sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O bom senso

Sabe quem me conhece bem que eu sou – sempre fui – esquisita. Esquisita com o comer; esquisita com o aspeto das coisas; esquisita com a forma de fazer as camas; esquisita com as amizades; esquisita com os gostos em geral. Lembro-me de, jovem adolescente e mesmo jovem adulta, detestar (quase) tudo e (quase) todos e de a minha mãe, que tinha uma forma de ser bem austera, me chegar a proibir de usar o verbo «detestar»… Lembro-me de um colega/amigo com quem há anos trabalhei e bem lá na direção da “minha” escola diariamente durante dois anos (e que depois se “passou” para a “oposição” mas que, apesar de tudo, nunca detestei…) me perguntar um dia em tom de brincadeira: «Mas haverá alguém do teu partido que tu não detestes?!»

Vem todo este introito ao caso para dizer que sou bem esquisita também com as palavras e com as expressões que ouço e que uso. Claro que somos todos assim e que a psicolinguística achará explicação para estas nossas preferências ou embirrações na escolha dos imensos e variados vocábulos que temos à nossa disposição para usarmos.

Ora uma das expressões com que eu mais embirro e que detesto ouvir ou ler é o “bom senso”. Para mim, o “bom senso” não existe. Existe a sensatez, a prudência, o senso até, mas nunca o “bom senso”. Primeiro porque se trata de uma redundância e depois porque todo o conceito que vem acompanhado pelos adjetivos “bom” ou “mau” já vem absolutamente carregado de juízos de valor da pessoa que o profere pelo que não tem qualquer valor preciso. E, a partir das minhas “análises de conteúdo” caseiras, tenho concluído que quem mais utiliza esta expressão (e desde já peço desculpa se vou suscetibilizar alguém) são, entre outras, as pessoas ligadas à direita, à igreja, os “escuteirinhos” de Massamá e quejandos, ou seja, quem se sente na obrigação de se mostrar muito bonzinho e, claro está, quem sofre de manifesta falta de vocabulário.

Agora imaginem a cara com que fiquei quando hoje fui ler a crónica das 6ªs feiras da Fernanda Câncio, que até uma mocinha que eu gosto bastante de ler, e me deparo logo a abrir com a minha mal-amada expressão. Depois, incrédula, lá retrocedi, voltei a ler e concluí que se tratava de uma citação. E sabem retirada de onde? Do acórdão da Relação do Porto! É verdade! Mal está a coisa quando juízes, que deveriam ser o mais objetivos possível e deter-se o mais próximo possível da(s) lei(s), também apelam (espero que não por falta de vocabulário…) para o dito “bom senso”, conceito moralista, impreciso, polissémico até mais não, mais maleável e escorregadio do que uma enguia viva, a fim de dar razão ao homenzinho que estava trabalhar podre de bêbado. Salazar (infelizmente) cada vez mais na moda: «Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses!»



(A propósito da questão que motivou este triste acórdão lembrei-me de uma brincadeira que se contava acerca de um presidente de uma qualquer sociedade recreativa que terminou um dos seus discursos em noite de festa  da seguinte maneira: «Cômamos e bêbamos para que esta coletividade próspere!»…)

14 comentários:

  1. Esta e outras frases de Salazar nunca serão esquecidas. Não me parece boa política abusar seja do que for.
    Perfeito ninguém será mas o pior são os defeitos que mais identificam certas personagens .

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  2. Pois , bebamos , para abafar a dor e nem reparar em tanta chochice.M.A.A.

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  3. Também fui ler o artigo da Fernanda logo pela manhã e registei o facto que ela conta, mas nenhuma imprensa realçou: a empresa não devia ter tido acesso aos resultados da análise.
    Ora isso talvez ajude a explicar a ironia da sentença que, apesar de tudo, obviamente reprovo
    Bom fds

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  4. Sou dos que poderiam enfiar a carapuça, sobre o uso da expressão "bom senso". Poderia, mas não o faço, porque vou continuar a usá-la. Antes de mais, julgo eu é uma questão de gosto. Não digo de "bom gosto".

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  5. concordo plenamente

    ate porque, o bom senso, se existir, depende de quem o esta a julgar

    E ja agora, nao, o observador nao gostou so do sorriso ;)

    Bjinhos
    Paula

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  6. Estimada Amiga Graça Sampaio,
    Essa notícia do acordão do Porto chegou até cá, foi uma bomba, e muita gente anda a dizer que os juízes, sem bom senso devia estar com os copos quando assim procederam.
    É assim já embriagada vai a justiça em Portugal.
    Abraço amigo

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  7. Ontem quando ouvi a noticia na TV parecia anedota, comentei o facto de não reconhecer a (in)justiça do nosso país, anda tudo doido, só pode.

    bom fm de semana Graça

    beijinho e uma flor

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  8. Não tenho lido jornais por isso não sei do que falas!
    De notícias só soube que há ministros no Algarve a serem guardados por 100 seguranças...
    Que falta de senso!
    E nós a pagar...
    Mas também gostas de muitas coisas e de muita gente, não é? :)

    Abraço

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  9. Mas não seria importante apurar se ele estava ou não a executar bem o seu trabalho? Imaginemos que naquele dia por qualquer problema excedeu-se na bebida, ou estava com frio ou precisou de energia, e não sendo o condutor, não me parece bem que o despedissem só por ter uma taxa de alcoolémia elevada, sem apurar tudo o demais (mas não li o Acórdão e não conheço o caso).

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  10. Deixa-me brincar um bocadinho contigo e perguntar-te se não detestas ainda mais o "consenso"...

    É que eu já não suporto ouvir/ler mais a palavra e desde que estou a ler "A Madrinha"( este título do livro de Gertrud Holhler sobre Ângela Merkel foi traduzido para português como "Estratégia Merkel")ainda menos. porque é uma maneira de esbater as diferenças entre Partidos e assim matar a Democracia pois acabar por ficar sem alternativas.

    Portugal está doente, minha amiga!

    Só assim se compreende o que esses juízes escreveram, a multa bem alta da ASAE porque uma ambulância não tinha o dístico dos não fumadores, a destruição da costa entre Tróia e Algarve, as frases infames de certas criaturas , a apatia face às patifarias do actual Governo CDS/PSD, as sondagens da Católica!

    Bom final de semana

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  11. Escrevo e como com a mão direita e até a utilizo quando voto à esquerda.. :)e não me importo nada com a expressão "bom senso" que por sinal até está referenciada no verbete "senso" do dicionário Houaiss. Mas compreendo a embirração. Eu tenho outras. :))

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  12. Obrigada, Luísa,pela compreensão...

    Ai São como concordo contigo!... Infelizmente temos muita razão!

    É, Leo, há muitas coisas e muitas pessoas com que não embirro... antes pelo contrário.

    Beijinhos para todos e bom fim de semana

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  13. uns "picos" (de roseira brava) muito bem cuidados...

    gostei muito.

    grato pela presença no meu "relógio".

    beijo

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  14. a expressão "bom senso" não me incomoda, embora eu seja uma pessoa muito mais sensível do que sensata.... :)

    abraço

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