O Google informa-nos que passam hoje
130 anos desde o nascimento de Franz Kafka. Francamente não sabia, nem nunca
Kafka foi um dos autores de que eu gostasse ou conseguisse ler até ao fim por
emaranhado de mais, por surrealista de mais, por insólito e absurdo de mais por
sufocante de mais!
A situação que se vive no país
desde o meio da tarde de ontem, porém, é a maior homenagem que se pode fazer ao
movimento surrealista. Escrevi ontem no facebook
que o texto que o pseudo-primeiro-ministro leu ontem ao país à hora dos
telejornais nem mesmo Kafka seria capaz de o redigir. De facto, o insólito, o
absurdo, a alienação, a paranoia foram ali elevadas ao seu expoente máximo.
O método kafkiano, no entanto, e
para nosso mal, não se limitou à retórica do alienado primeiro-ministro. Infelizmente,
esse processo alastrou a toda a situação, toda a conjuntura que vivemos desde
ontem à tarde.
Senão, vejamos:
- O número dois do governo – que anteontem era número três – demite-se ontem de manhã porque diz não concordar com a nomeação da substituta do anterior número dois que se demitira no dia anterior; o presidente da República diz que não sabia de nada e faz uma declaração impenetrável sobre a forma de fazer cair o governo.
- Enquanto o povo fica a saber pelas televisões que o atual número dois pedira a demissão do governo, o presidente da República dá posse apressadamente à substituta do anterior número dois que fora a causadora da demissão do atual número dois; dessa cerimónia de que estão ausentes os restantes ministros do mesmo partido do número dois demissionário, o pseudo-primeiro-ministro entra e sai num instantinho e a visada está tão feliz que não consegue despegar da cara um sorriso completamente idiota que lhe vai de orelha a orelha.
- À hora de abertura dos telejornais, o insolitamente descarado e embusteiro primeiro-ministro faz ao país a tal declaração mais que kafkiana em que diz que foi surpreendido com o pedido de demissão do número dois que, na véspera, nada lhe terá dito contra a nomeação da rapariga do sorriso desmedido e diz que não se demite, que não abandona o país. (Suspeito, cá para mim, que o país queria era abandoná-lo a ele…)
- Logo após esta pseudo-diversão, em igual tom e quase com a mesma voz vem, sem ninguém lhe encomendar o sermão, o líder do maior partido da oposição dizer alegremente (quase tanto como naquele dia, há dois anos, em que o anterior líder daquele partido e então primeiro-ministro abandonou o partido, o governo e o país) que estava ali aos saltinhos prontinho para ser governo.
- As televisões pululam de comentadores que se multiplicam a prever cenários qual deles o mais arrevesado e o mais telúrico. Alguns canais anunciam que os restantes ministros e secretários de Estado do partido do número dois ora demissionário, devem demitir-se hoje de manhã. (Seria o mínimo que se lhes devia! Mas, quando cheguei às notícias do almoço e nada de pedidos de demissão, aí comecei a desconfiar…) Nas notícias da manhã, um elemento do partido do número dois afirmou que claro que o senhor presidente da República foi avisado em devido tempo do pedido de demissão daquele.
- O povo – essa instituição vaga e abstrata de quem tanto se fala – que andou durante meses a fazer manifestações de rua a pedir a demissão imediata do governo e até do presidente e a escrever piadas no Facebook sobre esse mesmo assunto, agora está caladinho, cheio de medo, a dizer que não havia necessidade disto, que a troika vai-se vingar em nós, que a alternativa não é credível, que os políticos são todos iguais, ah! e que lá se vai o nosso esforço e a nossa credibilidade na Europa e que assim e que assado…
- E agora, ao fim da tarde, ficamos a saber que afinal o número dois não volta, mas que está disponível para negociar com o partido do número um para manter tudo na mesma!
É ou não é o que eu digo? Nem
Kafka com a sabedoria dos seus 130 anos conseguiria escrever uma novela melhor!
Amiga Graça:
ResponderEliminarNem a mais fértil imaginação escreveria esta novela ou tragédia.
E não há fim à vista. :(
beijinho
Fê
ResponderEliminarTudo na linha do absurdo!!! :(
Beijo
Laura
Excelente texto, Graça. Parabéns. Escrevê-lo-ia, se tivesse engenho e arte para tanto. Não sendo esse o caso, subscrevo. Abraço.
