quinta-feira, 5 de maio de 2011

Dia da Língua Portuguesa





Comemora-se hoje, 5 de Maio, o Dia da Língua e da Cultura Portuguesa. Foi em 2005 que, numa reunião da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) realizada em Luanda, esta organização decidiu que, neste dia, se celebrasse, em todos os países membros, o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura.

Muitos textos poderiam ser transcritos aqui com o objectivo de mostrar como a nossa Língua é bela e rica.

Por exemplo, a língua portuguesa é vista ainda por Vítor Aguiar e Silva como «a mais esplendorosa, perdurável e irradiante criação de Portugal».

E, num dia como este, não podemos deixar de referir o texto de Bernardo Soares em que está integrada a poderosa frase de todos nós conhecida que é “Minha pátria é a língua portuguesa.” que não posso deixar de transcrever para que se conheça bem o contexto:


“ Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez, numa selecta, o passo célebre de Vieira sobre o Rei Salomão. «Fabricou Salomão um palácio...» E fui lendo até ao fim, trémulo e confuso; depois rompi em lágrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda choro. Não é – não – a saudade da infância, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.

Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pearia que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em quem se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo que é senhora e rainha.”


(Fernando Pessoa, “Livro do Desassossego”, Assírio e Alvim, pág. 262)


Manuel Alegre, por sua vez, canta desta forma, o bravo nascimento da língua portuguesa:

“Era um país ainda por dizer
e uma flauta cantava. Nos salgueiros pendurada
ou na palavra. Uma flauta
a tanger
a língua apenas começada. Subia
pelo nervo e pelo músculo
como quem assobia no acento agudo
e no esdrúxulo. Algures por dentro
do país mudo. Uma flauta floria
sobolos nomes que vão
para nenhures. Algures
contra o vento. Com seus cântaros
e alegrias suas câmaras
da memória. Uma flauta ainda
sem história. Chamavam por ela
os antigos e os apelos ecoavam.”

(Manuel Alegre, Com Que Pena. Vinte poemas para Camões, Lisboa, Dom Quixote, 1992, p.11.)


A escritora brasileira Clarice Lispector mostra assim o seu amor pela nossa língua :

Esta é uma declaração de amor;
amo a língua portuguesa.
Ela não é fácil. Não é maleável.
E, como não foi profundamente trabalhada pelo
pensamento, a sua tendência é a de não ter sutileza
e de reagir às vezes com um pontapé contra
os que temerariamente ousam transformá-la
numa linguagem
de sentimento de alerteza.
E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro
desafio para quem escreve.
Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e
das pessoas a primeira capa do superficialismo.
Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado.
Às vezes assusta com o imprevisível de uma frase.
Eu gosto de manejá-la - como gostava de estar
montando num cavalo e guiá-lo pelas rédeas,
às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse
ao máximo nas minhas mãos. e este desejo
todos os que escrevem têm.
Um Camões e outros iguais não bastaram para
nos dar uma herança de língua já feita. Todos nós
que escrevemos estamos fazendo do túmulo do
pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do
encantamento de lidar com uma língua que não foi
aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever
e me perguntassem a que língua eu queria pertencer,
eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como nasci
muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro
para mim que eu queria mesmo era escrever em português.
Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só
para que minha abordagem do português
fosse virgem e límpida

10 comentários:

  1. Boms testos. É prexico balorizar a noxa lingua. É o que noz resta da noça naçionalidade...


    :)

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  2. Bonita homenagem à língua portuguesa, Carol!

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  3. Boa malha!

    Não houve muita gente a lembrar isto. Fê-lo com os meus (nossos) poetas...

    Obrigado!

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  4. Querida Carol, tens um miminho para ti, lá na Turista :)

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  5. Realmente houve pouca gente a lembrar-se, como diz o Rogério...
    E eu a falar de impropérios! :-((
    Que vergonha!
    Com a falta de computador e de notícias actualizadas passou-me mas tu assinalaste a data de forma excelente, como é habitual!

    Abraço

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  6. Apoio completamente as ideias de Bernardo Soares!! E como nós precisamos de defender a nossa língua de tantos maus tratos...

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  7. Excelente homenagam à língua portuguesa, por vezes tão mal tratada.
    Não sabia que a frase "A minha pátria é a língua portuguesa" era do heterónimo Bernardo Soares, cujo texto gostei de ler. De Manuel Alegre e Clarice Lispector também sou admiradora.
    Um beijo, amiga.

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  8. M! Minha querida! Já estás a escrever como os nossos alunos ou quê?!

    Obrigada por terem gostado das minhas escolhas.

    Rosinha, obrigada pelas tuas palavras sempre amigas. Mas olha que os impropérios também são muito importantes. Sempre se usa o vernáculo que também é lingua portuguesa...

    Obrigada, Manuela, pelo miminho. Já lá fui buscá-lo.

    Pois é, Justine. Para mim, Fernando Pessoa SEMPRE! Desde quando mo deram a conhecer nos anos 60 e tal.

    Obrigada, Graça, pela sua visita e pelo seu carinho.

    Beijinhos para todos.

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  9. Ao homem do acordo, o Malaca Casteleiro, insigne linguísta da nossa academia :-), passou-lhe, por certo, despercebida aquela tão breve quão importante passagem do citado texto de Pessoa:
    "Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu vero manto régio, pelo que é senhora e rainha.”

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  10. Pois é, MLisboa, pode ter razão. Mas a língua evolui, no conteúdo, no significado, no significante e até na ortografia. A ortografia em que o Pessoa escreveu também já não é aquela que você e ue aprendemos.

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