O meu lado romântico atraiu-me,
desde muito jovem, para o encantamento pela poesia. Passava muitas horas na velha
Biblioteca de Sintra – ali bem pertinho da minha casa – a esquadrinhar velhos
livros de poemas de autores conhecidos e de outros não tanto, copiando para
folhas de cadernos inacabados aqueles que mais me falavam ao coração.
Gosto de ler – nunca de ouvir
declamar, ou mesmo dizer – poesia. Gosto de sentir os estados de alma que lhe
estão subjacentes, gosto do seu modo fragmentário, do belo encontro entre as
palavras, da rutura que ela permite nas normas – sejam elas qual forem. Mas há
uma coisa que os poemas têm de ter para eu os adotar – tenho de lhes apreender
a beleza, seja do sentido, seja da harmonia ou da melodia das palavas. Têm de
encontrar eco no mais fundo de mim. E isso não consigo sentir em muitos dos
poetas atuais considerados de alto nível.
(Nem quero que me lembrem quando, na Faculdade, me obrigaram a
interpretar Ezra Pound – que eu detestei, ou não entendi – e também ninguém me
soube ou quis explicar…)
Hoje, na livraria, detive-me –
uma vez mais – na mesa dos livros de poesia portuguesa. (Que, vá-se lá saber porquê, está posta no fundo, bem lá no fundo, na
loja). Muitas obras com a poesia reunida de autores tão considerados como
Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, António Ramos Rosa, Ruy Belo, Herberto
Hélder e alguns com descontos até 30 e 50%. Pus-me a ler um ou outro poema de
um ou de outro autor. Tão complexos, tão longe de me cativarem…. Acabei por não
ceder à tentação de trazer os Poemas de Almada Negreiros, absolutamente
encantador (e sem desconto...)
Porque será que me fascinam os
versos de Pessoa, de Almada, de Torga, do David Mourão-Ferreira, do Eugénio de
Andrade, de Gedeão, de tantos de Sophia – já para não falar em Camões ou até em Bernardim – e não “entro” naqueles
mais contemporâneos de que falam os atuais críticos nas revistas literárias?
Penso que a poesia – como tantas
outras artes e outras dimensões do conhecimento e do cometimento humanos – é entendida
e aceite nos corações passados muitos anos sobre a sua realização.
Por mim, já não vou ter tempo de
entender, de aceitar no meu íntimo, a poesia daqueles que (re)vi hoje na
livraria e que não se me agarraram aos dedos.
Graça, Gracinha...
ResponderEliminarEncantada li, com muita atenção e imenso agrado, a tua dissertação acerca dessa tua aproximação à poesia, mas não a toda - isso eu compreendo bem, sou igual- cheguei ao final do texto, encantador, pensando que iria encontrar aqui um poema de Mestre Almada Negreiros...e nada?
Ah, não Graça, nesse caso trago-o eu, se me permites e não levares a mal.
Ei-lo: dedicado às varinas dessa Lisboa que adoras! :)
A Varina
Lá na Ribeira Nova
onde nasce Lisboa inteira
na manhã de cada dia
há uma varina
e se não fosse ela
ai não sei
não sei que seria de mim!
Por ela
fiz dois versos a todas as varinas:
E vós varinas que sabeis a sal
e trazeis o mar no vosso avental!
Acho parecidos estes versos
com as varinas de Portugal.
Uma vez falei-lhe
para ouvi-la
e vê-la
ao pé.
A voz saborosa
os olhos de variar
castanhos de variar
castanhos-escuros de variar
com reflexos de variar
desde o rosa
até ao verde
desde o verde
até ao mar.
Num reflexo reflecti:
não dar aquele destino
ao meu destino aqui.
(Escrito em 1926)
Beijinhos, bom fim de semana.
Lindo! Lindo! Adorei!
EliminarObrigada pela tua simpatia e sensibilidade! Beijinhos almadinos...
ResponderEliminarFoi um deleite ler-te!!
