Devo começar por dizer que tenho toda a consideração pelo Professor Nuno Crato, importante estudioso e investigador e actual Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática e que, com este texto, não pretendo – nem a tal me atrevia – criticar as suas posições relativamente às coisas da educação.
Aí por 2006, o professor escreveu o livro “O ‘Eduquês’ em Discurso Directo – Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtiva” no qual simplesmente deita por terra as políticas e as teorias educativas que se adoptaram para o ensino básico no nosso país desde os anos 90, nomeadamente a definição dos currículos e das metas finais a partir de competências mais do que dos conteúdos, a teoria do aprender a aprender e a importância da aprendizagem centrada no aluno em detrimento centrado mais no professor. Insurge-se contra as teorias construtivistas no desenvolvimento dos currículos que apelida de românticas e atribui às novas formas de ensino-aprendizagem um carácter de laxismo, palavra que depressa se colou ao ouvidos dos portugueses que, pobres em vocabulário, a repetem sem saberem muito bem do que estão a falar.
Devo dizer também que um bom professor, daqueles que se preocupam com o facto de os seus alunos ficarem bem equipados com saberes, não estão a ver se trabalham para as competências ou para os conteúdos, ou se é por objectivos, ou se por áreas. Um bom professor trabalha organizadamente e faz os seus alunos trabalharem o máximo para aprenderem. Ponto. Eu, pelo menos, sempre fiz assim. E os meus alunos sempre “se queixaram” que era nas minhas aulas que escreviam mais e era nas minhas disciplinas que os seus dossiers ficavam mais cheios. Garanto que nas minhas aulas e com os meus alunos não havia laxismos: eles tinham que trabalhar e pronto; e não havia pontos mortos nas aulas, nem tempo para se falar disto e daquilo... Mas também não havia “maldades” nem “vingançazinhas” nas notas. Mesmo antes da escolaridade ser obrigatória para todos, quando nem todos os alunos eram obrigados a vir para a escola e em que eu “dava” muitas negativas, os alunos sabiam sempre o seu progresso ou não progresso.
E onde me parece estar a confusão é aí: na noção de escolaridade obrigatória.
Quando a escolaridade não era obrigatória, muitas das crianças e dos jovens não vinham para a escola e muitos dos que vinham, se não tinham sucesso, saíam, iam para casa ou passavam ao mundo do trabalho. Pode dizer-se que o ensino era selectivo: quem aprendia, aprendia; quem não queria ou não conseguia aprender, ia embora. E as escolas faziam a sua vida de liceus e os professores seleccionavam os alunos que aproveitavam e podiam “dar” as negativas que entendessem e comportar-se como professores de liceu. Só passavam os alunos que aprendiam os conteúdos das disciplinas e não se falava, por isso, de facilitismo.
Com o advento da escola de massas e com a obrigatoriedade de todos irem para a escola e lá se manterem até aos 15 anos, nos finais dos anos 80 e nos anos 90, esta forma de trabalhar teve de levar uma volta de 180 graus. Os alunos, quer tivessem aproveitamento ou não, deveriam manter-se na escola até aos 15 anos. Aí começaram a criar-se cursos paralelos para os alunos com menos aptidões para os saberes académicos característicos dos liceus. Os alunos portadores de deficiência que também passaram a vir para a escola e tiveram de ter, de igual modo, tratamento diferente que fosse ao encontro das suas capacidades. E aí, os que continuaram a comportar-se como “professores do liceu” porque não conseguiram ou não quiseram estudar para compreenderem a mudança, começaram a falar em facilitismo e em laxismo.
Foi e ainda é difícil fazer as pessoas compreenderem que poderemos (e deveremos, quanto a mim) fazer passar de ano um aluno que, mesmo depois de repetir duas vezes o mesmo ano, apresenta elevado número de negativas. Pois! Para que adianta obrigá-lo a repetir pela terceira vez o mesmo ano com matérias e actividades que ele já conhece e que não lhe interessam ou que não consegue aprender? Que adianta reter um aluno com 16 ou 17 anos no 9º ano só porque não teve as médias que lhe permitiriam passar? Acham que esse aluno vai voltar para a escola para repetir tudo outra vez? Não vai! Não será muito mais útil ele sair com o diploma que lhe permite ir trabalhar numa actividade que esteja ao nível das suas capacidades e até das suas apetências? E não me venham os colegas do secundário dizer: “Ah, mas esse aluno pode matricular-se no 10º ano!” Pois pode. E depois? Aí, tratem-no como professores de liceu e chumbem-no logo em Outubro! – Agora, com o alargamento da escolaridade obrigatória para os 18 anos, os “professores de liceu” vão ter de aprender a dar a tal volta de 180 graus que os outros deram e de que falei atrás.
Não podemos ter a veleidade de obrigar todos os miúdos a aprenderem todos os conteúdos de todas as disciplinas!
O Professor Nuno Crato critica a forma como os programas têm vindo a ser feitos nos últimos vinte anos e considera-os românticos e facilitistas e terá certamente a sua razão porque estudou e investigou. O que não se tolera são os pequeninos “nuno-cratos” que ainda pululam nas escolas básicas que, muitas vezes, depois de mostrarem que não sabem como se atraem os alunos para as matérias que ensinam, querem realizar as suas maldadezinhas nas notas que dão aos alunos porque estes, em vez de terem média final de 50% nos testes para passarem o ano, tiveram média nos testes de apenas 46 ou 47%...
Vai ser o bom e o bonito quando a escolaridade obrigatória chegar ao "secundário"... :-))
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Abraço