terça-feira, 12 de julho de 2011

Obrigado, Sr. Ministro!



Não gosto particularmente do comentador (opinion-maker) João César das Neves. Muito "de direita", muito moralista  para o meu gosto. Mas deixei-me encantar - ou talvez melhor - enternecer pela crónica que assinou  no DN de ontem e que tinha como título "Obrigado, Sr. Ministro!". Foi aliás o título que me chamou a atenção já que, repito, não me dá muito para ler os seus escritos. Dizia assim:

Há dias um pobre pediu-me esmola. Depois, encorajado pela minha generosidade e esperançoso na minha gravata, perguntou se eu fazia o favor de entregar uma carta ao senhor ministro. Perguntei-lhe qual ministro e ele, depois de pensar um pouco, acabou por dizer que era ao ministro que o andava a ajudar. O texto é este:


"Senhor ministro, queria pedir-lhe uma grande ajuda: veja lá se deixa de me ajudar. Não me conhece, mas tenho 72 anos, fui pobre e trabalhei toda a vida. Vivia até há uns meses num lar com a minha magra reforma. Tudo ia quase bem, até o senhor me querer ajudar.

Há dois anos vierem uns inspectores ao lar. Disseram que eram de uma coisa chamada Azai. Não sei o que seja. O que sei é que destruíram a marmelada oferecida pelos vizinhos e levaram frangos e doces dados como esmola. Até os pastelinhos da senhora Francisca, de que eu gostava tanto, foram deitados fora. Falei com um deles, e ele disse-me que tudo era para nosso bem, porque aqueles produtos, que não estavam devidamente embalados, etiquetados e refrigerados, podiam criar graves problemas sanitários e alimentares. Não percebi nada e perguntei-lhe se achava bem roubar a comida dos pobres. Ele ficou calado e acabou por dizer que seguia ordens. Fiquei então a saber que a culpa era sua e decidi escrever-lhe. Nessa noite todos nós ali passámos fome, felizmente sem problemas sanitários e alimentares graves.

Ah! É verdade. Os tais fiscais exigiram obras caras na cozinha e noutros locais. O senhor director falou em fechar tudo e pôr-nos na rua, mas lá conseguiu uns dinheiritos e tudo voltou ao normal. Como os inspectores não regressaram e os vizinhos continuaram a dar-nos marmelada, frangos e até, de vez em quando, os belos pastéis da tia Francisca, esqueci-me de lhe escrever. Até há seis meses, quando destruíram tudo.

Estes não eram da Azai. Como lhe queria escrever, procurei saber tudo certinho. Disseram-me que vinham do Instituto da Segurança Social. Descobriram que estava tudo mal no lar. O gabinete da direcção tinha menos de 12 m2 e na instalação sanitária do refeitório faltava a bancada com dois lavatórios apoiados sobre poleias e sanita com apoios laterais. Os homens andaram com fitas métricas em todas as janelas e portas e abanaram a cabeça muitas vezes. Havia também um problema qualquer com o sabonete, que devia ser líquido.

Enfureceram-se por existirem quartos com três camas, várias casas de banho sem bidé e na área destinada ao duche de pavimento (ligeiramente inferior a 1,5 m x 1,5 m) não estivesse um sistema que permita tanto o posicionamento como o rebatimento de banco para banho de ajuda (uma coisa que nem sei o que seja). Em resumo, o lar era uma desgraça e tinha de fechar.

Ultimamente pensei pedir aos senhores fiscais para virem à barraca onde vivo desde então, medir as janelas e ver as instalações sanitárias (que não há!). Mas tenho medo que ma fechem, e então é que fico mesmo a dormir na rua.

Mas há esperança. Fui ontem, depois da missa, visitar o lar novo que o senhor prior aqui da freguesia está a inaugurar, e onde talvez tenha lugar. Fiquei espantado com as instalações. Não sei o que é um hotel de luxo, porque nunca vi nenhum, mas é assim que o imagino. Perguntei ao padre por que razão era tudo tão grande e tão caro. Afinal, se fosse um bocadinho mais apertado, podia ajudar mais gente. Ele respondeu que tinha apenas cumprido as exigências da lei (mais uma vez tem a ver consigo, senhor ministro). Aliás o prior confessou que não tinha conseguido fazer mesmo tudo, porque não havia dinheiro, e contava com a distracção ou benevolência dos inspectores para lhe aprovarem o lar. Se não, lá ficamos nós mais uns tempos nas barracas.

