segunda-feira, 24 de setembro de 2012

No Coração do Império


Gosto especialmente de romances históricos. Os primeiros que li foram mesmo os do grande mestre Alexandre Herculano que me encantaram. 

O último que li e verdadeiramente me maravilhou foi, como já aqui disse, As Luzes de Leonor da poetisa Maria Teresa Horta. 


Com o boom de publicação de livros a que temos assistido nos últimos anos, também os romances históricos têm proliferado. O pior é saber escolher entre o que é boa literatura e escrita corrente. Li o Equador de Miguel Sousa Tavares de que gostei imenso não obstante a(s) polémica(s) qua causou. Li as histórias de algumas rainhas de Portugal da autoria de Isabel Stilwell que me agradaram apesar de não poderem ser consideradas verdadeiras obras de arte. E outros li mais ou menos apelativos, mais ou menos interessantes.

Este verão vi no jornal o anúncio de um novo romance histórico, No coração do Império que, dizia a respetiva crítica, abordava o terramoto que assolou Lisboa em 1531 no tempo do rei D. João III «baseado em factos reais que revela[va] pormenores de um dos maiores acontecimentos da nossa História». E eu, que pouco sabia sobre aquele terramoto que matou cerca de 30 mil pessoas e também seriamente influenciada pela forma avassaladora como Miguel Real descrevera o terramoto de 1755 no seu extraordinário livro A voz da Terra, recortei a crítica do jornal e lá me dirigi à livraria a comprar o novo romance. 

Deceção! Trata-se de um novela – que poderia ser uma telenovela – sobre os amores de uma escrava negra do Congo, muito boazinha, arrancada violentamente à família e transportada em duas páginas no porão de um daqueles inenarráveis navios negreiros até Lisboa que, na corte da rainha D. Catarina, esposa de D. João III, tem a sorte de ser mandada estudar a língua portuguesa (que também aprende em duas ou três páginas) e se apaixona pelo gramático que tomava conta da biblioteca da rainha, apaixonando-se ele, de igual modo, por ela. 

A descrição do terramoto aparece apenas para lá de mais de metade do livro e ocupa apenas um capítulo que corresponde a cerca de dez páginas. Talvez seja a parte menos má do romance. E, enquanto os primeiros anos de vida e de apaixonamento da escrava em Lisboa se derramam por metade do livro, (130 páginas mais ou menos) é nas restantes 60 ou 70 páginas após o terramoto que se desenrolam anos e anos de vida da escrava e da realeza, sucedendo-se em breves parágrafos os nascimentos e as mortes dos vários infantes reais e a morte do próprio rei, alternados, com o mesmo grau de importância, com os dias, os humores, as doenças, os encontros amorosos da escrava bem como as invejas que ela despertava em outras moças da corte.

Outro traço absolutamente dececionante é a linguagem usada em toda a narrativa. Não se exigiria que a autora dominasse e utilizasse a linguagem e todo o vocabulário falado no tempo de D. João III, mas pôr a escrava a dialogar com a camareira da rainha, sua dona, no mesmo tom com que fala com os escravos seus amigos, não deixa transparecer grande cuidado na preparação da criação do romance! E olhem que até a antipática e anódina «assertividade» que os americanos criaram há meia dúzia de anos no âmbito da  gestão dos recursos humanos e que nós, parolos, logo adotámos, aparece, prazenteira, na corte portuguesa do século XVI!

11 comentários:

  1. O que vai para a minha lista de compras é certamente "As luzes de Leonor" :)

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  2. Ahahah, acontece! Há prái muito livro que nunca deveria ver a luz do dia, mas pronto...

    Atenção que não tenho nada contra os romances, de cordel ou outros, mas vender um livro como histórico quando é uma novela mal amanhada... tem limite! :)

    Beijocas!

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  3. Parece-me que do romance, o melhor é a tua crítica. :))

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  4. Posso assinar tudo quanto dizes , menos quando falas do recente livro de Teresa Horta, que me ofereceram agora pelo meu aniversário - mas que não comecei a ler, por estar a let "Até ao fim da Terra", do judeu David Grossman.

    Do que analisas, está fora de questão atendendo às tuas impressões.

    Uma semana com boas leituras, Gracinha

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  5. Também tenho certa sensibilidade por esse tipo de leitura. Acabo de ler VIRIATO, Iberia contra Roma, de
    João Aguiar. Um excelente relato em formato romance histórico deste grande chefe Lusitano: os seus amores, aventuras, batalhas e conquistas... uma delicia!
    Um abraço bem grande

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  6. Pode-se saber se a Graça leu, linha a linha, aquele calhamaço da Maria Teresa Horta? Já o tive nas mãos e fiquei indeciso, se terei disposição para me envolver com mais um livro tão volumoso!

    Deve ser preguicite. Espero que seja só uma crise passageira!

    De modo que vou continuar com a poesia.
    E que tal Herberto Helder?

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  7. Herberto Helder é muito difícil... mas gosto de o ler.

    Quando à Luzes de Leonor, garanto que li as linhas todas e gostava que o romance continuasse até à morte de Leonor, coisa que não acontece.

    Duarte amigo, parece-me que li todos os romances de João Aguiar e são muito, muito bons!

    Obrigada a todos por acreditarem na minha "crítica".

    Beijos

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  8. O que lemos na contracapa nem sempre corresponde ao interior.
    Uma compra a não fazer;)

    beijinhos amiga Graça

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