sábado, 31 de março de 2018

A Vitória de Samotrácia

Nunca soube descrever a sensação de encantamento que tive, quando visitei o Louvre, ao subir aquela escadaria e dar com aquele espanto que é a estátua alada da Vitória de Samotrácia (à deusa grega  Niké, - que, em grego, significa vitória)

Foi do melhor que vi naquele museu.

Encontrei hoje este extraordinário poema de Ana Luísa Amaral em louvor à minha diva - quase tão espantoso como a escultura - que passo a transcrever.


A VITÓRIA DE SAMOTRÁCIA

Se eu deixasse de escrever poemas em
tom condicional, e o tom de conclusão
passasse a solução mais que perfeita,
seria quase igual à Samotrácia.

Cabeça ausente, mas curva bem lançada
do corpo da prosódia em direção ao sul,
mediterrânica, jubilosa, ardente, leopardo
musical e geometria contaminada
por algum navio. A linha de horizonte:

qualquer linha, por onde os astros morressem
e nascessem, outra feita e fio de fino aço,
e outra ainda onde o teu rosto me contemplasse
ao longe, e me sorrisse sem condição que fosse.

Ter várias formas as linhas do amor: não viver
só de mar ou de planície, nem embalada
em fogo. Que diriam então ou que dirias?

O corpo da prosódia transformado em
corpo de verdade, as pregas do poema,
agora pregas de um vestido longo, tapando
levemente o joelho e tornozelo. E não de pedra,
nunca já de pedra. Mas de carne e com
asas —

(Ana Luísa Amaral;« Vozes», Dom Quixote, 2011)


(fotografia de F. Mendes)
(in wikipedia)

quinta-feira, 29 de março de 2018

Os Ovos Fabergé

Em 1855, o Czar Alexandre III, em comemoração da Páscoa, pediu ao joalheiro Peter Karl Fabergé, que fizesse uma joia em forma de ovo para presentear a esposa, a czarina Maria Feodorovna. A tradição russa de trocar ovos de galinha decorados na Páscoa é comum aos cristãos ortodoxos. Inspirado na decoração milenar dos ovos, Fabergé e os seus artesãos criaram uma joia única, de rara beleza, que viria a ser o primeiro ovo imperial. A joia parecia um pequeno ovo, lavrado em ouro e platina, esmaltado, e, ao ser aberto, apresentava uma gema de ouro, que dentro trazia uma miniatura em forma de galinha, com olhos de rubi e uma réplica em diamante da coroa imperial.



Assim nasceu a tradição dos ovos imperiais Fabergé, verdadeiras obras de arte da joalharia universal, peças únicas de uma beleza incrível e de valor exorbitante.

Os ovos Fabergé foram todos criados para os czares Alexandre III e Nicolau II, pai e filho respetivamente, no período entre 1885 e 1917, sendo oferecidos durante a Páscoa entre os membros da família real. As joias representam o último esplendor da dinastia czarista, então já decadente.


Coroação, 1897

Ano após ano, Fabergé e os seus artesãos surpreendiam com obras únicas com motivos temáticos inesgotáveis de genial criatividade e talento. Os ovos Fabergé passaram a ser cobiçados por toda a corte czarista.

Pedro, O Grande, 1903

Os ovos imperiais Fabergé, foram mostrados ao mundo, pela primeira vez, em 1900, na Exposição Universal de Paris. A exuberância e beleza das joias fascinaram os europeus, fazendo com que as joias Fabergé alcançassem prestígio e fama por todo o continente.

Palácio de Alexandre, 1908


Com a Revolução Russa, de 1917, Fabergé exilou-se na Suíça. Após os conflitos revolucionários, os cobiçados ovos foram expropriados à família imperial, alguns foram perdidos durante as pilhagens aos palácios.


Fabergé

Estimativas históricas registam que, entre 1885 e 1917, 56 ovos imperiais Fabergé teriam sido confecionados. No fim do século XX, até 1998, 44 exemplares tinham sido localizados
Decorridas muitas décadas sobre a Revolução Russa, os ovos Fabergé passaram a fazer parte do imaginário, dos mistérios e lendas que foram criados em torno dos malogrados Romanov. Não só a beleza estética das peças, como o significado histórico que representam e a tragédia que permeiam misticamente, fizeram dos ovos imperiais tesouros exorbitantemente valiosos, disputados por colecionadores de todo o mundo.

