(fotografia de Francisco. Mendes)
Até os poetas, os nossos poetas, estão deprimidos com o que "eles" fizeram com o nosso Natal. (com esta frase lembrei-me daquela velha canção da saudosa Dalida "Ils ont changé ma chanson" que, na versão inglesa dizia "look what the've done to my song", lembram-se? A pobre coitada acabou por suicidar-se.) Vejam estes dois poemas inéditos que bem retratam o desencanto, a revolta, o acabrunhamento em que nos lançaram/lançámos nesta quadra que costumava ser de grande alegria, generosidade e paz interior.
Soneto Natalício
não penses não escrevas não digas nada
o tempo é de outrem tu não pertences
ao dia. vens da noite antiga e calada
vens do mundo do silêncio e do escuro
agora o Natal é isto o desprazer
turvação ruído ciência e altivez
tu calado aflito com o verbo ser
eles rindo e vendo com o que já não vês
tu não és nada neste tempo em que 
o verbo arde e de si não cura ser
tempo modo e voz nem coisa alguma
unicamente a passagem da vida rente
cortada sentes e não ser mas parecer
o Natal por aqui sem graça nenhuma
(João de Melo, in JL)
   
Não dê…
Neste natal
  
não dê dinheiro a um pobre
  
Habitua-o mal
  
Não dê comida a um pobre
  
Habitua-o mal
  
Não dê de beber a um pobre
  
Ele vai gastar tudo em vinho
  
Não dê guarida a um pobre
  
Ele gosta mesmo é de chão
  
Não dê livros a um pobre
  
Ele queima-os para se aquecer
  
Não dê carinho a um pobre
  
Ele estranha e fica nervoso
  
Não diga bom dia a um pobre
  
Dá-lhe falsas esperanças
  
Não dê saúde a um pobre
  
É uma despesa inútil
  
Se quer dar-lhe mesmo
  
alguma coisa
  
[porque enfim está no espírito de natal
  
e você é uma alma piedosa]
  
Dê-lhe porrada.
  
Vai ver que ele está habituado
  
E os pobres já sabemos como é
  
os pobres (coitados) não são
  
muito de mudança não.
  
(Rui Zink, in JL)