A pressão dos mercados
sílabas a crédito para que as ponha a render
no mercado. Mas sobem-me a cotação da metáfora,
para que me limite a imagens simples, as mais
baratas, as que ninguém quer: uma flor? Um perfume
do campo? Aquelas ondas que rebentam, umas
atrás das outras, sem pedir juros a quem as vê?
É que as palavras estão caras. Folheio dicionários
em busca de palavras pequenas, as que custem
menos a pagar, para que não exijam reembolsos
se as meter, ao desbarato, no fim do verso. O
problema é que as rimas me irão custar o dobro,
e por muito que corra os mercados o que me
propõem está acima das minhas posses, sem recobro.
E quando me vierem pedir o que tenho de pagar,
a quantos por cento o terei de dar? Abro a carteira,
esvazio os bolsos, vou às contas, e tudo vazio: símbolos,
a zero; alegorias, esgotadas; metáforas, nem uma.
A quem recorrer? Que fundo de emergência poética
me irá salvar? Então, no fim, resta-me uma sílaba – o ar-
ao menos com ela ninguém me impedirá de respirar.
Nuno Júdice (in Jornal de Letras)
Só o Nuno Júdice para escrever com esta limpidez e intensidade!
ResponderEliminarComo a vida seria mais bela e simples de viver, se o Homem não a complicasse com os seus esquemas maquiavélicos!
O Nuno Júdice quando quer...lol
ResponderEliminarEstá muito bom.
O Nuno Júdice está OUT! "Folheio dicionários"???? Se calhar até lambe o dedo para virar melhor a folha... Então ele não sabe que isso é, no mínimo anti-higiénico, só para não dizer "demodé"? Agora os dicionários levam-se no bolso, como os jogos do Super Mário e logo aos oito de uma vez. Diz ao rapaz que se actualize. C'os diabos!
ResponderEliminarDesculpa Carol, mas eu ando atacada daquela "doença" de que costuma sofrer a M. Aliás, acho que foi ela que me pegou o vírus.
Quem diria que mesmo desactualizado nos motores de busca o poeta está tão actualizado na temática?! :-))
ResponderEliminarAbraço
Por enquanto, não faltará muito para calcularem os metros cúbicos de ar que respiramos e termos de os pagar. Beijoca!
ResponderEliminarMuito irónico e bem construído:))))
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarSabes, Zabel, é que o "rapaz" é do meu tempo - tivemos juntos Introdução aos Estudos Linguísticos e História da Cultura Portuguesa e outras cadeiras lá em Letras, nos bons anos 60 - só que ele era de Românicas - e por isso, ainda prefere folhear os dicionários em papel, sentir-lhes o cheiro, o tacto, o contacto...
ResponderEliminarConcordo, Rafeiro, já falta pouco para também pagarmos o ar que respiramos.
Obrigada a todos e ainda bem que gostaram. Eu achei muito bem conseguido e muito actual.