(Para saber mais:)












Enquanto admiram estas preciosas obras de arte, entretenham-se a debicar uns ovinhos de chocolate - dos verdadeiros...




quarta-feira, 28 de março de 2018

Crying Time

De facto o astral está um pouco em baixo, talvez por isso me tenha lembrado desta canção das minhas preferidas de sempre.

Sempre me deixei fascinar pelas canções de «fim do amor» - traumas de juventude...

Se puderem, relembrem e apreciem a melodia e a voz.




terça-feira, 27 de março de 2018

António Ribeiro Chiado

Hoje é dia de celebrar o Teatro. Já é assim desde 1961. - dia criado pelo Instituto Internacional do Teatro, em França.

Pois hoje trago aqui um excerto de uma peça do nosso Chiado, poeta e dramaturgo satírico contemporâneo de Camões, nascido em Évora por volta de 1520 tendo-se mudado para Lisboa, onde fez uma vida de boémio e onde morreu em 1591.

Conhecendo bem os costumes populares e o calão do século XVI, flagelou e atacou todos os vícios palacianos. Segundo Teófilo Braga, António Ribeiro Chiado representou na corte, diante de D. João III, o «Auto da Natural Invenção».

Deixo-vos com um trecho bem engraçado do «Auto das Regateiras».


CASAMENTO DE BEATRIZ VARELA COM CORIGO

Noivo - Sim.

Padrinho -…Está bem:
iguais estais nas vontades.
Dai cá as mãos, e dizei assim:

- Digo eu, Beatriz Varela,
que por meu marido e amigo
recebo a vós, João Corigo.

Tomai agora a mão dela,
e dizei, como eu disser:

- Digo eu, Lourenço Corigo,
que com vontade singela
recebo a vós, Beatriz Varela,
por mulher.

Comadre - Que fazeis? Deitai-lhe o trigo.
Quis Deus que fosseis casados.
Para que são mais trapaças?
Alçai as mãos, dai-lhe graças.
Filhos, sejais bem logrados!
Ela moça, e ele moço,
bem se foram ajuntar.
Por vós se pode cantar:
Deitem o noivo ao poço,
se com a noiva não brincar.

António Ribeiro (O Chiado)
«Auto das Regateiras», excerto
In: «Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (dos Cancioneiros Medievais à Actualidade)», Selecção, prefácio e notas de NATÁLIA CORREIA



domingo, 25 de março de 2018

O Palacete Mendonça

Fiquei hoje a saber que há mais um palacete em Lisboa que está a ser recuperado e este com todo o luxo.

Que bom! Nada há que me entristeça mais do que a degradação, seja do que ou de quem for. De pessoas – naturalmente! – e também de casas. Ver casas abandonadas que, aos poucos, se vão degradando, esventrando, deixando os seus interiores à mostra, barbaramente violadas, estupidamente grafitadas, traz-me uma enorme tristeza. Quantos segredos ali se guardaram, quantas alegrias ali se viveram, quantas vidas ali se cruzaram – tudo levado pelo vento que entra livre pelas janelas partidas…

Essa não foi a sorte do Palacete Mendonça deixado há alguns anos pelo MBA da Universidade Nova e que foi adquirido para servir como sede mundial do Ismaili Imamat, liderada desde há 60 anos pelo Príncipe Aga Khan, amigo de Portugal. As obras de recuperação estão a decorrer em grande estilo segundo o projeto do arquiteto Frederico Valsassina. Tudo está a ser recuperado com o mínimo de alterações em relação ao original.

(daqui)

Procurei algumas informações sobre o edifício e fiquei a saber que foi mandado construir no início do seculo XX pelo senhor Henrique José Monteiro de Mendonça (1864-1942), proprietário da roça Boa Entrada, em S. Tomé e Príncipe.

O senhor Mendonça não se poupou a despesas, tendo contratado o arquiteto Ventura Terra, o melhor arquiteto da época (que também recuperou o Palácio de São Bento). Foram azulejos Bordallo Pinheiro, têxteis de Lyon, madeiras, pinturas e estuques do melhor que havia o estrangeiro e um jardim de três hectares. O palácio foi Prémio Valmor de Arquitetura do ano 1909.

