sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Justiça à portuguesa

(Podem já ter lido, mas não resisto a transcrever. Para que conste. Para que se aprecie, se discorra e se conclua o que haja a concluir.)

«Na sua mais recente função de caixote do lixo, o Conselho Superior da Magistratura veio ontem à noite circular um comunicado da Comarca de Lisboa sobre a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação, aplicada pelo juiz do Penhascoso, Carlos Alexandre, a Ricardo Salgado, quadrilheiro-mor da quadrilha de gatunos da família Espírito Santo.

Diz a Comarca de Lisboa, em defesa do justiceiro-mor do reino, que, durante o inquérito, o juiz de instrução criminal pode aplicar aos arguidos medidas de coacção diversas, ainda que mais gravosas, da medida de coacção requerida pelo agente do ministério público, titular do inquérito.

Mas a questão não é essa!

Com efeito, a questão não está em saber se o pretenso e incensado super-juiz Carlos Alexandre pode ou não aplicar medida coactiva mais grave do que aquela que lhe foi requerida pelo agente do ministério público titular do processo da quadrilha de gatunos da família Espírito Santo.

 A questão é outra, ou melhor: as questões são outras.

E a primeira questão, com verdadeiro e real interesse, é esta: sendo o gatuno-mor da família Espírito Santo suspeito, para o agente do ministério público titular do inquérito, da prática de múltiplos crimes de corrupção no sector privado, burla qualificada, fraude fiscal, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e falsificação informática, por que motivo o titular do inquérito só pediu, para medida de coacção, a extensão ao processo agora em curso do Banco Espírito Santo (BES) da medida de coacção monetária de três milhões de euros já prestada o ano passado por Ricardo Salgado, quando foi constituído arguido no processo do Caso Monte Branco?

Exacto: o que é que explica a extrema benevolência do procurador da república em relação a um gatuno que, só no caso BES, já custou ao erário público a quantia de 7,2 mil milhões de euros (três mil milhões para pagar a dívida do BES ao Banco Central Europeu, exigidos por Dragui ao Banco de Portugal na noite das facas longas e 4,2 mil milhões de euros para financiamento do Novo Banco? O que é que explica a comovente compreensão do procurador da república, titular do inquérito, que só agora, mais de um ano depois da falência fraudulenta do BES, se movimenta no sentido de arrestar as propriedades da família Espírito Santo?

(...)

 Pode ser que a procuradora-geral da república pretenda fazer passar o País por parvo, mas a verdade é que ainda não explicou às centenas de milhares de emigrantes e idosos portugueses por que é que ainda não mandou aplicar as medidas necessárias para garantir o arresto dos bens da quadrilha de gatunos Espírito Santo, a fim de que pudessem um dia vir a ser ressarcidos do roubo das suas economias de uma vida, efectuado aos balcões do BES.

 E é a mesma procuradora-geral da república que tem de vir explicar ao povo português por que é que o agente do ministério público, titular do inquérito ao BES, ainda não alargou esse inquérito ao latrocínio levado e efeito por Ricardo Salgado e seus comparsas no Grupo Espírito Santo (GES), onde estão em jogo para cima de trinta mil milhões de euros e os postos de trabalho de mais de vinte mil trabalhadores em Portugal e no mundo.

Assim como é a mesma procuradora-geral da república que terá de vir explicar urgentemente por que é que o agente do ministério público no inquérito do BES não requereu a prisão preventiva de Ricardo Salgado, depois de ter sido encontrado o armazém onde aquele arguido escondida uma extraordinária fortuna em obras de arte.

(...)

Mas a segunda questão importante, vergonhosamente ocultada pelo comunicado da Comarca de Lisboa divulgado esta noite pelo Conselho Superior da Magistratura – Conselho a que teremos de voltar um dia – não é a de saber se o juiz de instrução pode ou não aplicar uma medida de coacção mais grave do que a que lhe foi requerida pelo agente do ministério público titular do inquérito, pois é evidente que pode, mas sim a questão de saber qual o motivo por que o juiz do Penhascoso não despachou Ricardo Salgado com a medida de prisão preventiva para Évora, cadeia para onde despachou Sócrates sem dispor do mínimo indício de que Sócrates houvesse cometido um único dos crimes de cuja prática o acusa o Diário do Penhascoso, também – mas muito menos! – conhecido por Correio da Manhã.

Sim, magnífico juiz, por que é que achou fundamento bastante para aplicar a Sócrates uma medida coactiva que não tem a coragem de aplicar a Salgado?

Diga lá ao povo português: a justiça portuguesa protege ou não protege os bandidos e a direita?»

Arnaldo Matos


 
(A "prisão" onde Salgado está detido...)

10 comentários:

  1. Bandidos? Larápios? Todos muito bem protegidos, e os corretos em segundo plano. Essas mordomias prisionais temos em quantidade aqui também! Uma vergonha!!
    Abraço.

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    1. Tudo igual cá e lá, Célia. Uma vergonha sem tamanho!

      Beijinho

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  2. ~~~
    ~~ Excelente artigo!

    ~ Uma abordagem pertinente e ética...
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

    ~~~ Beijinhos. ~~~~~~~~~~~~~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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  3. Porque os indícios estarão nos respectivos processos, onde devem estar?
    Podem ser mais ou menos fortes ou terem sido conhecidos em diferentes momentos nos dois processos e os magistrados não podem falar sobre os seus processos, excepto com autorização do Conselho Superior da Magistratura...

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Um excelente texto que transmite o pensar de muitos.
    Numa ditadura os poderosos nunca são presos, nem julgados e menos ainda castigados.
    Mas numa democracia... àh, estava a esquecer que numa "democracia" há muitos primos e primos dos amigos dos primos... é assim como que uma irmandade!
    Até há o caso de um primo que se dedicou aos queijos!

    Beijos e sorrisos.

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  6. Dois pesos, duas medidas. Alguém deve uma explicação ao pais e não sou eu, nem a Graça. Suponho.

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  7. Dois pesos, duas medidas. Alguém deve uma explicação ao pais e não sou eu, nem a Graça. Suponho.

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