Senhor ministro, acredito que tenha excelentes intenções e faça isto por bem. Como não sabe o que é a pobreza, julga que as exigências melhoram as coisas. Mas a única coisa que estas leis e fiscalizações conseguem é criar desigualdades dentro da miséria. Porque não se preocupam com as casas dos pobres, só com as que ajudam os pobres."


Lembro-me de terem acontecido situações destas há uns tempos atrás e fiquei até surpreendida com esta manifestação-denúncia de JCN sempre tão consentâneo com o "status quo"...

Hoje, porém, lá veio o meu "querido" Ferreira Fernandes exprimir aquilo que me tinha ficado a pairar no espírito sem que eu tivesse conseguido determinar bem o que era. Diz ele, no seu estilo tão característico:


Aqui no DN, João César das Neves escreveu ontem um hino ao homem. É assim, conta ele, que um homem pobre foi acolhido num lar feito por gente generosa para homens pobres e velhos. Os doces eram de esmola e as habitações espartanas - mas eram, o que reconfortava o homem de reforma magra. Infelizmente, é sempre JCN a contar, há o Estado mau que se mete com os homens bons. Veio a ASAE, e a sua mania dos produtos embalados, veio o Instituto da Segurança Social, e a sua mania das fitas métricas, e fecharam o lar. E o velho e pobre homem, diz JCN, vive agora numa barraca. Ah, grito lancinante a favor dos homens e contra a frieza do Estado! E estava eu com os olhos marejados quando me lembrei que JCN chama às suas crónicas "Não Há Almoços Grátis". Parei. Mas (agora sou eu a falar), então, JCN sabe que os homens, e até os homens donos de lares, não são necessariamente bons. E que entre lares fechados por não terem tantos bidés como a ASAE quer e lares onde os velhos são maltratados, haverá mais destes do que daqueles (vale um almoço de aposta?). Talvez o velho, inventado por JCN, quando grita ao ministro (que representa o Estado) "veja lá se deixa de me ajudar", esteja errado. Talvez ele precise mesmo de normas e leis a ajudar porque os almoços nunca são grátis e os homens deixados à rédea solta trazem a liberdade da "raposa livre no galinheiro livre" (cito Lacordaire para mostrar que não é o anticatolicismo que me move).


7 comentários:

  1. Infelizmente há sempre exageros na interpretação das leis. Está bem que elas existem para nos proteger, mas quando se cai no absurdo, situações como essa ocorrem.

    Beijoca!

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  2. Estou como tu, não costumo ler JCN, em contrapartida li hoje a crónica de FF, como sempre, e fiquei com umas luzes sobre o que JCN teria escrito!
    Mas voltei a não ler...muito longa a crónica para a minha preguiça!
    Triste sina, a dos pobres quando acumulam com velhice! :-((

    Abraço

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  3. Infelizmente é a realidade que temos.
    Estive a ver há pouco um programa na TV (vejo muito pouca televisão, mas estava a descansar um pouco e ouvi) sobre a pobreza em Portugal
    Foi, simplesmente, confrangedor.

    Boa semana. Beijinhos

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  4. as vezes o excesso de zelo e de "correccao politica" nao vai de encontro a realidade e ao que se pode fazer

    Bjinhos
    Paula

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  5. Por falar em pobreza recordo “A Boa e a Má Moeda”, lembram-se?
    Duas faces… e muita pobreza de espírito.

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  6. Gostava de um de outro
    (O Ferreira Fernandes até o tenho por testemunha, lá onde as coloco para o dia do juízo final)
    Mas de uns tempos a esta parte
    embora mantendo seu engenho e arte
    falam-me dos efeitos,
    não das causas.
    Fazem-no constantemente, sem pausas
    Ainda hei-de descobrir
    de que andam ambos a fugir...

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  7. Nem 8 nem 80!

    Ou se deixa andar, ninguém se rala com os problemas sociais à vista de todos, ou somos mais papistas do que o Papa!
    Já tive ocasião de observar casos que caracterizam perfeitamente esta situação caricata.
    Nomeadamente com a ASAE na aplicação de regulamentos feitos em cima do joelho, só pode ser, em demasiados casos.

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