sábado, 23 de julho de 2016

De volta a casa

Hoje, de volta a casa, Alentejo acima. 
Aquela intensa imensidão amarela, azinheiras torcidas ao sol, o verde redondo dos pinheiros mansos, campos de arroz alagados em verde vivo.
E a presença constante dos aloendros. 



A beleza acústica da palavra - aloendro - a lembrar-me a leveza do poema «Canto Franciscano» do inesquecível Ary dos Santos tão bem cantado pelo Tordo.

«Por onde passaste tu
que me ficaste cá dentro
tenaz do fogo divino
irmão pinho ou aloendro?
Por onde passaste tu
que me ficaste cá dentro?»

Corria o ano de 72. As (poucas) maravilhas que nos eram permitidas à época.




O poema completo (de uma beleza de veludo...)

Por onde passaste tu
que não soubeste passar?
Pela sandália do tempo
pelo cílio do luar
pelo cílio do vento
pelo tímpano do mar?
Por onde passaste tu
que não soubeste passar?

Por onde passaste tu
que me ficaste cá dentro
tenaz do fogo divino
irmão pinho ou aloendro?
Por onde passaste tu
que me ficaste cá dentro?

Pois bem: nos campos da fome
ou nos caminhos do frio
se eu encontrasse o teu nome
lançava-te o desafio:
por onde passaste tu
pétala viva dos cerdos
rei das chagas e dos podres
- por onde passaste tu
não passaram as minhas dores!

Nasci da mãe que não tive
do pai que nunca terei
e aquilo que sobrevive
é o irmão que não sei:
uma espécie de fogueira
de corpo que me deslumbra.
Tudo o mais à minha beira
é uma réstia de sombra.
- Por onde passaste tu
com artelhos de penumbra?

Eis-me. Eis-me incendiado
por não saber perdoar.
Meu irmão passa de lado
- Eu sei como hei-de passar.



13 comentários:

  1. Maravilhoso poema e de uma reflexão por demais tocante! Uma narrativa perfeita do caminhar nessa vida!
    Abraço.

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  2. E assim se passaram alguns dias maravilhosos...

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  3. Passar pelo Alentejo é algo de sublime, assim como a canção que escolheste.
    Beijos Graça

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    1. O Alentejo é um canto! Um cante... um encantamento.

      Beijinho.

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  4. Já acabaram as férias.
    Regresso a casa em plena caloraça, Graça... dá quase vontade de voltar para trás :))
    Fica bem.Beijinhos

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  5. Tão belo! E tanta coisa a acontecer em 1972!

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    1. Foram anos algo intensos estes que antecederam 74. Por acaso, casei em 71...

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  6. Por incrível que pareça não conhecia este belo "Canto Franciscano", Graça!
    O poema é deveras lindo. Valeu a pena teres vindo...:)

    O que é bom passa depressa, mas nada dura eternamente. Já foi bom, embora possas ainda desfrutar de mais uns dias de vacances, noutro lugar qualquer.
    Eu só lá para meados de Agosto...É a vida!!

    Beijinhos e agradeço esta bela partilha.

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    1. Ainda bem que gostaste, Janita. Passar pelo "teu" Alentejo é sempre um encantamento.

      Mesmo sendo só em meados de Agosto, o que é importante é ir...

      Beijinhos.

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  7. Que maravilha! E contentam-se com pouco, mas ai de quem arrisque trincá-los...
    Um bonito poema de um poeta de mão-cheia.

    Bj.

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