Tenho aqui o livro. Comprei-o no
dia 6 de Novembro de 1975 na Livraria Sismeiro, que já fechou há imensos anos,
e custou 60$00. Não foi barato para a época. Os livros nunca foram, nem são,
baratos. Os “Contos Exemplares” de Sophia de Mello Breyner. Não sou capaz de me
lembrar do conteúdo de nenhum dos contos à exceção de “O Retrato de Mónica”.
Marcou-me porque por essa altura eu, se bem que mulher casada, mãe e professora
já efetiva, não tinha ainda nem sequer começado a ultrapassar os meus medos, as
minhas inseguranças e o breve conto descreve a mulher “perfeita”. Mas porque a
perfeição não existe – e isso já então eu sabia – registei na minha memória
esta passagem:
«De facto, para conquistar todo o
sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao
amor e à santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação
é irreversível. O amor é
oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra
mais. Mas a santidade é oferecida a cada
pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados
a repetir a negação todos os dias.»
O conceito de santidade aqui expresso
confunde-se, na minha perspetiva, com a noção de generosidade. A generosidade «é
[de facto] oferecida a cada pessoa» para que possa mostrá-la e praticá-la «de
novo cada dia». Mas, atenção! a generosidade de que falo nada tem a ver com
«ser-se bonzinho»! Conheço uma quantidade de pessoas «boazinhas» que
encontrarei no Inferno quando lá chegar…
Foi isso que me veio à cabeça
quando, outro dia, ela veio chorar-se dizendo que tudo de mal lhe acontece e perguntando-se:
«que pecados grandes cometi eu para estar a pagar desta maneira?» Falta de generosidade.
Foi (e é) mesmo muita falta de generosidade ao longo de toda a sua vida!
Então, Graça, repensando em nossa vida profissional e pessoal, tinha um diretor que sempre me dizia: "cuidado que bom e bobo começam com a mesma letrinha"... Vi também, como assessora de direção muitas lamúrias desse tipo: "o que fiz eu..." Hoje, se der abertura ouço isso dentro da própria família!! Nossa viu, amiga... o "inferno" está transbordando dessas almas "generosas"... Gostei e muito da sua história adaptada à vida real!
ResponderEliminarBjs. Célia.
Fiquei curiosa e vou tentar encontrar o livro.
ResponderEliminarEste post fez-me lembrar a minha mãe.Quando fala é para perguntar " que mal fiz eu para ainda andar a penar por cá?"
ResponderEliminarSim, também tenho o livro da Sophia.
Penso que foi este conto que nos serviu para fazermos um trabalho na pós-graduação que fizemos em Aveiro...
ResponderEliminarLembras-te ou estou enganada?
A generosidade mais fácil é essa...a de ser boazinha para os pobrezinhos!
Abraço
Não li esse livro de Sophia, mas fiquei curiosa pela beleza do texto.
ResponderEliminarbeijinho e uma flor
E agora fiquei também com vontade de ler o livro.
ResponderEliminarVou procurar online para o pedir.
confesso que não li o livro em referência.
ResponderEliminarmas, concordo em absoluto com todo o teor do texto.
quanta falta de generosidade existe por aí...
um beijo
:)
Que me perdoem os docentes no ativo, mas professores deste calibre, estão reformados, ou em vias de extinção.
ResponderEliminar"Só" tive o privilégio de ser teu condiscípulo, mas adoraria ter sido teu aluno, mesmo depois de velho. Somos amigos, já é muito bom!
Não sou grande fã de andar às voltas com os blogues, vejo dois ou três, o teu nunca perco, algo terá de diferente, porque aqui vem sempre muita gente comentar, e gostar do que escreves, enquanto outros estão às moscas.
Recordo com saudade a Livraria e o Sr. Sismeiro...
ResponderEliminarAinda nos havemos de ver no Inferno, mas não há pressa.
:)
Gostei; adorava discutir este assunto consigo. M.A.A.
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ResponderEliminarA obra de Sophia está repleta de preceitos do catolicismo, é sabido, porém, Sophia é bastante mais do que isso. Há a busca permanente pela inteireza do ser, pelo essencial e depois... a depuração linguística que me encanta.
A "caridadezinha" é repugnante. Infelizmente este Estado assistencialista lava as suas mãos, comprando deste modo, "bilhetes" para o céu. É por isso não sei se os encontraremos no inferno. :)
Os "Contos Exemplares" surgem num contexto permeável à influência de uma realidade muito distante da atual, o que deverá ser considerado.
Um beijo
No dia 6 de Novembro de 1975, em pleno PREC, a Dra. Graça Sampaio, era uma jovem com 20 e poucos anos, professora efetiva, casada e Mãe. Dir-se-ia uma mulher realizada! Como os tempos mudaram! Bem pode dizer, Dra Graça, tal como Pablo Neruda: "confesso que vivi". O meu abraço e parabéns.
ResponderEliminarBelíssima reflexão. Vou agora seguir o link do conto. :)
ResponderEliminarPois foi, Leo! este pequenino conto serviu para um trabalho na nossa pós-graduação em Aveiro há vinte anos atrás!
ResponderEliminarQue bom que os meus amigos ficaram com curiosidade de ler o conto, este os outros do livro. Com a bela prosa poética de Sophia.
É verdade, Anónimo das 15.50, com vinte e tal anos eu já era casada, mãe e professora efetiva e agora tão difícil que isso é! A filha de que eu já era mãe nessa altura, já é casada, bi-mãe, mas ainda não conseguiu efetivar. Ao fim de quinze anos de serviço... Sinais dos tempos!
Querido Amigo Caínhas! Como desmereço as tuas palavras tão lindas! Obrigada! Olha que eu fui uma professora igual a tantas outras...
Beijinhos para todos.
Momentos de reflexão.
ResponderEliminarMuitos dias encontro na leitura pistas que me ajudam a ser melhor que o ontem. Ser santo ou ser generoso é uma qualidade rara nesta sociedade de consumo e de egoísmo.
Pouco me preocupa com o Céu ou o Inferno.
No fim o que conta foram as coisas que fizemos ou as palavras que dissemos...as sementes de cooperação, respeito e amor que vivemos...