domingo, 24 de junho de 2012

24. Uma fruta de Verão


(imagem retirada da net)


Figos incondicionalmente! 

Podem acusar-me de dar o dito por não dito porque ainda aqui há dias eu dizia maravilhas da melancia. De facto! Mas que se há de fazer? Eu gosto de todas as frutas de Verão e de Inverno e de sempre – desde que não sejam tropicais!

Nem queiram saber como exultei ao ver, há anos, no belíssimo mercado de Barcelona, estes lugares de fruta tão bem disposta…




Mas figuinhos… hummmm! Docinhos, lampos, pretos, verdes, de pingo de mel… uma doçura! O problema é que, agora, com a mania das calorias e das dietas, os figos caíram como que em desgraça porque os nutricionistas puseram-se a dizer que engordam! Modas! Qualquer dia, inventam um estudo qualquer que vai defender exatamente o contrário e aí está o pessoal – especialmente o feminino – a comprar figos aos quilos…


(daqui)

 Ainda me lembro bem de, em Algés, as mulheres apregoarem naquele tom e naquela projeção de voz que só elas conseguiam: «Quem quer figos, quem quer almoçar!» «Olha o figuinho da capa rota!» Assim como apregoavam o peixe e a fava-rica. 

E nunca vou esquecer de quando estava a fazer as provas escritas do Exame de Admissão (esse o ministro (C)rato ainda não se lembrou de fazer ressuscitar… mas tenho a certeza que lá chegará…) no Liceu Maria Amália, nas manhãs quentíssimas dos finais de Julho de 58, ouvir os pregões que entravam pelos janelões do Liceu escancarados de par em par à espera que entrasse alguma brisa fresca: «Quem quer figos, quem quer almoçar!» E nós a fazermos o ditado e a redação e os problemas com oito contas daqueles em que havia um tanque com não sei quantas torneiras, umas que enchiam e outras que despejavam a não sei quantos litros à hora e depois era para acharmos o resultado em metros cúbicos… (Será que o ministro (C)rato chegou a fazer desses aos dez anos de idade? Não sei…)

Bom, mas hoje é para falarmos de figos e não de (c)Ratos! Sabemos da sensualidade que adicionamos à figura dos figos e então procurei poemas a propósito e olhem o que encontrei: um poema belíssimo da nossa conhecida e excelente poeta/blogger Lídia Borges, de Agosto do ano passado. 

 
Os figos já exibem
Seus sorrisos roxos e doces
Nos braços da figueira

Chegam-me às mãos dispostos
Em jeito de tentação
Sobre as folhas recortadas
Que um dia no Éden
Foram as vestes de Adão

Carnudos e suculentos
Quando libertos da pele
São pura sedução
Uma carícia na boca
Um gordo pingo de mel
Pecaminoso

Tão bom!


E outro, imenso mas imensamente bom do escritor mal-amado D. H. Lawrence, numa tradução excelente de Herberto Hélder.

 
A maneira correcta de comer um figo à mesa
É parti-Io em quatro, pegando no pedúnculo,
E abri-Io para dele fazer uma flor de mel, brilhante, rósea, húmida,
        desabrochada em quatro espessas pétalas.

Depois põe-se de lado a casca
Que é como um cálice quadrissépalo,
E colhe-se a flor com os lábios.

Mas a maneira vulgar
É pôr a boca na fenda, e de um sorvo só aspirar toda a carne.

Cada fruta tem o seu segredo.
O figo é uma fruta muito secreta.
Quando se vê como desponta direito, sente-se logo que é simbólico:
Parece masculino.
Mas quando se conhece melhor, pensa-se como os romanos que é
       uma fruta feminina.

Os italianos apelidam de figo os órgãos sexuais da fêmea:
A fenda, o yoni,
Magnífica via húmida que conduz ao centro.
Enredada,
Inflectida,
Florescendo toda para dentro com suas fibras matriciais;
Com um orifício apenas.

O figo, a ferradura, a flor da abóbora.
Símbolos.

Era uma flor que brotava para dentro, para a matriz;
Agora é uma fruta, a matriz madura.

Foi sempre um segredo.
E assim deveria ser, a fêmea deveria manter-se para sempre
     secreta.

Nunca foi evidente, expandida num galho
Como outras flores, numa revelação de pétalas;
Rosa-prateado das flores do pessegueiro, verde vidraria veneziana
    das flores da nespereira e da sorveira,
Taças de vinho pouco profundas em curtos caules túmidos,
Clara promessa do paraíso:
Ao espinheiro florido! À Revelação!
A corajosa, a aventurosa rosácea.

Dobrado sobre si mesmo, indizível segredo,
A seiva leitosa que coalha o leite quando se faz a ricotta,
Seiva tão estranhamente impregnando os dedos que afugenta as
   próprias cabras;
Dobrado sobre si mesmo, velado como uma mulher muçulmana,
A nudez oculta, a floração para sempre invisível,

Apenas uma estreita via de acesso, cortinas corridas diante da luz;
Figo, fruta do mistério feminino, escondida e intima,
Fruta do Mediterrâneo com tua nudez coberta,
Onde tudo se passa no invisível, floração e fecundação, e maturação
Na intimidade mais profunda, que nenhuns olhos conseguem
 devassar
Antes que tudo acabe, e demasiado madura te abras entregando
   a alma.

