, este mar hoje coberto de tiras de
neblina.» (…)
«A nevoaça veio de manhã esvoaçando
rente ao mar e agarra-se agora às rochas da costa, à orla das praias e ao cimo
da serra donde não se dispõe a largar. O céu limpo e as temperaturas altas,
anunciadas pela rádio, devem referir-se a outro país. Aqui, neste isolamento,
envolto nesta espécie de manto de bruma encharcado em água, é inverno cerrado,
embora haja sol a meia dúzia de quilómetros. Sintra é assim: um microcosmo e um
microclima. Mas a bruma não me incomoda nada, condiz com a minha clausura e o
meu cansaço.»
Foram descrições como estas que
me devolveram a imagem das húmidas brumas que se esvaíam pelas encostas da
serra e encantaram os primórdios da minha vida.
O escritor não conheço.
ResponderEliminarAs imagens estão bestiais.
E fazem lembrar o D. Sebastião :)))
Beijinhos
:))) Ele que tanto andou lá pela serra e pela vila!
EliminarBeijinhos.
Gostei muito do texto!!
ResponderEliminarBeijinhos com carinho
Obrigada, Cidália.
EliminarBeijinho.
Compreendo que o livro te tenha agradado tanto... aliás deve ser interessante, porém, eu não conheço essa Sintra. Conheço a Sintra bem iluminada...
ResponderEliminarBeijinhos sem nevoeiro.
~~~
E eu, que vivi lá 16 belos anos da minha vida, conheço ambas. A do nevoeiro só mesmo para quem lá mora e ama a serra.
EliminarBeijinhos luminosos... :)))
Crítica literária do melhor que tenho lido. As fotos também são excelentes.
ResponderEliminarMuito obrigada, Francisco!
EliminarBoas Festas!
Só para ler esse simpático elogio valeu a pena escrever o texto.... (que me deu muito prazer a escrever.)
EliminarObrigada uma vez mais.
Muito boa apresentaçao, acompanhada de imagens sugestivas como bónus.
ResponderEliminarBFS.
gostei da poética de quem escreve e a de quem descreve. e gostei muito da viagem, de sentir aquele frio-fresco-verde-húmido-misterioso.
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