sexta-feira, 23 de março de 2018

Dos poetas e da poesia

O meu lado romântico atraiu-me, desde muito jovem, para o encantamento pela poesia. Passava muitas horas na velha Biblioteca de Sintra – ali bem pertinho da minha casa – a esquadrinhar velhos livros de poemas de autores conhecidos e de outros não tanto, copiando para folhas de cadernos inacabados aqueles que mais me falavam ao coração.

Gosto de ler – nunca de ouvir declamar, ou mesmo dizer – poesia. Gosto de sentir os estados de alma que lhe estão subjacentes, gosto do seu modo fragmentário, do belo encontro entre as palavras, da rutura que ela permite nas normas – sejam elas qual forem. Mas há uma coisa que os poemas têm de ter para eu os adotar – tenho de lhes apreender a beleza, seja do sentido, seja da harmonia ou da melodia das palavas. Têm de encontrar eco no mais fundo de mim. E isso não consigo sentir em muitos dos poetas atuais considerados de alto nível.

(Nem quero que me lembrem quando, na Faculdade, me obrigaram a interpretar Ezra Pound – que eu detestei, ou não entendi – e também ninguém me soube ou quis explicar…)

Hoje, na livraria, detive-me – uma vez mais – na mesa dos livros de poesia portuguesa. (Que, vá-se lá saber porquê, está posta no fundo, bem lá no fundo, na loja). Muitas obras com a poesia reunida de autores tão considerados como Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, António Ramos Rosa, Ruy Belo, Herberto Hélder e alguns com descontos até 30 e 50%. Pus-me a ler um ou outro poema de um ou de outro autor. Tão complexos, tão longe de me cativarem…. Acabei por não ceder à tentação de trazer os Poemas de Almada Negreiros, absolutamente encantador (e sem desconto...)

Porque será que me fascinam os versos de Pessoa, de Almada, de Torga, do David Mourão-Ferreira, do Eugénio de Andrade, de Gedeão, de tantos de Sophia – já para não falar em Camões  ou até em Bernardim – e não “entro” naqueles mais contemporâneos de que falam os atuais críticos nas revistas literárias?

Penso que a poesia – como tantas outras artes e outras dimensões do conhecimento e do cometimento humanos – é entendida e aceite nos corações passados muitos anos sobre a sua realização.

Por mim, já não vou ter tempo de entender, de aceitar no meu íntimo, a poesia daqueles que (re)vi hoje na livraria e que não se me agarraram aos dedos.





14 comentários:

  1. Graça, Gracinha...
    Encantada li, com muita atenção e imenso agrado, a tua dissertação acerca dessa tua aproximação à poesia, mas não a toda - isso eu compreendo bem, sou igual- cheguei ao final do texto, encantador, pensando que iria encontrar aqui um poema de Mestre Almada Negreiros...e nada?
    Ah, não Graça, nesse caso trago-o eu, se me permites e não levares a mal.
    Ei-lo: dedicado às varinas dessa Lisboa que adoras! :)

    A Varina

    Lá na Ribeira Nova
    onde nasce Lisboa inteira
    na manhã de cada dia
    há uma varina
    e se não fosse ela
    ai não sei
    não sei que seria de mim!
    Por ela
    fiz dois versos a todas as varinas:
    E vós varinas que sabeis a sal
    e trazeis o mar no vosso avental!
    Acho parecidos estes versos
    com as varinas de Portugal.
    Uma vez falei-lhe
    para ouvi-la
    e vê-la
    ao pé.
    A voz saborosa
    os olhos de variar
    castanhos de variar
    castanhos-escuros de variar
    com reflexos de variar
    desde o rosa
    até ao verde
    desde o verde
    até ao mar.
    Num reflexo reflecti:
    não dar aquele destino
    ao meu destino aqui.

    (Escrito em 1926)

    Beijinhos, bom fim de semana.

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    1. Lindo! Lindo! Adorei!

      Obrigada pela tua simpatia e sensibilidade! Beijinhos almadinos...

