sexta-feira, 27 de março de 2020

Lisboa ainda resiste




Corre por aí um belo poema que Manuel Alegre dedicou à Lisboa que agora sofre com o Corona Vírus e que diz assim:

Lisboa Ainda

Lisboa não tem beijos nem abraços
não tem risos nem esplanadas
não tem passos
nem raparigas e rapazes de mãos dadas
tem praças cheias de ninguém
ainda tem sol mas não tem
nem gaivota de Amália nem canoa
sem restaurantes, sem bares, nem cinemas
ainda é fado ainda é poemas
fechada dentro de si mesma ainda é Lisboa
cidade aberta
ainda é Lisboa de Pessoa alegre e triste
e em cada rua deserta
ainda resiste

20 de março de 2020, Manuel Alegre

E lembrei-me deste outro, igualmente de Manuel Alegre, sobre uma Lisboa acorrentada em tempos de ditadura. Lisboa resistiu!


Lisboa perto e longe


Lisboa chora dentro de Lisboa
Lisboa tem palácios sentinelas.
E fecham-se janelas quando voa
nas praças de Lisboa -- branca e rota
a blusa de seu povo -- essa gaivota.

Lisboa tem casernas catedrais
museus cadeias donos muito velhos
palavras de joelhos tribunais.
Parada sobre o cais olhando as águas
Lisboa é triste assim cheia de mágoas.

Lisboa tem o sol crucificado
nas armas que em Lisboa estão voltadas
contra as mãos desarmadas -- povo armado
de vento revoltado violas astros
-- meu povo que ninguém verá de rastos.

Lisboa tem o Tejo tem veleiros
e dentro das prisões tem velas rios
dentro das mãos navios prisioneiros
ai olhos marinheiros -- mar aberto
-- com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.

Lisboa é uma palavra dolorosa
Lisboa são seis letras proibidas
seis gaivotas feridas rosa a rosa
Lisboa a desditosa desfolhada
palavra por palavra espada a espada.

Lisboa tem um cravo em cada mão
tem camisas que abril desabotoa
mas em maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguém verá de joelhos.

Lisboa a desditosa a violada
a exilada dentro de Lisboa.
E há um braço que voa há uma espada.
E há uma madrugada azul e triste
Lisboa que não morre e que resiste.

E resistirá sempre!


14 comentários:

  1. feliz por te saber de volta
    e com saúde,

    beijo

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  2. em tempo,
    gosto muito da poesia de Manuel Alegre
    e os poemas têm a sua inconfundível marca

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  3. Dois belos poemas de um poeta que gosto muito.
    Abraço

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  4. A Lisboa acorrentada passou a Lisboa enclausurada...mas Livre?!

    Mudam-se os tempos e os poemas mudam de direcção, mas sempre resistindo.
    Veremos o que vem a seguir, Gracinha.

    Beijinhos e fica bem.

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    Respostas
    1. Dizes muito bem, Janita: vamos ver o que vem a seguir...

      Haja esperança! Beijinhos esperançosos!

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  5. Houve tempos em que sabia seu versos de cor
    Mas nunca é tarde para voltar a decorá-los
    Cantar também é uma forma de resistir...

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  6. Lisboa continua viva com gente enclausurada.
    Dois lindos poemas que gostei muito de ler.

    Beijinhos Graça.
    Ps. Também estou fartinha de silêncio :(

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