Fui indigitada para fazer parte
de uma mesa de voto. Noutros muitos anos recusei porque enquanto trabalhava na
escola não pensava em “acumular” outras quaisquer funções para além das
familiares e das profissionais. Mas desta vez, lá me resolvi apesar do
desconforto – que outrora não o era – de ter de me levantar às seis da manhã.
Foi um pedaço de divertimento e
um enorme pedaço de observação de comportamentos humanos que é, e sempre foi,
dos meus passatempos favoritos.
A população que votava na “minha”
mesa pertencia à faixa dos trinta e tal – quarenta e tal anos, gente nascida
depois de Abril ou sem lembrança da vida de antes de Abril, com filhos ainda pequenos.
Assembleia de voto numa freguesia de grande dimensão com uma já reduzida faixa rural,
uma grande faixa de “dormitório” da cidade e uma outra já algo esbatida de
bairro social construído às pressas nos idos de 75/76 para albergar os chamados
retornados de classe baixa.
Uma grande amálgama, não é? Por isso
tivemos o trabalhador que se perfilou, hirto e rígido, ali logo às oito da
manhã – ainda mal nos tínhamos organizado para a função dada a inexperiência de
todos os elementos da mesa – para votar porque tinha de se apresentar ao
trabalho; tivemos a simpatia e o à vontade da mulher do número dois da Câmara
levando pela mão o filho mais velho, que o mais novo foi com o próprio do
número dois votar à sala em frente, como a discrição e simplicidade do diretor
do Hospital e da mulher, minha colega; tivemos pessoas tímidas que ficavam à
porta da sala à espera que lhes fizéssemos sinal para avançarem; a jovem obesa
que chegou quase trémula e se encostou à mesa para receber os boletins como que
a dizer «não reparem em mim!» e a outra, vestida quase de odalisca de
gordurinhas da barriga à mostra, a querer dar nas vistas sem que para isso
tivesse motivos; o meu ex-colega de trabalho que se recusou sequer a dar os
bons-dias; mães com meninos bem comportados a dizer que também queriam votar;
um pai muito bem-apessoado com três filhos, um dos quais ao colo, que teve de
levar os três para a exígua câmara de voto; a mãe (complicada) de um ex-aluno
para lá de complicado que me visitou vezes sem conta no gabinete da direção da
escola e que ali me olhou como se nunca me tivesse visto; as pessoas que entravam
ali e nos cumprimentavam de mão; os que nos conheciam e nos cumprimentavam com
beijinhos; o senhor que ali entrou tenso, quase em crispação e, sem mais, disse
«Isto está tudo muito mal organizado!» «Mas de que se queixa?» «Nada! Isto é cá
uma ideia minha, está tudo mal, tudo mal!»
E mal sabia ele que ninguém nos
informou das nossas funções, do nosso trabalho, nem como organizarmos o
atendimento e realizarmos as várias tarefas. Mal sabia ele que o presidente da
mesa (e muitos das restantes) era um jovenzinho – por sinal bem esforçado e
responsável – que, tal nós todos, estava na ignorância absoluta do que tinha
para fazer. Mal sabia ele que, para realizar todos os procedimentos, nem papel
de rascunho, nem canetas, nem lacre, nem cordel, nem fita-cola, nem nada nos
forneceram. Mal sabia ele que a ausência de informação aos elementos das mesas
foi extensiva aos elementos da Junta de Freguesia…
Isto para não falar dos quase 60%
de votantes que não compareceram para votar na nossa mesa; dos disparates que
escreveram nos boletins; das pessoas que nem sabiam o seu número de eleitor; ah!
e daquele jovem nos seus trinta e tal
que pegou nos boletins de voto e perguntou: «Como é que se vota em branco?»
Ai este povo!