Até se sente a tua aura exalar perfume a flores quando falas de poesia... :))
«Gosto de ler – nunca de ouvir declamar, ou mesmo dizer – poesia.» Como te compreendo... pois se é precisamente a poesia aquela que até se deve (se possível) ler na língua original de modo a que ela seja só nossa e interpretada só por nós e não passe pelo "filtro" da pessoa que fez a tradução.
Deixo-te beijos... daqueles que se agarram à pele (não dos teus dedos mas) do teu rosto
(^^)
Muito obrigada, minha querida Afrodite, pelas tuas doces palavras.
EliminarBeijos, nossa deusa!!
Eu penso que a poesia é a vida de todos nós... E, os poemas circundam-nos, sem que seja preciso lê-los em voz alta, decorá-los e declama-los. Muitas vezes, em uma leitura silenciosa, os versos nos calam mais fundo. Basta a sensibilidade.
ResponderEliminarAbraço.
É bem certo, Célia: basta a sensibilidade. Por isso gosto tantos de seus versos...
EliminarBeijinhos.
O meu primeiro encontro com a poesia aconteceu mal aprendi a ler pela "mão" do almanaque Borda d'água que o meu pai usava para saber quando fazer as sementeiras. Trazia nesse ano um poema de Almeida Garret. Morena.
ResponderEliminarAbraço
Lembro-me de um poema «Morena», mas é de Guerra Junqueiro e, em tempos, aprendi-o de cor:
Eliminar«Não negues, confessa
Que tens certa pena
Que as mais raparigas
Te chamem morena.
Pois eu não gostava,
Parece-me a mim,
De ver o teu rosto
Da cor do jasmim.
Eu não... mas enfim
É fraca a razão,
Pois pouco te importa
Que eu goste ou que não. (...)
Muito lindo!
Nunca gostei muito de ler poesia mas há POESIA que não se consegue resistir a que se leia!!!
ResponderEliminarQue seja um fim de semana radioso!!!
Obrigada, Gracinha. Para já tem sido pouco radioso - muito vento, muito frios e algumas chuvadas...
EliminarBeijinho.
Minha querida Gracinhamiga I
ResponderEliminarHoje fizeste-me recordar que ainda que não sea muito afim da poesia, a primeira vez que a entendi foi com o nosso Camões e os seus sonetos, Alma minha, gentil, que te partis-te...
Porém, hoje venho dar-te uma triste notícia: o meu irmão Braz ao fim de um longo martírio como soubeste faleceu no sábado faz hoje oito dias, no meio do maior sofrimento e foi cremado no dia seguinte, domingo.
Muito bjs e qjs do casal Ferreira
Lamento muito, Henriquamigo!
EliminarNão há direito termos de sofrer tanto antes de partirmos. É mesmo muito triste e muito injusto.
Receba(m) um abraço apertadinho de dor e de amizade.
Graça, não conhecia essa tua sensibilidade para a poesia, mas eu digo sempre que mais do que nunca, o mundo precisa de poetas!
ResponderEliminarabraço amiga e bom fim de semana
para te agradecer o post sobre poesia,
coloco aqui a minha brincadeira que fiz com as palavras para o dia da poesia e que deixei noutros blogues :
Meu irmão, meu amor, meu poeta, foge
das mentes ferozes que te querem colocar
por detrás de janelas em forma de grades.
Triste destino para quem é leve como o ar!
Abre as asas brancas, voa e pousa no monte Olimpo
a salvo, poderás observar o banquete de Marte
cujo clamor de regozijo se espalha por toda a parte.
Aí, guardarás as sementes de coloridas auroras!
A música das palavras não se pode silenciar!
O poeta soletra a conjugação do verbo amar
e sonha com mundos etéreos até ao amanhecer.
Vê o voo de borboletas, prenúncio de prazer,
que criam poemas no orvalho e nas flores,
E devolvem ao poeta, a sua arte de viver!
não caio na armadilha
ResponderEliminarde poesia aqui falar
pois não se fala da filha
que ninguém quer levar
ao altar!...
(e não é que rima!)
beijos (poéticos)