segunda-feira, 9 de junho de 2014

A minha pátria é a língua portuguesa

Deixei aqui dito há uns dias, a propósito do aforismo pessoano «o melhor do mundo são as crianças» que o bom do Pessoa não tem culpa nenhuma que lhe estafem as tiradas. E assim é! O mesmo acontece com o seu belo verso «tudo vale a pena se a alma não é pequena», com a sua tirada publicitária «primeiro estranha-se, depois entranha-se» e também com a extraordinária frase do Livro do Desassossego «a minha pátria é a língua portuguesa».



Lido mal com o chamado «lugar-comum» desde cedo e exultei quando aí por setenta e tal li um texto do poeta José Gomes Ferreira (não confundir com o papagaio de serviço da SIC) em que ele, no seu habitual tom irónico, faz o levantamento de todos os “bordões” de linguagem usados à época. É que nós, portugueses, por preguiça ou mesmo por falta de vocabulário, somos exímios em deixar que se nos colem ao ouvido palavras ou expressões que depois usamos até à metafísica (esta também é do Pessoa, mas muito pouco usada…)

Bom, mas para introdução, isto já vai longo. Trago aqui esta frase porque, de facto, eu gosto muito da nossa língua e, como já devem ter notado, não gosto de usar palavras emprestadas, nomeadamente do inglês (apesar de ser de Germânicas…) Gosto muito da minha língua ouvida falada, escrita, usada na poesia, no romance, no jornal, seja onde for, seja na sonoridade portuguesa, brasileira, africana...

Sou daquelas que não estou nada preocupada com o acordo ortográfico mais recente. Entendo-o e sei que acontece como já aconteceram uns tantos outros ao longo dos tempos. Já leram Saussure? Já leram Coseriu? Já leram Chomsky? Não? Então, leiam! E desenganem-se aqueles que muito pomposamente vêm com a falácia de que este acordo vem corromper a «bela língua de Camões» porque, garanto-vos que o Camões não escrevia a nossa bela língua de acordo com nenhum dos acordos ortográficos que conhecemos! Além de que as línguas corrompem-se é com o uso ao longo dos tempos e se não se corrompessem, a esta hora, ainda estaríamos a falar latim!

Lá estou eu a divagar!

Ora voltando ao tema: hoje li no jornal que as universidades portuguesas já têm mais de 170 cursos dados em inglês. E estavam todos muito contentes com o facto! Como se estivéssemos a vender cursos superiores para o estrangeiro ministrados em Portugal. Uma espécie de exportação, um empreendedorismo, como se diz agora! Assim como quem faz sapatos, ou camisas ou rolhas, ou garrafas de azeite ou secretos de porco preto para melhorar os níveis da economia.

Fiquei chocada! Se calhar é por estar velha, mas não dá para entender este novo-riquismo provincianês! E onde fica a nossa língua? Já não bastava assistir ao triste espetáculo dos “nossos” “governantes” a realizarem conselhos de ministros para inglês ouvir, senão agora também ver os nossos professores universitários a papaguear fórmulas químicas ou noções de literatura portuguesa em inglês…

Desculpem-me mas não serão estes sinais muito mais preocupantes do que tirar um c ou um p que nem é vocalizado de uma ou outra palavra?


17 comentários:

  1. ~
    ~ ~ Sabes que sempre estive, estou e estarei completamente
    solidária com o que tão argutamente acabaste de expor.

    ~ ~ Excelente texto, oportuna dissertação, fina ironia e sagaz opinião.

    ~ ~ ~ ~ A b r a ç o. ~ ~ ~ ~

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  2. Majo, querida, não mereço tanto!...

    Beijinhos

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  3. Aproveito o balanço
    não diga não merecer tanto
    quando, mais a mais
    merece ainda mais

    Majo tem razão
    eu sou da mesma opinião

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  4. não me meto nessa discussão - escrevo como aprendi.

