segunda-feira, 4 de julho de 2016

Uma imagem que vale por mil palavras

É sabido que não resisto a um bom pedaço de boa prosa. Se for um bom texto literário, então é o delírio, mas um texto argumentativo de qualidade (e que vá de encontro ao que eu penso) também me é muito grato.

A quem me dissesse há uns bons dez anos atrás que me seria tão agradável ouvir e ler José Pacheco Pereira, teria de responder que estava a sonhar. O facto é que, desde que a pessoa em causa deixou de se apresentar em modo de político partidário e passou a representar o sociólogo, o historiador, o grande estudioso da arte política, mostrou o seu real valor que admiro.

O texto que escreveu no Público subordinado ao tema «Uma imagem que vale por mil palavras» e que hoje refiro e trago aqui é bem prova do que atrás ficou dito. Uma crítica mordaz e profunda ao “neo-PSD” e ao seu recente documento «222 Propostas Social-Democratas, um guião para um “verdadeiro programa nacional de reformas”, de autoria do Grupo Parlamentar do PSD», mais especificamente à imagem da capa do dito documento.

O texto é por de mais longo pelo que não o transcrevo na íntegra, mas quem se interessar pode aceder-lhe pelo link. De notar a crítica profunda, bem como a subtil ironia que a traduz.





(…) «Trata-se de uma imagem desprovida de conteúdo político explícito e especialmente de conteúdo político social-democrata, mas densa de ideologia e espiritualidade. A ideologia é má e a espiritualidade é banal e “new age”, mas é o que é. A imagem é um tratado sobre a mentalidade, sobre um certo autodidactismo que se sobrepõe à formação académica ou à falta dela e, principalmente, fala-nos sobre os mecanismos de representação do mundo, e do desejo de o atravessar com sucesso, da actual direcção do PSD. É também uma imagem que revela a “cultura” do consumidor da Internet, via Facebook e “redes sociais”. (…)

Que imagem é esta de que de certeza o leitor nunca ouviu falar? Da capa da edição em papel de 222 Propostas Social-Democratas, um guião para um “verdadeiro programa nacional de reformas”, de autoria do Grupo Parlamentar do PSD. Uma espécie de programa do governo, apresentado sobre as cinzas do célebre guião de copy-paste de Portas e que se pretende contrapor ao Plano Nacional de Reformas do PS, o “falso programa de reformas”, a que alude o “verdadeiro”. O documento merece discussão em si, mas a capa merece-o muito mais. 

A capa tem no centro, como motivo principal, uma imagem de carácter religioso: a célebre Escada da Divina Ascensão, subida por João Clímaco a caminho do Paraíso. João Clímaco era também conhecido como “João da Escada”. Há vários ícones orientais representando-a, exactamente da mesma forma que aqui o PSD a representa. Só que, aqui, é o Homem da Regisconta que a sobe com o seu fato de executivo e segurando a mesma pasta que é a sua marca inconfundível. A versão é a do Homem da Regisconta visto por trás, afastando-se de nós a caminho do Paraíso e, para saber o caminho, tem uma espécie de folha de rascunho, de apontamentos de uma reunião, um workshop empresarial, ou motivacional, que funciona como um blueprint para a salvação. Melhor: tem um “business plan”. Esse mapa para o divino lugar, implica o uso da informática, da “social media”, do marketing, do “business”, da estratégia e de uma panóplia de gráficos de barras e “pie charts” habituais em documentos empresariais e, de novo, nos cursos de gestão de baixa qualidade. Numa demonstração de grande originalidade, uma ideia nova é representada pela lâmpada da banda desenhada e está lá ao lado de um cifrão. Peço desculpa por usar muitas palavras em inglês, mas é em inglês que está escrita a folha negra com instruções para o caminho para o “sucesso” com ponto de exclamação: “success!!”. (…)

Resumindo e concluindo: o homem dos dias de hoje, um jovem executivo, ou um profissional de marketing, ou um diligente “jota”, tem nesta imagem sagrada a sua forma de aceder ao divino, ou seja, ao sucesso.

O que é que isto tem a ver com o Estado? Nada. Com reformas políticas? Nada. Com o povo e a melhoria das suas condições de vida? Nada de nada. Com uma mensagem política subliminar? Sim. É uma mensagem para o indivíduo, porque é do sucesso individual que se trata no mundo do “empreendedorismo”, não para um país, ou uma comunidade, uma classe ou uma nação. É uma mensagem esforçada e antiquada, com décadas de atraso, para o “homem da Regisconta” do início da informática e da entrada das máquinas de calcular e da moderna gestão no mundo empresarial. Nem sequer é para o yuppie da bolsa, nem o criativo das dot.com, nem para as start-up. Na verdade há muita incompetência e muita ignorância nestas incongruências, mas pouco importa.

É pelo “negócio” que se chega à salvação. É pela vulgata da linguagem dos “business plan” que se encontra o caminho para a “luz” ou seja, para o “sucesso”. O neo-PSD dos nossos dias pensa assim, ou seja, não pensa, tem uma fé. (…)


Mas este caminho hoje seguido pelos neo-PSDs faz imensos estragos naquele que é o maior partido político português e, por essa via, a Portugal. Quem deve estar a rabiar naquele título e por baixo dos pés do Homem da Regisconta é a palavra “social-democrata”, (…)

5 comentários:

  1. Lembro-me de um dia ter reparado em mim...
    Arrepiada e com grandes olhos atónitos olhava a televisão onde
    PPereira tinha acabado de proferir esta aleivosidade...
    «Temos de acabar definitivamente com o socialismo em Portugal»
    Parecia estar a anunciar uma nova revolução!
    Era ele líder parlamentar pelo PSD, depois de ter sido simpatizante
    do PCP e PS, partidos que não confiaram nele.
    Todas as suas publicações de cariz político são imbuídas de um
    ressabiamento patético e deplorável, porém, o que eu mais acho indigno,
    é a sua traição a valores que defendeu por tanto tempo quer a nível nacional,
    quer a nível internacional.
    É por esta razão que PPereira como analista político inspira-me
    o maior desprezo, mesmo que disserte sobre verdades que me são convenientes.
    ~~~ Beijinho, Graça ~~~


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    1. Especial cumprimento pela síntese dos argumentos com que define PPereira. Muito bom, Majo Dutra...

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    2. Por isso também não confio completamente nele, Majo. Se bem que isso tenha sido no tempo em que era um ferrenho político-partidário cego a tudo o mais...

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