quarta-feira, 6 de julho de 2011

O Apólogo das Lebres e das Rãs





Como por vezes me deixo resvalar e me sinto um bocado infeliz (as mulheres têm um pouco a tendência para a autocomiseração) lembro-me muitas vezes deste apólogo que a minha professora de Literatura Portuguesa do 7º ano (actual 11º),  nos leu quando estávamos a estudar a obra de D. Francisco Manuel de Melo, autor moralista do século XVII, mais conhecido de todos pela sua "Carta de Guia de Casados".

A Senhora Dona Amália Ferreira da Costa (lá no Maria Amália, à época, as professoras tinham o nome precedido do muito respeitoso Sr.ª D. e não da vaidosice do Dr  como passou a acontecer mais tarde) tinha muito orgulho no seu apelido e carregava nos rr de Ferreira e nós ríamos muito (à socapa, claro) mas lia muito bem e sabia muito de literatura o que me deixava sempre pendente das suas palavras. Por isso nunca mais me esqueci deste apólogo que achei carregadinho de significado e de ensinamento. E hoje, na sequência de uma visita a uns amigos, mais uma vez me veio à mente.

Vou deixá-lo aqui na sua versão em prosa e escrito no português do século XVII (que seria o actual se não tivesse entretanto havido vários acordos ortográficos...)

"Diz que, lá não sei donde, se juntaram as lebres a conselho, e por todas foi assentado que se fossem lançar em ˜ua alagoa e se afogassem, sem ficar mais geração de tão triste gente perseguida de todo o mundo, que toma seu perigo por divertimento. Ora, indo já todas correndo, fizeram [tão] grande matinada que as ouviram as rãs que estavam junto do charco. E, como tivessem grande medo do arruído, foram-se lançando n’água, ganhando-lhe a dianteira do pricipício. Notou isto ˜ua das lebres, que ia diante, e parou fazendo deter as outras, a quem disse: «Senhoras, tende mão! Não nos lancemos a perder por miseráveis, pois vemos que ainda o são mais estas rãs, que tem medo de nós e a nosso respeito se precipitam». Donde digo que não há estado tão triste do mundo, que não haja outro mais triste com que aquele possa consolar-se."

Porém, quem preferir a versão poética, (bem mais bela e completa) poderá "servir-se"...

Diz que as lebres, como gente,
hum dia, conselho houveraõ
por naõ viver tristemente;
e afogarse derepente,
todas juntas rezolveraõ.

Duas raãns, como sohiaõ,
junto a o charco eraõ, pastando,
a donde as lebres corriaõ;
e de medo doque ouviaõ
vaõse no charco lançando.
Huma lebre mais ladina
que isto viu; tevesse quedo,
e gritou pella campina;
ten de maõ gente mofina,
que inda há raãns, que vos tˇe medo.


Vedes que assy padaceis,
o que dizeis, e callais,
desses males taõ crueis?
Quantos homˇens cuidareis
Que vos trocáraõ seus ays.
Fes Deos o mundo pezado,
logo o repartio, segundo
nossas forças, nosso estado;
cada qual vay carregado,
e mais, quem tem mais do mundo.

4 comentários:

  1. Ainda apanhas uma fobia aos coelhos...lol


    Muito interessantes os textos:)

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  2. adorei

    onde posso ler na integra?

    Bjinhos
    Paula

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  3. A prova de que já não há moral é que são sempre os mesmos a comer...

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  4. Dizer o quê, Carol, quando sei o que está na origem?! :-((

    Abraço

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