    (e frequentemente com "gralhas" a perseguirem-me)

    beijo

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  5. ~
    ~ ~ Graça. ~ Rogério. ~

    ~ ~ Não tenho a pretensão de fazer dos meus comentários textos literários,
    ~ são apenas apontamentoa amigos, pelo que, não estou para economizar
    ~ adjetivos quando me parece que são justos e pertinentes.

    ~ ~ ~ Beijinhos. ~ ~ ~

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  6. Acho que já foi tudo dito, direi apenas: Excelente texto.

    Beijinho

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  7. Saber inglês é muito in, Graça.
    Nem que seja, como é muitas vezes, "engrish".
    O conhecimento de várias línguas é fundamental no mundo actual.
    Daí até cair no exagero vai um grande salto.
    Beijinhos

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  8. Sabes que não "aderi" ao NAO e não é por isso que me sinto diminuída no meu amor pela nossa Língua!
    Também li essa dos cursos ministrados em inglês e fiquei deveras incomodada.
    Uma professora até disse que se sentia muito mais à vontade a dar as aulas nessa língua porque toda a sua especialização foi feita em universidades inglesas.
    Mas parece que assim têm mais alunos estrangeiros...e mais ganham com as propinas!
    O vil metal!

    Abraço

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  9. Também fiquei chocada com todos esses cursos ministrados em inglês. Também sou uma amante da nossa língua-mãe. Bons velhos tempos em que nos cursos (também sou de germânicas!) se lia Saussure e Chomsky, em que se estudava linguística e filosofia da linguagem.
    ´Concordo portanto com o teu texto quase na íntegra - com excepção da aceitação cega do AO - mas isso dava pano para mangas:-)))))))

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  10. Chomsky conheço há anos e admiro-o muito em qualquer das suas actividades!

    Não sou adepta do Acordo , mas quando soube desse disparate dos cursos em inglês pareceu-me , sim, bem mais grave e atentatório do que o dito.

    Sempre pugnei pelo uso de termos portugueses, embora nalguns casos não se consiga evitar pois o sentido perde-se :aconteceu-me isso na apresentação de uma sessão e fiz questão de explicar porque usava a palavra francesa.

    Como também discordo frontalmente que se diga handicapado quando temos deficiente ou partenariado quando existe parceria.

    Enfim....

    Bom resto de feriado , Graça

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  11. Dá para você imaginar... o que estamos vivendo aqui no Brasil devido aos Jogos Mundiais - a Copa? Divertido fica o tranças de línguas nos bares, restaurantes, hotéis, lojas, terrível! Vira uma "zona linguística"... Senhor, acuda-nos!
    Abraços.

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  12. Ó Célia, nem imagino!!! Deve ser de fugir...

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  13. Este comentário foi removido pelo autor.

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  14. Que fique aqui muito claro que nada tenho contra quem não aderiu ao novo acordo ortográfico! Era só o que mais faltava...

    E, Leo, nunca disse que quem não aderiu ao acordo amem menos a nossa língua!

    A maior abertura, a maior aceitação em tudo! Mente aberta, portanto.

    Beijinhos

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  15. Também gostei muito deste texto! Aliás, faz-me uma enorme impressão que haja tanta gente a dar erros de palmatória (a escrever, mas também a falar) e depois se saia com tiradas como essa do título... Será só pelo prazer de discutir? ;)

    Beijocas

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  16. Na minha modesta opinião o AO houve e continua a haver falta de acordo(embora procure cumpri-lo).
    Quanto à febre do inglês acho ser uma pimbalhice.

    O texto da Graça está uma preciosidade.

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  17. quanto aos cursos em ingles nem opinião tenho... mas sobre a nova escrita, acredito que muita coisa está errada, por exemplo a palavra correção dizemos da mesma maneira com ou sem o segundo c mas existem muitas que ficam com um sentido completamente diferente ( convecção e conveção é o exemplo de uma palavra que não faz sentido e será que perde o c?)!

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