Acabei de ler um excelente livro de uma autora portuguesa. E, como de costume, quando chego à última página de um bom romance, volto ás primeiras páginas para relembrar como começou a narrativa.
Esta começou assim:
«O rio Douro não teve cantores.
Teve-os os Mondego e o Tejo também. Mas, para além das cristas do Marão, em vez
do alaúde e da guitarra havia o repique dos sinos ou o seu dobrar espaçado. Havia
o tiro certeiro dos caçadores de perdiz, lá pelas bandas da Muxagata e do
Cachão da Valeira. E o clarim das guerrilhas ouvia-se através da poeira de neve
que cobria os barrancos de Sabroso. O rio Douro ficou banido da lírica
portuguesa com a sua catadura feroz pouco própria para animar os gorjeios dos
bernardins, que são sempre lamurientos e que à beira de água lavam os pés e os
pecados. E, no entanto, trata-se de um rio majestoso como não há outro. Eu vi-o
em Zamora e não o reconheci; diz-se que as suas margens eram carregadas de
pinheiros e daí o seu nome dum que
quer dizer madeira. Mas entra em Portugal à má cara. Enovela o caudal sobre
penhascos, muge e ressopra como um touro com molhelha de couro preto a subir
uma calçada. Não creio que os poetas o habitem; e, no entanto, Dante tê-lo-ia
amado e preferido; como preferiu os estaleiros incandescentes de Veneza e os
túmulos abertos das arenas de Arles, para descrever o inferno. Por cá, são
brandas as liras; com o aguilhão da fome, às vezes saltam umas revoltas que
vibram na Calíope alguma bordoada. Com o ferrão do amor, não se cometem senão
delitos em forma de soneto ou de sextilhas. Epopeias são raras, as musas são
mimosas e não ardentes.»
Agustina Bessa-Luís.
ResponderEliminarAbraço
Um belíssimo trecho de FANNY OWEN, que até está traduzido em alemão ‼‼‼
ResponderEliminarTambém cheguei à conclusão que era um romance de ABL através do Google.
ResponderEliminarNão sei de que livro falas, mas, como não pesquisei, e pelo que li, ou foi Miguel Torga, ou Agustina Bessa-Luís.
ResponderEliminarFolgo em saber que estás a descansar, na companhia do mar e de boa literatura, Gracinha.
Estou de fugida, voltarei mais logo.
Beijinhos e continuação de boas férias.
Para já não faço ideia, gosto de desafios literários e vou procurar pistas nos comentários que antecedem...
ResponderEliminarPensei que poderia ser a Agustina por se falar do Douro e por ter morrido recentemente
ResponderEliminarMas que cultos são os meus amigos!!!! É, de facto, o início do romance Fanny Owen, de Agustina Bessa-Luís, romance que deu origem ao filme Francisca de Manoel de Oliveira.
ResponderEliminarExcelente narrativa. Excelente escrita!
Obrigada pelo vosso interesse.
Beijinhos literários...
A minha mãe dizia que "Francisca" era um dos filmes mais tediosos que ela viu na sua vida. Eu gostei!
EliminarEmbora eu compreenda a zanga da AGUSTINA BESSA-LUÍS com o Manoel de Oliveira por causa deste filme. O fabuloso romance está um pouco danificado no filme.
Não vi o filme. Do Manoel de Oliveira vi o Amor de Perdição e... chegou.... :)
EliminarDiria Agustina Bessa Luís ! :)
ResponderEliminarE dirias muito bem!
EliminarBoas leituras!
ResponderEliminarLídia
Faz-se o que se pode, Lídia.
EliminarBeijinho.
Está mais que respondido.
ResponderEliminarBeijinhos, bfds
E bem respondido!
EliminarLi-o há muito...e já não me lembrava do início.
ResponderEliminarNão vi o filme.
O F. quando passava por um canal com um filme muito lento e quase sem palavras dizia.
- Ou é francês ou do Manuel de Oliveira!
:)
Abraço
A minha mãe dizia a mesma coisa‼‼‼‼
EliminarEnquanto, que eu adoro todos os filmes de Manoel de Oliveira 💙
Como eu o compreendo!!! :)
EliminarUma bom livro é sempre uma viagem. Este livro da Agustina é maravilhoso.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
Obrigada, Graça.
EliminarBeijinho.
o "Reino Maravilhoso" . conhecê-lo é amá-lo!
ResponderEliminarbeijo
E, de facto!
EliminarBeijinho.
Cheguei tarde, mas recordei o livro lido há muito, e de que muito gostei!
ResponderEliminarObrigada por teres chegado...
EliminarBeijinho.