No Dia Mundial do Livro, transcrevo uma deliciosa carta de Fernando Pessoa ao escritor José Osório de Oliveira, filho da republicana Ana de Castro Osório, na qual discorre sobre os livros da sua vida.
(Na exposição "Fernando Pessoa, plural como o Universo" na Gulbenkian) |
«Recebi, há cinco minutos, a sua
pergunta: “Quais foram os livros que o banharam numa mais intensa atmosfera de
energia moral de generosidade, de grandeza de alma, de idealismo?” Respondo,
como vê, imediatamente. Diz-me que é uma pergunta feita por António Sérgio, a
quem não conheço pessoalmente, mas por quem tenho a maior consideração. É mais
uma razão para responder depressa; não é, infelizmente, uma razão para poder
ser lúcido ou explícito, visto que se trata de um assunto em que, até agora, não
reflecti.
Como, porém, em todas as
dificuldades da vida se deve agir antes de pensar, vou responder antes de
pensar o que digo, e a resposta terá assim o selo régio da sinceridade.
Ponho uma questão prévia. Os termos
da pergunta pressupõem que a energia moral, a generosidade, a grandeza de alma
e o idealismo sejam pessoas abstractas do meu convívio quotidiano. Infeliz, ou
infelizmente, não o são. Não digo que as não conheça, mas não as conheço com
aquela intimidade com que conheço o capricho, a insinceridade e o devaneio –
por vezes, até o devaneio lógico, que tem sido uma das minhas principais
exterioridades.
Traduzo, pois, a pergunta para o
seguinte: Quais foram os livros que mais me transmudaram em mim mesmo para
aquela pessoa diferente que todos nós desejaríamos ser? Para isto tenho uma
resposta – aquela, imediata e impensada, a que acima me refiro – e que deve
conter a verdadeira.
Em minha infância e primeira
adolescência houve para mim, que vivia e era educado em terras inglesas, um
livro supremo e envolvente – os “Pickwick Papers”, de Dickens; ainda hoje, e
por isso, o leio e releio como se não fizesse mais que lembrar.
Em minha segunda adolescência dominaram
meu espírito Shakespeare e Milton, assim como, acessoriamente, aqueles poetas
românticos ingleses que são sombras irregulares deles; entre estes foi talvez
Shelley aquele com cuja imaginação mais convivi.
No que posso chamar a minha terceira
adolescência, passada aqui em Lisboa, vivi na atmosfera dos filósofos gregos e
alemães, assim como na dos decadentes franceses, cuja acção me foi subitamente
varrida do espírito pela ginástica sueca e pela leitura da “Dégénérescence”, de
Nordau.
Depois disto, todo o livro que
leio, seja de prosa ou de verso, de pensamento ou de emoção, seja de estudo sobre
a quarta dimensão ou um romance policial, é, no momento em que o leio, a única
coisa que tenho lido. Todos eles têm uma suprema importância que passa no dia
seguinte.
Esta resposta é absolutamente
sincera. Se há nela, aparentemente, qualquer coisa de paradoxo, o paradoxo não
é meu: sou eu.»
Fernando Pessoa (1932)
E, a propósito, deixo aos meus caros leitores o mesmo desafio: apontarem o(s) livro(s) da vossa vida. Um dos meus foi "Wuthering Heights" (O Monte dos Vendavais) de Emily Brontë; outro foi a Poesia de Álvaro de Campos.
Gostei da resposta de Fernando Pessoa! :)
ResponderEliminarTal como ele, também tenho diferentes fases de leitura, consoante a idade. A primeira, na infância, como não poderia deixar de ser, foi Enid Blyton!
Agatha Christie, Jane Austen, Charles Dickens, Mark Twain, Pearl Buck, Irving Wallace, Berthe Bernage, Jeffrey Archer, Sidney Sheldon, entre tantos outros, foram os que mais li na adolescência e início da idade adulta. E também li esse de Emily Bronte e o da irmã Charlotte "Jane Eyre".
Nos últimos anos tenho preferido diversificar leituras, os sul americanos têm sido uma boa surpresa, desde Sepúlveda a Márquez, passando até por alguns brasileiros. Larsson e Rendell foram a melhor surpresa em termos de policiais, que aprecio bastante!
O livro que mais gostei nestes últimos anos deve ter sido "A rapariga que roubava livros" de Markus Zusak! :)
E já vai longa a lista... :D
Beijocas!
Também indicaria o Monte dos Ventos Uivantes :)
ResponderEliminarOh, minha linda, mas como posso eu indicar um , dois ou três livros?!
ResponderEliminarBons sonhos.
Cá andamos às voltas com os livros.
ResponderEliminarJá começo a ter problemas para não transformar a minha casa numa biblioteca com as paredes cheias de estantes de livros.
Atravesso uma fase de ler poesia, conhecer poetas, conhecidos e menos conhecidos, ensaiar poesia livre...
Livros, livros, se calhar tenho de sossegar um pouco e ler mais...com calma.
Bj
Não consigo nomear "o livro da minha vida".De, Viagens na Minha Terra de Garrett, a Bichos de Torga,passando por A Cidade e as Serras de Eça,A Mancha Humana de Philip Roth,As Vinhas da Ira de StteinbeK,etc.Sei que cada um, em cada momento,me seduz.Kinkas
ResponderEliminarGracinhamiga
ResponderEliminarEstou de volta e maluco como sempre. Carregado de saudades de Goa e da sua excelente gente. E agoniado com o que encontro por cá: tristeza, desânimo, desgraça. E, pelos vistos, o que está para vir será pior. Amanhã é dia de homenagem aos Capitães de Abril; mas também de luto por esta enorme maldade que os criados nacionais (???) da troika nos estão a fazer. Portugal, infelizmente, é assim…
Espero por ti – como sempre.
Qjs
PS - Um só livro? Muitos!...
Começando na Enid Blyton e terminando em Eduardo Galeano... ler, para mim, tem sido uma aventura.
ResponderEliminar:)
Tenho muita dificuldade em dizer qual é ou foi o livro da minha vida...
ResponderEliminarTenho uma lista, tal como a Kinkas, à qual acrescento" Mau Tempo no Canal" de Vitorino Nemésio e "A Escola do Paraíso" de José Rodrigues Miguéis!
Mas se pensasse mais um pouco, talvez mudasse um ou dois e acrescentasse outros!
Como te disse, é difícil! :-))
Abraço