terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Crónicas com Fundo de Guerra

Esta minha nova atividade de acompanhar alunos do secundário no estudo do Português tem-me trazido uma movimentação intelectual que me agrada muito. Tenho voltado análise literária, actualizei-me na gramática que (estupidamente) sofreu alterações incompreensíveis ao nível da morfologia e da sintaxe e tenho feito leituras que nem me passavam pela cabeça.

Esta semana tive de ler «Crónicas com Fundo de Guerra» de Pepetela que bastante me agradou. Trata-se de um conjunto de 31 crónicas das noventa que o autor angolano escreveu entre 1992 e 1995 para serem publicadas no jornal Público.

Embora escritas no tempo da guerra civil de Angola, que se prolongou desde pouco depois da independência em 1975 até 2002, a intenção do autor não foi transmitir episódios de guerra – até porque se destinavam ao público português – mas abordar e dar a conhecer a vida do dia-a-dia nas cidades nomeadamente de Luanda e de Benguela, tratando assuntos culturais, históricos, políticos e económicos do seu país.

Apenas algumas crónicas referem a guerra, “no entanto a guerra estava presente”. Por exemplo, a segunda crónica, «Kianda dos nossos sonhos» inicia-se com a frase angustiante «Esta guerra que vai desfazendo o país, perante a indiferença internacional, tem consequências insuspeitáveis à primeira vista.» E mais nada sobre o flagelo da guerra. A crónica desenvolve-se de forma bastante poética em redor da palavra Kianda que é um ser mítico que mora nas águas, uma espécie de sereia.

De referir as belas crónicas que encerram algumas das suas recordações da infância passada em Benguela, a Cidade das Acácias Rubras, (oh como esta imagem poética me faz lembrar com saudade o blog «acácia rubra» da nossa amiga Laura Abrantes!) passadas na sociedade colonial dos anos 1950. São recordações dos hábitos de criança, dos amigos, das brincadeiras mais comuns, das travessuras, das disputas dos grupos de garotos rivais, do medo da polícia, dos animais.

A primeira crónica é exatamente «O bacalhau do Natal» em que o autor considera que “entre aquilo que Portugal deixou neste país africano podemos destacar o hábito de se comer bacalhau na noite de Natal, sem precisar se pensar que isso seja habito de reduzida elite urbana”. E relata como, após o final da guerra civil, quando faltava de tudo no país, o governo decidiu importar quantidades de bacalhau para os angolanos festejarem o Natal “à portuguesa”.



Lêem-se com muito agrado até porque trata uma realidade que nos diz muito, numa linguagem corrente, serena e bem-disposta, cheia de referências culturais e históricas universais e também de índole pessoal. De facto, o autor lança o seu olhar arguto e crítico sobre Angola, seja a do passado, seja a do presente não sem lhe juntar uma boa ponta de ironia.

10 comentários:

  1. Registo a sugestão de leitura.
    Beijinhos

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  2. Quem procura a aventura, a magia e percepção das coisas e gente da terra vermelha de Angola tem na leitura do Pepetela uma oportunidade. Mas o autor que me fascinou mais, no tempo da minha juventude, foi,sem dúvida, o Luandino Vieira com um livrinho que causou então borbulhas á pide - Luuanda. É curioso que este autor nasceu aqui ao lado, em Ourém.
    Bj.

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  3. Só ler a referência ao bacalhau fez com que me lembrasse de uma história, Graça. :)

    abraço

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  4. Levo sugestão!
    Nos pensamentos da Gracinha há leitura com sabor a chocolate!!!
    bj

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  5. Pela que escreveste, dá vontade de ler.

    Beijinhos Graça

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  6. Não conheço Pepetela, nem as suas crónicas, que devem ter escritas com muita cautela, pois a liberdade de expressão é muito limitada e um descuido pode sentenciar uma «persona no grata»...
    Gostei de saber e pus na lista que está tão longa!
    ~~~ Beijinhos literários ~~~

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  7. Que bom que consegui interessar-vos! Tem uma prosa muito agradável!

    Obrigada pelo vosso interesse. Beijinhos.

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  8. merece atenção, tenho de investigar !:)
    obrigada Graça!

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