quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Ite, missa est

 O dia ontem tornou-se muito frio. Não, não pretendo parafrasear «O dia deu em chuvoso» porque chuvoso já ele estava e bem. Só que, para além do céu de chumbo próprio de novembro, a temperatura foi descendo e, com o misto de humidade que sempre adeja aqui por Leiria, tornou-se muito desagradável. 

Eu bem sei que estive a passar a ferro uma série de camisas – que querem? sempre gostei de passar camisas de algodão! – mas, quando chamei para almoçarmos, já estava em manga curta o que não deixou de causar alguma estupefação. A que se deviam tais calores se nem somos dos afortunados que têm aquecimento central? Fácil de explicar: estive a ouvir as “alegações finais” dos deputados dos vários partidos com assento na Assembleia face ao assombroso (ou assombrado? Ou porque não ensombrado?) Orçamento de Estado para o próximo ano. 



Sempre calorosos e cheios de garra os discursos da esquerda dita extrema; pragmáticos e rigorosos os dos comunistas; o Seguro – mesmo que o pessoal do PS socrático (no qual me incluo com grande honra e sem qualquer rebuço) não goste de ouvir elogiá-lo – esteve bastante bem e chegou “forte e feio” neste “governo” que anaforicamente apelidou de incompetente. 

Depois, o centrista Telmo Correia veio defender a “sua dama” com o já estafado discurso da “fatura que estamos a pagar mercê dos gastos exagerados realizados desde 1995” – sim, porque durante a interminável governação do PSD/Cavaco, o chamado tempo das “vacas gordas” não houve gastos exagerados, nem se fizeram obras megalómanas, nem se admitiram e aumentaram funcionários públicos aos magotes, nem os empresários, melhor dito, os patrões se aviaram à grande com o dinheiro que entrava aos milhões para restruturação, reorganização da indústria e para a famigerada formação do pessoal, etc. etc., tudo coisas de que o senhor Telmo não se lembra porque ainda não era nascido…

Agora quem me fez despir o casaco de tanto rir – é verdade: rir – foi a intervenção do deputado do PSD, que desta vez não foi feita pelo verruminosamente demagógico e despudorado Luís Montenegro, mas por um qualquer senhor “bem-intencionado” de quem eu nem sabia o nome e agora sei chamar-se Pedro Pinto (ele é Pintos, Coelhos e sei lá o que mais, e nós todos aqui armados em franguinhas de aviário, valha-nos Deus!) que num tom quase paroquial e num solilóquio ali entre o epifânico e o tragicómico, engrandeceu a obra-prima que é o OE para 2013 com o qual, naturalmente, o seu partido concorda e que, depois da enumeração de todos os re que o partido maioritário do governo gosta de referir, com exceção da refundação porque essa não caiu bem, afirmou veemente que irá permitir uma reindustrialização do país, constituindo uma porta aberta para a nossa redenção como indivíduos e como país restaurando a nossa soberania. Lembrei-me das tiradas dos ministros da Igreja Universal do Reino de Deus que se contavam nas anedotas de aqui há uns anos atrás, género “Salve, Aleluia, Salve, meu Irmão!” E por isso me deu para rir.

 Por fim, a aparição do “nosso” mui bem-falante e expressivo ministro Gaspar, autor irrepreensível e contrito da obra apresentada que, depois da referência detalhada a dados mapeados da absoluta compreensão do mais comum cidadão já que todos recebemos noções de Economia e Finanças desde o jardim-de-infância, entrou no campo político-partidário tomando o tom Calimero justificando o OE versão 2013 com a “desgorvenação” nacional dos últimos cinco anos e com a malvada da recessão europeia. Mas ele acredita que lá para 2000 e tantos o país irá ressurgir, renascer! (Mais paleio IURDiano… à laia do Ite,missa est com que os padres católicos despediam os fieis quando a missa ainda era dita em latim… )

Agora imaginem o gozo quando hoje li na crónica em que Pedro Marques Lopes comentava estes mesmos discursos que precederam a aprovação do OE que «só faltou mesmo alguém gritar [na Assembleia] “Elvis está vivo!”...»

11 comentários:

  1. Tempo que não aquece nem molha, fizemo-nos inertes, parece que ficamos vazios de sentimentos... é só literatura, ninguém dá um passo em frente: nem no desespero!
    Gostei do teu gesto.
    Um grande abraço e a minha admiração

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  2. Esta tua postagem está excelente. E que sarcástica! Se o assunto tão fosse tão triste ter-me-ia rido com vontade.

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  3. Gostei da descrição daquela arengada. Bem melhor do que o reality show da TVI hoje estreado, em que a Judite e o Alberto entrevistaram um criminoso bem falante.

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  4. Obrigada, amigos Duarte, Isabel e Carlos, pelas palavras e pela compreensão. Todos compreendemos muito bem, mas nunca mais nos juntamos todos, mas todos, para pormos estes criminosos bem falantes daqui para fora!

    Que raiva! Que revolta!

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  5. Não vi nada disso: gosto de preservar o meu bom humor e estes gajos têm o condão de me enervarem. Mas já li várias cenas e realmente só deu para rir. Os deputados da maioria não acham que o OE vá salvar o país de coisa nenhuma, mas votaram a seu favor. Então para quê a declaração de voto? Para sacudirem a água do capote? Se não sabem representar o povo que os elegeu, pelo menos façam-nos o favor de ficar calados!

    Quanto a esse Telmo, o coitado deve comer muito queijo!

    Beijocas, Graça!

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  6. À noite, a entrevista ao PM, tb deu p'ra tirar a camisola...

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  7. Mais uma vez , um artigo bem escrito com o qual concordo totalmente. Só é pena não me dar para rir , pois escusava de tomar os comprimidos que já ando a tomar....e já agora , ficar com calor....aqui em Bragança , dava jeito e ajudava a baixar a factura com aquecimento. Estamos entregues a um grupelho de canalhas que vai ficar na história como tal. M.A.A.

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  8. Não vi. Já não consigo ouvi-los.:(
    bji

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  9. O que se passou? Algo relevante ou mais do mesmo?
    O Gaspar falou? E ninguém adormeceu?

    Bela crónica, Graça.
    :)

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  10. Muito bom!

    Há quem ande a tentar ressuscitar o Salazar não me admirava nada que fizessem o mesmo com o Elvis.

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