Até que a gota da maturidade exsude,
E o ano chegue ao fim.

O figo guardou muito tempo o seu segredo.
Então abre-se e vê-se o escarlate através da fenda.
E o figo está completo, fechou-se o ano.

Assim morre o figo, revelando o carmesim através da fenda púrpura
Como uma ferida, a exposição do segredo à luz do dia.
Como uma prostituta, a fruta aberta mostra o segredo.

Assim também morrem as mulheres.
 
Demasiado maduro, esgotou-se o ano,
O ano das nossas mulheres.
Demasiado maduro, esgotou-se o ano das nossas mulheres.
Foi desvendado o segredo.
E em breve tudo estará podre.

Demasiado maduro, esgotou-se o ano das nossas mulheres.


Quando no seu espírito Eva soube que estava nua
Coseu folhas de figueira para si e para o homem.
Sempre estivera nua,
Mas nunca se importara com isso antes da maçã da ciência.


Soube-o no seu espírito, e coseu folhas de figueira.
E desde então as mulheres não pararam de coser.
Agora bordam, não para esconder, mas para adornar o figo aberto.

Têm agora mais que nunca a sua nudez no espírito,
E não hão-de nunca deixar que o esqueçamos.

Agora, o segredo
Tornou-se uma afirmação através dos lábios húmidos e escarlates
Que riem perante a indignação do Senhor.

Pois quê, bom Deus! gritam as mulheres.
Muito tempo guardámos o nosso segredo.
Somos um figo maduro.
Deixa-nos abrir em afirmação.

Elas esquecem que os figos maduros não se ocultam.
Os figos maduros não se ocultam.
Figos branco-mel do Norte, negros figos de entranhas escarlates do Sul.
Os figos maduros não se ocultam, não se ocultam sob nenhum clima.
Que fazer então quando todas as mulheres do mundo se abrirem na
     sua afirmação?
Quando os figos abertos se não ocultarem?


in “As Magias”
versão de Herberto Hélder

11 comentários:

  1. Cara Graça Sampaio
    Quantas recordações, quanta beleza na forma, na história e tão bem complementada com a poesia.
    Acho que só esqueceu aquela parte em que sendo verdes os figos faziam-nos rebentar os lábios.
    A propósito, não me lembro da ultima vez que os comi. Vou tratar disso porque me abriu o apetite.
    Um beijo
    Rodrigo

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  2. Graça
    Espectáculo este teu texto!
    Adorei ler e fez-me crescer água na boca, já tenho saudades de apanhar os figos e come-los debaixo da figueira, costumo fazer isso na altura deles nas figueiras das minhas cunhadas.
    Bom resto de Domingo.

    Beijinho e uma flor

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  3. Até eu, que só ligo aos figos na figueira (aí , sabe-me bem comê-los) fiquei de água na boca a amaldiçoar os morangos que tinha à minha frente (um dos meus frutos preferidos!) ao ler o teu belíssimo post!
    Tu queres é que eu engorde (ainda mais), certo?
    Beijocas e viva os pingo mel, os favoritos da minha avó!

    beijocas

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  4. Hummmm... adoro frutas! Todas! Mas, realmente o "figo" é delicioso! Ao natural ou em compota pode deixar comigo que os devoro!
    [] Célia.

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  5. Ia eu, linhas fora, deliciada com os sabores e os odores, quando tropeço num texto que não me pareceu nada estranho.:)
    Mas o outro, na versão de Herberto Helder, vem vestido de verão: maduro, quente e doce

    Um beijo

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  6. Os frutos são como os anjos: não têm sexo. :)) Mas para mim, os figos, são masculino.


    Lídia

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  7. Adoro figos e tenho a sorte de comer bastantes quando vou ao Algarve à terra do meu marido.
    Adorei os poemas :)
    Agora abriu-me o apetite :)

    beijinhos e boa semana

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  8. Que vontade de comer figos neste momento! : )

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  9. Também adoro figos! E quase todas as frutas de verão, sendo que das tropicais nem por isso!

    Mas duvido que a malta compre muitos figos, mesmo que os nutricionistas mudem de ideias - este ano estão caríssimos! ;)

    Beijocas!

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  10. Estimada Amiga Graça Sampaio,
    Adorei seu belo texto e me fez recordar as figueiras que havia no jardim de minha tia, onde eu ia apanhar, à sucapa alguns belos figos.
    Aqui em Macau existem algumas figueiras, mas não existem figos à venda, existem sim figos secos que são usados na medicina tradicional chinesa.
    Através do figo e das suas folhas se faz um óptimo xarope que é vendido em Macau.
    Aqui as frutas tropicais são rainhas, exiete uma vasta gama de frutos maravilhosos, não faltando como é obvio os frutos que Portugal possue, mas são caros.
    Adorei os poemas.
    Abraço amigo

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  11. Então ficou toda a gente a desejar fogos, hein? Muito bem! Quer dizer que fui suficientemente convincente...

    Obrigada, Lídia, por ter cá vindo falar do que lhe sugerem os figos - e obrigada pelo eu poema tão sensual...

    Queridos Flor e Folha seca, agradeço muito as vossas palavras tão queridas! Se bem que muito exageradas...

    Beijinhos para todos os amantes de figos.

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