sábado, 29 de outubro de 2016

O país dos ais

Foi a meio da manhã. Cheguei à florista e estavam duas pessoas à minha frente. Olhei para as imensas vasilhas com flores e respectivos preços e, com o olhar, escolhi um gordo ramo de belas margaridas brancas de corolas bem cheias.

Esperei. A senhora que estava a começar a ser atendida optou por deixar as flores encomendadas porque estava com um bocadinho de pressa. Bem encostada ao balcão, ditou, com todas as delongas, para a empregada o tipo de flores que queria, o preço limite do ramo e depois, demorou um bom pedaço de um bocado para decidir a que horas haveria de ir levantar a encomenda. «A que horas fecham?» E a empregada, sorridente mas a pretender mostrar o ar mais estafado do mundo afirmava que a patroa era capaz de nem fechar. Aí a dona da loja arremelgou os olhos mostrando o seu ar mais cansado e disse que fechar, fechava, mas não sabia quando, pois se já não aguentava com tanta dor nas costas. E mais já estava drogada. A partir daí foi um desfiar de ais e de uis que nunca mais acabavam. A segunda cliente meteu-se na conversa reclamando horas e horas de trabalho que ainda teria de cumprir, ao que a empregada respondeu que estava ali que nem a conseguia ver de tão tonta que se sentia e por aí fora… A senhora que afirmara estar com um bocadinho de pressa lá se decidiu a marcar a recolha das flores para as sete e meia e a segunda cliente – que asseverara ter muito trabalho pela frente – foi placidamente atendida pela dona da loja (que já se drogara) enquanto eu, que já tinha as minhas margaridas de braçado, entreguei apressadamente a nota sem troco à empregada (antes que ela, no transe de uma tontura, se espetasse no chão) e quase nem lhe dava tempo para enrolar as flores numa folha de papel para que não pingassem…

Saí breve. Nunca suportei queixumes no trabalho! A atitude no trabalho tem de ser diligente e ativa. Se está doente, trate-se. Se está contrariado, mude-se. 

É uma das nossas (tristes) maneiras de ser: o lamento é o nosso melhor suporte. Se não nos queixamos, podemos dar a ideia que não “nos matamos” a trabalhar e, por outro lado, não granjeamos a piedade dos outros. Assim um pouco como na tragédia grega…





20 comentários:

  1. : ))

    Os oposto dos americanos: Como está? Não poderia estar melhor! : ))

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    1. Claro!!! E assim é que é! O cliente não tem culpa e não tem de levar com os achaques de cada um por muita razão que tenham nos seus achaques. Digo eu...

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  2. Quase todo o micro empresário
    está nesse estado

    abre a porta e nem ganha para o salário
    vai ver... um dia destes fecha
    a empregada? vai ver que é precária
    se não trabalhar não ganha...

    Um dia destes, numa situação semelhante
    perguntei à dona, senhora já entradota
    porque não fechava ela a porta
    sabe o que respondeu?
    "ó meu filho, e depois o que é que faço?
    Assim, ainda vou vendo alguém, sempre tenho com quem falar
    e com quem me queixar..."

    Verdade!...

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    1. Pois é e como o lamento. Mas o cliente não pode ter de levar com tudo isso em cima. Por isso os shoppings estão a arrasar com o dito comércio tradicional...

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  3. Olá Gracinha!

    Hoje não é para rir...
    É para constatar e algo mais.

    Admiro Quintana! Admiro Mário Viegas!
    Que profusão de ais, que todos nós já proferimos também, sem repararmos.
    A sra. que tinha pressa demorou mais com as perguntas, do que se efectuasse logo a compra.
    E as vendedoras estavam feitas gatas miadeiras- ai, ai, ai...

    Bom Domingo, com mais uma hora na cama.
    Dilita

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  4. Ai do Mário Viegas, que conheci pessoalmente e tão cedo partiu!... Uma postagem excelente de quem bem observa o quotidiano.
    O meu abraço,

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    1. O que eu gostava de o ouvir/ver! Era mesmo um excelente diseur que tão cedo partiu. Uma pena.

      Beijinho.

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  5. Como eu concordo contigo! Não suporto queixumes, tive uma colega horrorosa que trabalhava devagar, devagarinho e quando alguém lhe chamava a atenção respondia sempre: «pró que me pagam....está muito bem assim»...., um dia perguntei-lhe se ela alguma vez tinha posto a hipotese de mudar de emprego e encontrar um que lhe pagasse mais, respondeu-me «naaaã, isto é assim por todo lado..»
    Não há paciência!!!
    bjs

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    1. Tive algumas colegas assim - professoras. Mau de mais!

      Beijinho.

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  6. mas poderá haver alguma solidariedade em tantos "ais" :)
    por outro lado, nos apertos de mão e no "como vai?", parece que em princípio a resposta será sempre "bem" ou "vai-se andando"
    um beijinho e uma boa semana

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    1. Ah, mas portugues(a) que se preze, ao «como está» responde quase inevitavelmente com um ror de queixas e queixumes e doenças e desgraças...

      Beijinho, Gábi.

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  7. Pois...quem nunca se queixou que atire a primeira pedra...:))

    Lindos, lindos, são os Ais do Mário Viegas!

    Beijinhos sem queixumes!

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    1. Claro que toda a gente já se queixou. Em família, entre amigos ou colegas, mas em plena ação laboral não me parece muito adequado.

      O Mário Viegas era o máximo!!

      Beijinhos sem queixumes...

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  8. Acho que tinha vindo embora! Mas prometo não sair daqui enquamto não ouvir tudinho do Mário tudinho.

    Boa semana e um beijinho.

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  9. Gostei do texto ! É fado autêntico, como os portugueses gostam de se lamentar :(
    Excelente como d'habitued o Mário Viegas !

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  10. Entre queixa daqui e queixume dali a conversa arrasta e quem espera (de flores na mão) desespera. :)

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  11. Pessoas com dificuldade em lidar com o stress da vida!
    O meu queixume é das dores que tem dias que são desesperantes!
    Ai as arteroses!!! Bj

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