(daqui)

Diz o arquiteto Valsassina: «É muito interessante perceber que o senhor Henrique Mendonça quando fez esta casa, vindo para Lisboa de São Tomé, com a sua mulher são-tomense, quis mostrar à sociedade que ia construir uma casa para não ser considerado um “nouveau riche”. Há sete ou oito edifícios em Lisboa, dos antigos fazendeiros, e todos primam por uma arquitetura do melhor que havia na altura, porque queriam ser admitidos na sociedade lisbonense como pessoas de fazer bem, pois eram considerados agricultores do mais rude que havia.»

Tudo muito bom e muito bonito. Mas… como viveriam as centenas de “escravos” que trabalhavam o cacau lá em São Tomé para o senhor Henrique Monteiro poder ser tão rico?









Para saber mais:


sábado, 24 de março de 2018

Estados civis

Observem e ponderem...



sexta-feira, 23 de março de 2018

Dos poetas e da poesia

O meu lado romântico atraiu-me, desde muito jovem, para o encantamento pela poesia. Passava muitas horas na velha Biblioteca de Sintra – ali bem pertinho da minha casa – a esquadrinhar velhos livros de poemas de autores conhecidos e de outros não tanto, copiando para folhas de cadernos inacabados aqueles que mais me falavam ao coração.

Gosto de ler – nunca de ouvir declamar, ou mesmo dizer – poesia. Gosto de sentir os estados de alma que lhe estão subjacentes, gosto do seu modo fragmentário, do belo encontro entre as palavras, da rutura que ela permite nas normas – sejam elas qual forem. Mas há uma coisa que os poemas têm de ter para eu os adotar – tenho de lhes apreender a beleza, seja do sentido, seja da harmonia ou da melodia das palavas. Têm de encontrar eco no mais fundo de mim. E isso não consigo sentir em muitos dos poetas atuais considerados de alto nível.

(Nem quero que me lembrem quando, na Faculdade, me obrigaram a interpretar Ezra Pound – que eu detestei, ou não entendi – e também ninguém me soube ou quis explicar…)

Hoje, na livraria, detive-me – uma vez mais – na mesa dos livros de poesia portuguesa. (Que, vá-se lá saber porquê, está posta no fundo, bem lá no fundo, na loja). Muitas obras com a poesia reunida de autores tão considerados como Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais Brandão, António Ramos Rosa, Ruy Belo, Herberto Hélder e alguns com descontos até 30 e 50%. Pus-me a ler um ou outro poema de um ou de outro autor. Tão complexos, tão longe de me cativarem…. Acabei por não ceder à tentação de trazer os Poemas de Almada Negreiros, absolutamente encantador (e sem desconto...)

Porque será que me fascinam os versos de Pessoa, de Almada, de Torga, do David Mourão-Ferreira, do Eugénio de Andrade, de Gedeão, de tantos de Sophia – já para não falar em Camões  ou até em Bernardim – e não “entro” naqueles mais contemporâneos de que falam os atuais críticos nas revistas literárias?

Penso que a poesia – como tantas outras artes e outras dimensões do conhecimento e do cometimento humanos – é entendida e aceite nos corações passados muitos anos sobre a sua realização.

Por mim, já não vou ter tempo de entender, de aceitar no meu íntimo, a poesia daqueles que (re)vi hoje na livraria e que não se me agarraram aos dedos.





quarta-feira, 21 de março de 2018

Viva a Poesia!

Para saudar a Poesia, já que hoje é o dia dela, deixo aqui um belo poema do saudoso Manuel António Pina, que assim a define:

Poesia, saudade da prosa;
escrevia "tu", escrevia "rosa";
mas nada me pertencia,

nem o mundo lá fora
nem a memória,
o que ignorava o que sabia.

E se regressava
pelo mesmo caminho
não encontrava

senão palavras
e lugares vazios:
símbolos, metáforas,

o rio não era rio
nem corria e a própria morte
era um problema de estilo.

Onde é que eu já lera
o que sentia, até a
minha alheia melancolia?




terça-feira, 20 de março de 2018

Fado primavera

À procura de um poema à Primavera - menina de algumas horas apenas - no livro de David Mourão-Ferreira, fui dar com esta beleza triste que só faz jus à doce e alegre estação que agora se inicia por nos ser "lido" por vozes tão frescas  como estas que aqui vos deixo.

Depois digam-me das vossas preferências. Eu tenho a minha...







segunda-feira, 19 de março de 2018

Hino à ironia ou do jornalismo que temos

Sei bem que alguns dos amigos que aqui passam não gostam muito que comente sobre questões político-partidárias.

