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(imagem retirada da net) |
Figos incondicionalmente!
Podem acusar-me de dar o dito por
não dito porque ainda aqui há dias eu dizia maravilhas da melancia. De facto!
Mas que se há de fazer? Eu gosto de todas as frutas de Verão e de Inverno e de
sempre – desde que não sejam tropicais!
Nem queiram saber como exultei ao
ver, há anos, no belíssimo mercado de Barcelona, estes lugares de fruta tão bem
disposta…
Mas figuinhos… hummmm! Docinhos, lampos,
pretos, verdes, de pingo de mel… uma doçura! O problema é que, agora, com a mania
das calorias e das dietas, os figos caíram como que em desgraça porque os nutricionistas
puseram-se a dizer que engordam! Modas! Qualquer dia, inventam um estudo
qualquer que vai defender exatamente o contrário e aí está o pessoal –
especialmente o feminino – a comprar figos aos quilos…
Ainda me lembro bem de, em Algés,
as mulheres apregoarem naquele tom e naquela projeção de voz que só elas conseguiam: «Quem quer figos, quem quer almoçar!» «Olha
o figuinho da capa rota!» Assim como apregoavam o peixe e a fava-rica.
E nunca
vou esquecer de quando estava a fazer as provas escritas do Exame de Admissão
(esse o ministro (C)rato ainda não se lembrou de fazer ressuscitar… mas tenho a
certeza que lá chegará…) no Liceu Maria Amália, nas manhãs quentíssimas dos finais de Julho
de 58, ouvir os pregões que entravam pelos janelões do
Liceu escancarados de par em par à espera que entrasse alguma brisa fresca: «Quem quer figos, quem quer almoçar!» E
nós a fazermos o ditado e a redação e os problemas com oito contas daqueles em
que havia um tanque com não sei quantas torneiras, umas que enchiam e outras
que despejavam a não sei quantos litros à hora e depois era para acharmos o
resultado em metros cúbicos… (Será que o ministro (C)rato chegou a fazer desses
aos dez anos de idade? Não sei…)
Bom, mas hoje é para falarmos de
figos e não de (c)Ratos! Sabemos da sensualidade que adicionamos à figura dos
figos e então procurei poemas a propósito e olhem o que encontrei: um poema
belíssimo da nossa conhecida e excelente poeta/blogger Lídia Borges, de Agosto do ano
passado.
Os figos já exibem
Seus sorrisos roxos e
doces
Nos braços da
figueira
Chegam-me às mãos
dispostos
Em jeito de tentação
Sobre as folhas
recortadas
Que um dia no Éden
Foram as vestes de
Adão
Carnudos e suculentos
Quando libertos da
pele
São pura sedução
Uma carícia na boca
Um gordo pingo de mel
Pecaminoso
Tão bom!
E outro, imenso mas imensamente bom
do escritor mal-amado D. H. Lawrence, numa tradução excelente de Herberto
Hélder.
A maneira correcta de comer um figo à mesa
É parti-Io em quatro, pegando no
pedúnculo,
E abri-Io para dele fazer uma flor de mel,
brilhante, rósea, húmida,
desabrochada em quatro espessas pétalas.
Depois põe-se de lado a casca
Que é como um cálice quadrissépalo,
E colhe-se a flor com os lábios.
Mas a maneira vulgar
É pôr a boca na fenda, e de um sorvo só
aspirar toda a carne.
Cada fruta tem o seu segredo.
O figo é uma fruta muito secreta.
Quando se vê como desponta direito,
sente-se logo que é simbólico:
Parece masculino.
Mas quando se conhece melhor, pensa-se
como os romanos que é
uma fruta feminina.
Os italianos apelidam de figo os órgãos
sexuais da fêmea:
A fenda, o yoni,
Magnífica via húmida que conduz ao centro.
Enredada,
Inflectida,
Florescendo toda para dentro com suas
fibras matriciais;
Com um orifício apenas.
O figo, a ferradura, a flor da abóbora.
Símbolos.
Era uma flor que brotava para dentro, para
a matriz;
Agora é uma fruta, a matriz madura.
Foi sempre um segredo.
E assim deveria ser, a fêmea deveria
manter-se para sempre
secreta.
Nunca foi evidente, expandida num galho
Como outras flores, numa revelação de
pétalas;
Rosa-prateado das flores do pessegueiro,
verde vidraria veneziana
das flores da nespereira e da sorveira,
Taças de vinho pouco profundas em curtos
caules túmidos,
Clara promessa do paraíso:
Ao espinheiro florido! À Revelação!
A corajosa, a aventurosa rosácea.
Dobrado sobre si mesmo, indizível segredo,
A seiva leitosa que coalha o leite quando
se faz a ricotta,
Seiva tão estranhamente impregnando os
dedos que afugenta as
próprias cabras;
Dobrado sobre si mesmo, velado como uma
mulher muçulmana,
A nudez oculta, a floração para sempre
invisível,
Apenas uma estreita via de acesso,
cortinas corridas diante da luz;
Figo, fruta do mistério feminino,
escondida e intima,
Fruta do Mediterrâneo com tua nudez
coberta,
Onde tudo se passa no invisível, floração
e fecundação, e maturação
Na intimidade mais profunda, que nenhuns
olhos conseguem
devassar
Antes que tudo acabe, e demasiado madura
te abras entregando
a
alma.
Até que a gota da maturidade exsude,
E o ano chegue ao fim.
O figo guardou muito tempo o seu segredo.
Então abre-se e vê-se o escarlate através
da fenda.
E o figo está completo, fechou-se o ano.
Assim morre o figo, revelando o carmesim
através da fenda púrpura
Como uma ferida, a exposição do segredo à
luz do dia.
Como uma prostituta, a fruta aberta mostra
o segredo.
Assim também morrem as mulheres.
Demasiado maduro, esgotou-se o ano,
O ano das nossas mulheres.
Demasiado maduro, esgotou-se o ano das
nossas mulheres.
Foi desvendado o segredo.
E em breve tudo estará podre.
Demasiado maduro, esgotou-se o ano das
nossas mulheres.
Quando no seu espírito Eva soube que
estava nua
Coseu folhas de figueira para si e para o
homem.
Sempre estivera nua,
Mas nunca se importara com isso antes da
maçã da ciência.
Soube-o no seu espírito, e coseu folhas de
figueira.
E desde então as mulheres não pararam de
coser.
Agora bordam, não para esconder, mas para
adornar o figo aberto.
Têm agora mais que nunca a sua nudez no
espírito,
E não hão-de nunca deixar que o
esqueçamos.
Agora, o segredo
Tornou-se uma afirmação através dos lábios
húmidos e escarlates
Que riem perante a indignação do Senhor.
Pois quê, bom Deus! gritam as mulheres.
Muito tempo guardámos o nosso segredo.
Somos um figo maduro.
Deixa-nos abrir em afirmação.
Elas esquecem que os figos maduros não se
ocultam.
Os figos maduros não se ocultam.
Figos branco-mel do Norte, negros figos de
entranhas escarlates do Sul.
Os figos maduros não se ocultam, não se
ocultam sob nenhum clima.
Que fazer então quando todas as mulheres
do mundo se abrirem na
sua afirmação?
Quando os figos abertos se não ocultarem?
in “As Magias”
versão de Herberto Hélder