Li nas Efemérides do jornal: “1952 [7 de Fevereiro] – morre o professor e poeta Sebastião da Gama, aos 28 anos de idade.”
Lembrei-me, de imediato, quando, em Setembro de 73, fui admitida a estágio, as metodólogas de Português e de Inglês nos recomendaram como primeiro dos livros de leitura obrigatória, o Diário de Sebastião da Gama.
“Este Diário, que Sebastião da Gama deixou manuscrito, - escreve o professor Hernâni Cidade no respectivo prefácio – é o registo quotidiano das suas experiências de estagiário do Ensino Técnico [na Escola Veiga Beirão, no ano lectivo de 48/49] e seria, não se sabe até que altura, o programa da sua carreira de professor, se a Morte lhe não houvesse tão prematuramente posto termo.”
Escreve o professor-poeta com toda a simplicidade e honestidade: “Aulas más são as aulas que os rapazes não querem ouvir. Mas então – poderia eu defender-me – que culpa temos nós de os rapazes serem barulhentos, desinquietos e desatentos? É verdade que às vezes a culpa não é nossa: é toda deles, a quem mais apetecia estar na rua que na escola. Mas para isso justamente é que serve o bom professor - e o meu drama resulta de que a mi só interessa ser bom professor. Ser bom professor consiste em adivinhar a maneira de levar todos os alunos a estar interessados; a não se lembrarem de que lá fora é melhor. E foi o que eu ontem não consegui.”
De registar a entrada do seu Diário sobre a sua primeira aula de estágio: «O que eu quero principalmente é que vivam felizes.» Não lhes disse talvez estas palavras, mas foi isto o que eu quiz dizer. No sumário, pus assim: «Conversa amena com os rapazes». E pedi, mais que tudo, uma coisa que eu costumo pedir aos meus alunos: lealdade- Lealdade para comigo e lealdade de cada um para cada outro. Lealdade que não se limita a não enganar o professor ou o companheiro: lealdade activa, que nos leva, por exemplo, a contar abertamente os nossos pontos fracos ou a rir só quando temos vontade (e então rir mesmo, porque não é lealdade deixar então de rir) ou a não ajudar falsamente o companheiro. «Não sou, junto de vós, mais do que um camarada um bocadinho mais velho. Sei coisas que vocês não sabem, do mesmo modo que vocês sabem coisas que eu não sei ou já me esqueci. Estou aqui para ensinar umas e aprender outras. Ensinar, não: falar delas. Aqui e no pátio e na rua e no vapor e no comboio e no jardim e onde quer que nos encontremos».
Não acabei sem lhes fazer notar que «a aula é nossa». Que a todos cabe o direito de falar, desde que fale um de cada vez e não corte a palavra ao que está com ela.”
Foram esta singeleza de alma e esta humildade perante o próximo que aprendi com a leitura deste Diário e que utilizei até ao fim da minha carreira – e não me dei mal. Sempre defendi que “não gosto de dar ensinamentos a ninguém; expus-me e expus os meus conhecimentos e os meus pontos de vista e os alunos que tirassem de mim o que lhes falasse mais ao coração e às suas necessidades” e que “sempre aprendi com os alunos, com os estagiários, com os colegas”.
Recordo, a propósito, um episódio assaz interessante (e cómico...) que me aconteceu em 79. Eu fora orientadora de estágio de Inglês durante dois anos e por isso ganhei uma bolsa da Gulbenkian para ir melhorar os meus conhecimentos da língua inglesa durante um mês (em Agosto, nas minhas férias...) na cidade universitária de Chichester, no Sul de Inglaterra. A bolsa era destinada a orientadores de estágio e estagiários recém-formados. E lembro-me de dizer uma vez no grupo que a orientação de estágio me tinha trazido vantagens pelo que aprendi com a excelente formação que nos tinha sido dada bem como pelo que aprendi com as estagiárias (muitas das quais eram mais velhas e mais experientes do que eu). Logo salta rindo, brejeira, uma estagiária recém-formada, curiosamente com mais idade e mais anos de serviço do que eu: “Tu é que aprendeste com as estagiárias?! Pensava que tu é que tinhas de lhes ensinar!...”
Não entendeu nada, pobre criatura!
Também dizia ele:
ResponderEliminar"A aula de Português acontece..."
A ele podia acontecer porque nasceu com o dom de ensinar, de cativar!
Nem todos os professores nasceram com este dom!:-)
E há dias...e dias mesmo para os mais dotados e Sebastião da Gama só houve um...
Abraço
Olá, Carol
ResponderEliminarDe Sebastião da Gama sei apenas que foi um excelente educador que, infelizmente, faleceu muito novo - ainda não tinha 30 anos.
Mas conheço bem a sua poesia. Tem um poema que eu acho lindíssimo. Com certeza conheces...
"Pequeno Poema
Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu
nem houve estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...
para que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha mãe."
Não é lindo? Ele escreveu poemas muito belos. Tenho muitos gravados, para além de um livro que comprei há muitos anos.
O comentário dessa estagiária, que referes, prova que a finura de espírito nem sempre se adquire com a idade ou a experiência :)))
Continuação de boa semana. Beijinhos
PS - Desejo as maiores felicidades para o netinho que vem a caminho, assim como a toda a família.
Lindo este poema! Como outros que ele escreveu na sua Serra da Arrábida à espera que a tuberculose não o ceifasse.
ResponderEliminarMuito obrigada, Mariazita!
É verdade, Rosinha! E os alunos também eram de outra maneira...
Como adivinhou que eu também gosto de história?E, se gosto de Poesia?
ResponderEliminarNo entanto, não tenho formação académica em letras ou história.
Ainda bem que compreendeu o meu texto.
Foi unicamente para lembrar a quem pelo menos passa pelo meu espaço, que mesmo com as brancas que iluminam este meu cansado cérebro, estou atento ao nosso pobre país onde Ali-Babá e, os 40 ladrões se instalaram. Um abraço bem apertado com amizade.
João.
Não queres ser a minha professora? Please?
ResponderEliminarSem metedologia pseudeu-pedagógicas, sem power-point secantes....
Como ser humano? Queres?
Que sorte tiveram os teus alunos!!!
Obrigada por passares lá pelo meu sítio. Para mim é um previlégio mas fica o aviso que aquilo ali é mesmo para uma tentativa de terapia e despejar a loucura :)
ResponderEliminarbeijinhos.
GU
Excelente post a rememorar alguém que viveu pouco mas soube ver da vida aquilo que de belo e sensível ela possui.
ResponderEliminarPedagogia destas é para divulgar e praticar.
Parabéns!
É mesmo isso que é preciso, GuessWho... por isso gosto de ir até lá...
ResponderEliminarObrigada, Rouxinol, também acho que pedagofia desta deve ser divulgada e, sobretudo, praticada. E não está ultrapassada, não! A minha filha mais velha, que também é professora de Português só há dez ou onze anos, também foi aconselhada, em Coimbra, a ler este valioso Diário.
Ao Amigo João só tenho de dizer que não são 40 ladrões... são 400, ou serão mais?!...
Querida M! - the last but not the least - que querida! Mas não devo ter nada para te ensinar. Da forma que tu brincas com a nossa bela língua, eu é que tenho a aprender contigo....
Obrigada a todos pelas simpáticas palavras.