quinta-feira, 28 de junho de 2018

Histórias da minha rua (12)



A costureira é uma jovem senhora que trabalha ali num armazém de roupas de uma loja fina de Leiria. Faz os arranjos nas roupas das clientes da loja fina e, para além disso, faz arranjos nas roupas da clientela aqui da(s) rua(s). Farta-se de trabalhar e não tem mãos a medir.

Trabalha ali sozinha e, muitas vezes, há vizinhas que se sentam lá a conversar e a fazer-lhe companhia (e a moer-lhe a cabeça com conversas da treta…).

Hoje tive de lá ir descarregar mais umas coisinhas para arranjar – que eu de costura só pregar botões e coser bainhas e já não é mau! – e ela, que é uma doçura de pessoa, pediu desculpa por não ter feito ainda as emendas noutras peças que lá tinha deixado. Que as pessoas não fazem ideia do trabalho que dá fazer uma emenda nem que se seja para apertar ou alargar uma saia ou umas calças.

Estava lá uma senhora de mais de oitenta anos de idade que se apressou a dizer que sabia bem dar o valor a esse trabalho porque, na sua juventude, trabalhara de costura, no tempo em que tudo se costurava em casa, cuecas, combinações, camisas de homem. «A primeira camisa de homem que fiz foi para o meu irmão ir às sortes, toda branquinha, toda feita por mim. Morreu na tropa na Índia.» - acrescentou com tristeza mal contida.

E, a propósito dos trabalhos desses tempos longínquos, contou como, aos sete anos, lá na serra (da Estrela) foram ela e os irmãos (depois de irem ao primeiro dia de escola nunca mais lá puseram os pés porque havia que ir trabalhar no campo – só a mais nova teve permissão para ir à escola e fez a 3ª classe) postos na serra a tomar conta das ovelhas, com aquele frio, com a neve, ela com um xaile preto pela cabeça que, quando chovia, deitava tinta preta porque era tingido… e o pai que lhe dizia que não deixasse as ovelhas saltarem para fora da cerca que o patrão cobrava-lhes vinte e cinco tostões por cada ovelha que saltasse…

E contou de como fez a sua vida sem nunca ter aprendido a ler e de como conseguia ajudar as filhas a fazer os problemas da escola: elas liam-lhos e ela fazia os cálculos de cabeça e explicava-lhes… e de como aprendeu a fazer tantas coisas. E disse-o sem saudosismos nem autocomiseração, sem aquele ar patético do bafiento culto das tradições, num tom lavado e até um tanto envaidecido.

Gostei de ouvir as suas histórias, mas não me venham nunca com aquela de que «antigamente é que era bom» - porque não era. Não era mesmo!

9 comentários:

  1. Nem sei há quantos anos não vou a uma costureira propriamente dita. Os senhores da tinturaria/lavandaria onde costumo ir é que me fazem as bainhas às calças. :)

    Também gosto de ouvir estórias de antigamente e também discordo de que o antigamente é que era bom. Pelo que ouvímos não era. Nem os jovens eram melhores que os de hoje como muitos pensam.

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  2. Mas hoje é que enchemos a boca de "resiliência"... :)

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  3. Minha querida Gracinhamiga I

    Já está na Travessa o n.º 6 da saga É DIFÍCIL VIVER COM UM IRMÃO MONGOLÓIDE que desta feita leva o título Um vândalo mentiroso e traiçoeiro. Este texto tem imagem muito difícil, não aconselhável a pessoas sensíveis.

    Voltarei depois para comentar.

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  4. Claro que "antigamente não era bom mesmo"... Temos hoje o conforto das máquinas, que com a maravilha da tecnologia, fazem tudo por nós tanto em casa, quanto nas atividades profissionais.
    Abraço.

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  5. Muito bom Ainda vou à costeira. Adorei o texto!:))

    Grandeza da lua, e do amor

    Bjos
    Votos de óptima Sexta - Feira.


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  6. Para muitos não era bom ... e basta escutar com atenção a história de quem tem uma vida preenchida de recordações e emoções!!!
    Gostei de ler...bj

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  7. Tens razão, também me irrita ouvir dizer que antigamente é que era bom, quando a vida há uns meros 50 anos era dura, difícil, por vezes impossível de viver…
    A história é lindo e está muito bem contada, Graça
    Bom fim de semana

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  8. Eu cresci com uma costureira, a minha querida Mãe!

    Durante muitos anos, quando eu trabalhava sempre ia a uma costureira para fazer as minhas roupas, mas...
    desde há 4 anos que deixei de trabalhar e, tudo acaba

    Gosto de ouvir histórias de antigamente!

    Estou bastante em falta com a visita a todos os blogues,
    até os meus faço 1 ou 2 posts por mês
    Há 4 semanas que ando mais ausente
    há 10 dias que estou com uma broncopneumonia
    que me tem dado muitos problemas
    Enfim....quero sentir-me curada o mais breve possível
    ONTEM fiz um post aqui:
    http://tempolivremundo.blogspot.com/

    Um abraço e bom fim de semana

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  9. Claro que não Graça. Só quem não conheceu as agruras desses tempos pode dizer que antigamente é que era bom.
    Abraço

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