ResponderEliminarMesmo sem a informação do Google tencionava escrever sobre o meu querido Franz Kafka no dia de hoje, e aproveitei a imagem do Google que está muito bem apanhada, não esquecendo mesmo a maçã que o pai atira ao pobre Gregor Samsa.
ResponderEliminarAndo também preocupada com a situação política actual no nosso país, mas continuo a dizer "o menino de Penamacor" não é uma melhor alternativa.
ResponderEliminarMuito claro e oportuno!
Kafka teria arranjado maneira de complicar :)
Um beijo
Confesso que não percebi nada...nadinha mesmo...
ResponderEliminarDe manhã sorriem e á tarde arreganham os dentes como cães danados...depois pela calada da noite cozinham novos episódios...
Então como ficamos nós...? Quem sai e quem fica...?
Jogos baixos, sem nível, nem oportunidade, nem vergonha.../...
Nojo...é o que eles me fazem sentir...
Nada do que se passou foi para mim novidade.Na minha terra diz-se " Quem com garotos se deita ca.... se levanta" GAROTADA e nós é que as pagamos.
ResponderEliminarMas que o seu texto está bem escrito , está. M.A.A.
Transmissão de pensamento:
ResponderEliminarEnquanto eu escrevia aqui um comentário; escrevias tu um comentário no meu blogue.
A situação política em Portugal é tão absurda, que o "meu" Franz Kafka mesmo que quisesse, não tinha arranjado maneira de complicar as coisas ainda mais.
Excelente texto!
ResponderEliminarGraça no FB eu disse que não acreditava no dia 3 saisse o resto da orquesta.
Uma vergonha amiga.
beijinho e uma flor
Com que então, ideias 'kafkianas' ahn?
ResponderEliminarGostei.
:)
adoro kafka
ResponderEliminare ate hoje ha um livro dele que nao consigo acabar de ler
Bjinhos
Paula
Estou convencido que esta noite Portas foi dizer ao Coelho:
ResponderEliminar" Ehpá, desculpa lá aquela cena de ontem, mas eu estava a ensaiar uma homenagem ao Kafka. Não me lembrei que sendo tu tão inculto nunca irias perceber a minha ideia. Amigos como dantes?
Excelente texto, Graça
Curioso que já comentei isso mesmo: este enredo é mesmo surrealista e kafkiano. Mas tal, como tu, não aprecio Kafka... :P
ResponderEliminarEnfim, mais dia menos dia o governo cai... de podre!
Beijocas, Graça!
Acho que esta gente endoidou mesmo!
ResponderEliminarE mais não digo porque tenho preguiça!
Abraço
Estimada Amiga Graça Sampaio,
ResponderEliminarO tal ex-jornalista não passou cavaco a Belém, e tentou mais um golpe de mágia sacando da cartola uma lebre que causou um prejuizo enorme ao tacho de Portugal.
Veremos hoje como a paródia irá continuar e se de Belém o tiro não irá sair pela culatra, já a bomba atómica essa parece não funcionar.
Abraço amigo
Não sabia deste evento. Mas que melhor homenagem o governo poderia ter feito para assinalar o aniversário do Kafka?...
ResponderEliminarOs povos das "Nações valentes", procedem como os egípcios, para a rua até à vitória final.
ResponderEliminarAqui se nos tocasse pela proa um governo da Irmandade Muçulmana, que são nem mais nem menos que Talibãs engravatados, aqui ficávamos nós caladinhos a aguentar tudo o que nos aparecesse pela proa.
Bela prosa.
Bjs
Gracinhamiga
ResponderEliminarNão posso de maneira nenhuma concordar com os comentadores que me antecedem; mas, helas também não posso discordar... Esta é uma decisão irrevogável!!! (12:21)
Juro que não o fiz, faço ou façarei, que isto fique bem claro, caros cidadões!
Mas, pensando bem, com ou sem Kafka, decidi agora mesmo que a decisão atrás apontada não sendo de modo algum irrevogável é, portantos (sem s) revogável. (12:22)
O que não quer dizer, de maneira alguma, que lá para a tarde, (12:27)pela fresquinha, ela volte a ser o que anteriormente era, ou seja irrevogável
Peço, ainda, um (breve) momento de atenção para contar una picola storia, una picolisima novella que nada tem que ver com a presente situação, obviamente.
Rememorando o que antes escrevi pelas 12:29 creio que quiçá mais logo (12:30) a conte. Mas agora mesmo (12:31) decidi que a contarei sabe Deus quando.
Qjs (12:32)
Henrique