Como prometi na entrada de anteontem, trago aqui a posição do nosso Nobel da Literatura acerca da (pouca)
importância que tem a ortografia (que é uma parte da gramática) no amplo universo
da língua. Noutra altura trarei outros textos de grandes figuras das nossas
letras para corroborarem esta ideia.
«Num programa de televisão em que
se abordava a questão do acordo ortográfico, José Saramago disse: «Aprendi a
escrever mãe com “e” no final, depois veio uma reforma e tive de aprender a
escrever com “i” no final, veio mais uma reforma e voltou a ser com “e” no
final. E com essas mudanças a mãe, posso-vos garantir, era sempre a mesma. E agora
se mudarem de novo ela só não é mais a mesma porque já morreu.»
Esta relação com a língua, que é
mais do que a soma das palavras ou das suas regras, visível em quase todos os
seus textos (mas principalmente em Memorial
do Convento), foi seguramente aquilo que mais me marcou em José Saramago. A
língua precisa de seus sinais para se constituir como língua, mas os sinais são
apenas sinais e não a língua, são as roupas e não a pessoa que as veste. Com esta
posição, Saramago perguntava (nos fazia perguntar) onde estava a língua. O que
é a língua? A palavra aponta coisas. Stone
em inglês aponta o mesmo que pedra em português. Mas muda assim tanto, se
for pedra? (…)
A convenção das sinaléticas da
língua não deve desviar a nossa atenção do principal da língua: o desvelar de
nós e do mundo; que tanto mais intenso e profundo será quanto mais exercitamos
a língua. Podemos talvez não conseguir libertar o país, o povo, nós mesmos, mas
podemos e devemos libertar a língua.»
(Paulo José Miranda, in Palavras para José Saramago, Lisboa:
Caminho. 2011)
Uma das muitas coisas que eu e Saramago encarámos de forma diametralmente oposta.
ResponderEliminarBeijinhos
Opiniões que devo respeitar. Obrigada, Pedro.
EliminarBeijinho.
O Acordo Ortográfico é muito mau: despreza a etimologia da língua, desconsidera a fonética do português europeu e, pior, com todos as excepções que continua a permitir entre a ortografia de Portugal e do Brasil, não unifica nada e empobrece horrivelmente o português escrito! Contra isto não há argumentos, e é deplorável constatar que os defensores desta aberração sem ponta por onde se pegue, na falta desses mesmos argumentos, ameacem tentar impô-la arbitrária e autoritariamente - à revelia da vontade e consciência da generalidade da população - com recurso ao poder coactivo da lei! Triste, muito triste!
ResponderEliminarDecerto disseram o mesmo do AO de 1945 e dos anteriores. É que é sempre difícil e estranho aceitar uma nova forma de escrita no que toca à grafia. No fim de alguns anos já ninguém de lembra... Obrigada pelas suas opiniões,
Eliminar~ Sempre gostei muito de Saramago, Sinto por ele um carinho e ternura filial, pelo que, perdoo-lhe defeitos, como se perdoam a um pai.
ResponderEliminar~ Quantas e quantas vezes aborreço-me, porque fico com a leitura bloqueada por um novo código de pontuação, ou pelo meu pasmo perante novo termo inventado pelo Zé! Sou obrigada a voltar atrás para retomar a interpretação.
~ O processo torna-se desagradável, quando as interrupções são sucessivas.
~ Saramago cria um novo código para cada livro e, muitas vezes, emprega mais do que um, na mesma obra,
~ A grafia e a pontuação são mais do que meros sinais - formam um código - que permite uma leitura fluente e a concomitante interpretação do que se está decifrando.
~ A falta de respeito pelas regras - admissível na composição poética - só contribui para instalar confusão, não configurando nenhuma criatividade ao texto.
~ Peço desculpa, mas fui o mais concisa possível na explanação da minha opinião. ~
~~~~~~Bjs~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Foi essa diversidade que lhe deu/dá e dará a claridade e a beleza de linguagem que lhe foi reconhecida. É muito bom!
EliminarEstilhaçar as regras é só para alguns - como Saramago, como A. Lobo Antunes. Como foi Fernando Pessoa e os Modernistas.
~ Ficou bem evidente que lhe foi reconhecida a prodigiosa criatividade...
Eliminar~ Os modernistas cumpriram o novo AO, ainda que com sentido pesar.