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  2. Foi um deleite ler-te!!
    Até se sente a tua aura exalar perfume a flores quando falas de poesia... :))

    «Gosto de ler – nunca de ouvir declamar, ou mesmo dizer – poesia.» Como te compreendo... pois se é precisamente a poesia aquela que até se deve (se possível) ler na língua original de modo a que ela seja só nossa e interpretada só por nós e não passe pelo "filtro" da pessoa que fez a tradução.

    Deixo-te beijos... daqueles que se agarram à pele (não dos teus dedos mas) do teu rosto
    (^^)

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    1. Muito obrigada, minha querida Afrodite, pelas tuas doces palavras.

      Beijos, nossa deusa!!

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  3. Eu penso que a poesia é a vida de todos nós... E, os poemas circundam-nos, sem que seja preciso lê-los em voz alta, decorá-los e declama-los. Muitas vezes, em uma leitura silenciosa, os versos nos calam mais fundo. Basta a sensibilidade.
    Abraço.

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    1. É bem certo, Célia: basta a sensibilidade. Por isso gosto tantos de seus versos...

      Beijinhos.

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  4. O meu primeiro encontro com a poesia aconteceu mal aprendi a ler pela "mão" do almanaque Borda d'água que o meu pai usava para saber quando fazer as sementeiras. Trazia nesse ano um poema de Almeida Garret. Morena.
    Abraço

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    1. Lembro-me de um poema «Morena», mas é de Guerra Junqueiro e, em tempos, aprendi-o de cor:
      «Não negues, confessa
      Que tens certa pena
      Que as mais raparigas
      Te chamem morena.

      Pois eu não gostava,
      Parece-me a mim,
      De ver o teu rosto
      Da cor do jasmim.

      Eu não... mas enfim
      É fraca a razão,
      Pois pouco te importa
      Que eu goste ou que não. (...)

      Muito lindo!

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  5. Nunca gostei muito de ler poesia mas há POESIA que não se consegue resistir a que se leia!!!
    Que seja um fim de semana radioso!!!

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    1. Obrigada, Gracinha. Para já tem sido pouco radioso - muito vento, muito frios e algumas chuvadas...

      Beijinho.

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  6. Minha querida Gracinhamiga I

    Hoje fizeste-me recordar que ainda que não sea muito afim da poesia, a primeira vez que a entendi foi com o nosso Camões e os seus sonetos, Alma minha, gentil, que te partis-te...

    Porém, hoje venho dar-te uma triste notícia: o meu irmão Braz ao fim de um longo martírio como soubeste faleceu no sábado faz hoje oito dias, no meio do maior sofrimento e foi cremado no dia seguinte, domingo.

    Muito bjs e qjs do casal Ferreira

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    1. Lamento muito, Henriquamigo!
      Não há direito termos de sofrer tanto antes de partirmos. É mesmo muito triste e muito injusto.

      Receba(m) um abraço apertadinho de dor e de amizade.

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  7. Graça, não conhecia essa tua sensibilidade para a poesia, mas eu digo sempre que mais do que nunca, o mundo precisa de poetas!
    abraço amiga e bom fim de semana
    para te agradecer o post sobre poesia,
    coloco aqui a minha brincadeira que fiz com as palavras para o dia da poesia e que deixei noutros blogues :

    Meu irmão, meu amor, meu poeta, foge
    das mentes ferozes que te querem colocar
    por detrás de janelas em forma de grades.
    Triste destino para quem é leve como o ar!

    Abre as asas brancas, voa e pousa no monte Olimpo
    a salvo, poderás observar o banquete de Marte
    cujo clamor de regozijo se espalha por toda a parte.
    Aí, guardarás as sementes de coloridas auroras!

    A música das palavras não se pode silenciar!
    O poeta soletra a conjugação do verbo amar
    e sonha com mundos etéreos até ao amanhecer.

    Vê o voo de borboletas, prenúncio de prazer,
    que criam poemas no orvalho e nas flores,
    E devolvem ao poeta, a sua arte de viver!

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  8. não caio na armadilha
    de poesia aqui falar
    pois não se fala da filha
    que ninguém quer levar

    ao altar!...

    (e não é que rima!)

    beijos (poéticos)

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