A minha mãe alugava um toldo para
os três meses de Verão. O toldo nessa época dava direto a dois banquinhos de
madeira desconfortáveis por de mais para nos sentarmos, mas que dava algum
jeito para nos encostarmos se os enterrássemos inclinados na areia. Para nós,
miúdos, serviam para, de pernas para o ar, fazermos estradas na areia e correr por
entre os toldos.
Nascida (em finais da década de
40) e criada até aos dez anos em Algés, os verões da minha meninice foram,
naturalmente, passados na praia de Algés que, naquele tempo não funcionava
ainda como esgoto de Lisboa.
Era muito divertido: a minha mãe
levava-me a mim, o meu primo M. e uma ou outra menina conhecida logo de manhã,
avenida (dos Combatentes) abaixo, cerca de um quilómetro de avenida. Passávamos
pelo cinema Stadium onde revíamos diariamente os pequenos cartazes dos filmes; esticávamo-nos todos no muro que dava para a
piscina do Algés e Dafundo – onde nunca entrámos porque a piscina era para os
crescidos e para os nadadores – atravessávamos com muitos cuidados a linha de
comboio que rescendia a pedras e a ferro sobreaquecido pelas rodas dos comboios
que passavam acelerados – e chegávamos finalmente ao areal depois de passarmos
pelas mulherzinhas dos tremoços e das pevides a quem a minha mãe, às vezes,
comprava cinco tostões de cada.
Íamos apenas de manhã porque a
tarde era para, depois do almoço e de ouvirmos o folhetim radiofónico do Tide,
fazermos a sesta – que era uma enorme seca para mim que nunca tive vocação para
dormir de dia – para ler livrinhos de histórias e fazer cópias, talhar e coser
vestidinhos para as bonecas e brincar com os gatos no quintal. É bom que se lembre que ainda não havia
televisão.
(Eu era a mais velha. Reparem bem nos maillots...) |
Eu gostava era das manhãs na
praia: já nessa altura, mesmo sem ter disso consciência, gostava de fazer “as férias do lagarto” que era estar ali
refastelada na areia a apanhar o sol. O “mar” que ali ainda é rio, (o Tejo é o
rio da minha aldeia) não tinha ondas e era tépido, qualidades que ainda hoje
fazem as minhas delícias no que toca a banhos de mar. O mais degradante eram os
banhos dados pelo banheiro. Estava incluído no preço que se pagava pelo aluguer
do toldo o banho dado pelo banheiro não sei se duas ou três vezes por semana. E
só vos digo: era horrível! Nós estávamos enfileirados à beira-mar e, a um de
cada vez o homem tapava-nos o nariz e a boca com a sua enorme manápula e
mergulhava-nos de costas. Um verdadeiro horror! Acho que é por isso que ainda
hoje não consigo pôr a cabeça debaixo de água…
(As tranças enroladas na cabeça para não se molharem...) |
(O meu primo às cambalhotas) |
Aos domingos, como a praia de
Algés ficava muito cheia, íamos à praia de Santo Amaro de Oeiras, onde uma vez
apanhei um tal escaldão nas costas – não obstante o creme Nívea que a minha mãe
tinha o cuidado de nos aplicar – que até ganhei febre e fiquei de cama! Outras vezes, íamos à
praia da Torre que era a preferida da minha mãe por ser mais aconchegadinha e
mais bonita… Carcavelos e o Estoril ficaram para os nossos primeiros anos em
Sintra – e aí, já eu era adolescente.
(Vejam como os nossos pais iam vestidos para a praia...) |
Que delícia de relato e fotos!
ResponderEliminarOlha lá, os pais, naquele tempo não chegavam a despir-se?:)
Também eu não mergulho, mas no meu caso o banheiro era o meu irmão, mais velho do que eu um ano, que insistia em mergulhar-me a cabeça na água, quando eu estava distraída.:))
mil beijinhos
Obrigada, Nina! Grande parte dos adultos não se punha em fato de banho. Isso era mais para a alta burguesia nos Estoris....
ResponderEliminarBeijo.
O que lhe posso dizer, é que me transportou para a minha prai de infância que também foi vivida assim.
ResponderEliminarA diferença é que nessa praia não havia toldos, mas sim barracas eu não gostava ( e ainda hoje não gosto) de ficar a tostar ao sol. Preferia jogar à sameira, depois de ter feito a pista com as cadeiras, claro...
Mais ou menos assim mas na Nazaré onde havia uns bancos especiais de encosto!
ResponderEliminarEra apenas um mês de férias e já era muito!
O banheiro da família era para mim um terror!
Ainda hoje não suporto ver crianças a serem "obrigadas" a entrar na água! :-((
Bela memória de infância!
Abraço
Ai que eu já não me lembrava dos toldos nem dos bancos! Apesar da minha família preferir a barraquinha, na pria de Stº Amaro de Oeiras! O banho do banheiro já não apanhei. E os fotógrafos à la minute??
ResponderEliminarTambém, Scarlet! Andavam pela praia com o seu instrumento fotográfico com tripé, um pano de flanea preto onde metiam a cabeça para nos fotografarem e um balde de zinco com água onde lavavam as fotografias que revelavam não sei como. Que salto técnico em 50 anos! E ainda nos queixamos...
ResponderEliminarTão delicioso o relato como as fotografias. Aqui, no norte, era na Póvoa de Varzim que tudo acontecia. Os jogos de volei, com irmãos e primos, horas a fio, é do que mais me lembro, disso e das corridas a nado até ao "pipo". No nosso caso a praia incluia a mudança de casa, já que Braga, onde morava e moro, não tem cheiro a maresia. Década de 60. Os fatos de banho ainda tinham a sua graça. :)
ResponderEliminarUm beijo
Continuo teu leitor assiduo.
ResponderEliminarDescrição feita por quem sabe do ofício.
O meu comentário, tem o propósito de te relembrar as famosas bolas de Berlim, por vezes ainda mornas, que comidas na praia sempre tiveram outro sabor. Aquele bolo feito de farinha fermento, água, frito, e, empregnado de óleo era imperdível.
Atrasada, mas soube-me bem ler estas vivências.
ResponderEliminarAgora vou para o post atual.
Beijo
Laura
Obrigada, meus queridos amigos, pelas vossas palavras e pela vossas/nossas recordações.
ResponderEliminarPois era, Caínhas, as bolas de Berlim... Hummmm! Ainda hoje dificilmente resisto!...
Minha querida Graça, cá estou eu para me deliciar com os teus textos! E cheguei aqui e fiquei logo extasiada: para além da magnífica descrição que fazes dos Verões da tua infância (a merecerem publicação em folha de papel...) deixas-nos aqui umas fotografias maravilhosas!! :)
ResponderEliminarE relembraste algo que eu já não me recordava: a minha mãe que hoje a caminho dos 90 anos, usa fato de banho, quando ia para a praia connosco, ficava sempre vestida, tal como mostras na tua última fotografia. De repente veio-me à memória, a minha mãe sentada recatadamente, vestida tal como a tua, a fazer croché e a falar com as outras senhoras que tal como ela não se despiam!
Obrigada por esta partilha e por este recordar maravilhoso. :)
A nossa geração foi a primeira a despir-se na praia, desde pequenas, por isso somos "muito à frente!!" ;)