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Quando leio José Saramago não me prendo a esses "códigos" da pontuação, apesar de os usar quando escrevo. Porque leio José Saramago com tanto entusiasmo, tal é a admirável imaginação da sua forma de narrar que me esqueço das vírgulas e dos pontos...
ResponderEliminarQuanto ao acordo ortográfico, sou contra.
Um beijo, Graça
Completamente de acordo no que toca a José Saramago.
EliminarGrata pelas suas opiniões, sempre.
Beijinho
Saramago é a pior das vozes para se pronunciar sobre o acordo. De início foi totalmente contra, depois assim-assim e depois era como se lhe desse. Neste assunto, meias-tinhas foi com ele («Sobre as polémicas que tem suscitado o Acordo Ortográfico, Saramago comentou que já foi contra e já foi a favor, mas que, fundamentalmente, esta nova reforma “é uma operação estética à língua”, e vai continuar a escrever da mesma forma, “e os revisores que tratem disso”.»; http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/jose-saramago-falta-em-portugal-espirito-critico-1326638).
ResponderEliminarQuer verdadeiros exemplos de gente séria e lúcida contra o assunto? Vá aqui: https://www.facebook.com/TradutoresContraAO90/photos_stream.
Agradeço as suas opiniões, mas só vou aonde me apetece e dá prazer, não aonde me mandam...
EliminarEntão quer persistir na sua cegueira de ignorância, faça o favor.
EliminarOlá, Graça.
ResponderEliminarAs pessoas não se dão bem com mudanças: é facto (note-se, que, ao contrário do que dizem alguns, que este "facto" continua a manter o "c" após o A.O. - porque a letra é pronunciada) que não é fácil aprender a respeitar uma série de regras novas.
Porém, já aconteceu, anteriormente, haver alterações na nossa língua.
Eu, nascida no Brasil, foi lá que aprendi a escrever. Chegada aqui, tive que "reaprender", não só a escrever, mas a falar, para não cometer erros crassos.
Agora, depois de todos estes anos, já é natural o que antes era estranho.
E, nesta altura, tenho que tornar a aprender. Muitas vezes tenho dúvidas, em outras dou fé que cometi erros - é natural que assim seja. Mas não finco pé: faço por evoluir. Reconhecendo que o A.O. tem algumas falhas, ou, pelo menos, questões não muito claras, dito por respeitados especialistas na matéria.
E note-se que não digo que concordo com esta alteração, digo sim, que, uma vez feita, esforço-me para respeitar, mesmo porque, nossos jovens estão a ser ensinados para escrever com a nova Ortografia, considero que seria, isso sim, desrespeitoso para com eles, não os auxiliar nessa evolução: se cada um escrever como "considera" que tem que ser, ninguém vai se entender e os jovens vão "ler" uma Ortografia errada - alguém, dos discordantes, pensou já nisso?
Por outro lado, Graça, eu, sendo apreciadora de Saramago, e considerando que sua forma de escrever não me inibe de "beber de sua criação literária", penso que não é, de facto, bom exemplo para falar sobre ortografia e acordos, ele próprio um rebelde, que não respeitava as regras de pontuação.
Um bjo amigo
A posição de Saramago parece não tirar razão a quem não dá razão ao mais recente "acordo" ortográfico, "acordo" que, finalmente, só veio servir interesses económicos... De facto, a ortografia mais não é que uma roupagem, um uniforme que obriga a que andemos todos devidamente fardados! É claro que um texto em nada perde ou ganha ou altera o sentido, pelo facto de ser escrito segundo este ou aquele acordo, que já alguns tem havido... A ortografia pouco tem a ver com a semântica e nem mesmo com a sintaxe; a ortografia é apenas parte da gramática normativa e, na minha modesta opinião, a questão que se põe quanto ao novo acordo tem principalmente a ver com a ortografia adoptada, valorizando a fonética em detrimento da etimológica.
ResponderEliminarE, já agora, se a ortografia não tem assim tanta importância, para quê /porquê respeitar o novo acordo ? Será que o Brasil e os Palops adoptaram e respeitam o acordo?
E, já agora, alguma vez o Inglês teve necessidade de adoptar um normativo assim?
Bjinhos!
Amiga Graça, na minha modesta opinião a escrita é uma arte, tal como a pintura, nela perdoamos tudo quando é bela, livre e nos seduz.
ResponderEliminarSaramago tem para mim esses adjectivos e a rigidez da língua neste caso pouco me importa.
beijinho
Fê