Atendendo, porém, a que este é um blog do estilo «web-log», à maneira dos “diários de bordo” e porque a comunicação social hoje acreditada no nosso país teima em mostrar diariamente e minuto a minuto como os portugueses são mal tratados pelas instâncias governamentais – coisa que não acontecia no tempo do governo anterior! – não resisti a transcrever este texto que li hoje na página do facebook do meu amigo Carlos Esperança e que é, de facto, um verdadeiro hino à ironia… 


Saudades do governo de Passos Coelho e Paulo Portas

Naquele tempo, que Cavaco Silva desejou esticar, corriam rios de mel, e só não havia virgens à espera das vítimas porque era outra a devoção em Belém e S. Bento.

As matas eram então incombustíveis, à prova de pirómanos, as urgências dos hospitais aguardavam doentes para quebrarem o tédio aos enfermeiros e médicos, a banca estava capitalizada e sem créditos malparados, o emprego era pleno e os portugueses viviam felizes com a sobretaxa do IRS e divertidos com os orçamentos de Estado à espera dos retificativos.

Os vírus não matavam, o sarampo não era epidémico e a bastonária dos enfermeiros não se oporia à vacina obrigatória aos seus membros, para exercerem a profissão no Estado, se acaso ocorresse ao governo a prudência e o bom senso a ela.

As pessoas podiam andar deprimidas, mas as vacas dos Açores sorriam com a presença do casal presidencial, e as cagarras das ilhas Selvagens acolheram ruidosamente a visita do PR, preocupadas com a ausência da prótese conjugal.

O país vivia feliz, espoliado dos feriados identitários, 1.º de Dezembro e 5 de Outubro, e até o cardeal andava sossegado com o fim dos feriados que a Igreja impôs à República e a intimidade dos cônjuges recasados, sem precisão de apoiar manifestações de colégios privados onde a sua Igreja lucra mais do que com o negócio das almas.

Então, até os carrilhões de Mafra se seguravam às torres de onde ameaçam agora soltar-se, com a força com que o senhor D. João V se agarrava à madre Paula, em Odivelas, e ao ouro do Brasil para enviar ao Papa e obter dele o irónico e caro epíteto, Fidelíssimo.

A imprensa de reverência vivia em harmonia com o poder, designando a incompetência do PM por coragem e por institucional a cumplicidade entusiasta do PR.

Ditosos tempos! Os cravos de Abril tinham sido exonerados das lapelas do PR e do PM e o ordenamento jurídico era uma incómoda referência da Constituição que juraram, a ilustrar o adágio: «quem mais jura, mais mente».





domingo, 18 de março de 2018

Abençoadas águas de Março!

Os noticiários não se cansam de nos mostrar o enchimento de grande parte das barragens que, ainda há um mês, estavam quase vazias.

Aquela ponte que reapareceu naquela barragem alentejana e que eu mostrei aqui, felizmente encontra-se de novo submersa.

E até o nosso «formoso Rio Lys» que seguia tão tristinho quase num fio de água, rebentou na nascente e vem serpenteando sinuoso e impante pelos campos das Cortes. 

Ora vejam. 

(As fotografias foram retiradas da página do facebook da minha ex colega Elisabete Pinheiro, a quem agradeço.)

(Nascente seca)
(Nascente mais recentemente)














E despeja-se assim no meio da cidade.



E depois disto tudo, como poderia eu não recordar aqui, uma vez mais, as belas «Águas de Março» nas vozes de Elis e Jobim?...




sábado, 17 de março de 2018

Vestidos de verde

No mundo anglo-saxónico, hoje é dia  de vestir de verde. Festeja-se o São Patrício que, no século V, cristianizou a Irlanda (dizem...) tendo, para isso, usado um trevo de três folhas.


Daí a tradição de se vestirem, de se pintarem de verde, de porem tudo verde - até, por vezes, os rios - de beberem cerveja verde e... de esperarem ter a sorte de ficarem ricos.

Hoje deixo  aqui umas imagens vintage, wearing the green...

E desejo-vos muito boa sorte!!





















quinta-feira, 15 de março de 2018

É por isso que não gosto de festivais

Já aqui disse não sei quantas vezes que gosto muito - e sempre gostei - das canções da Françoise Hardy.

Fiquei hoje a saber que concorreu pelo Mónaco ao Festival da Eurovisão no ano de 1963 com esta canção absolutamente encantadora, tendo ficado apenas  em 5º lugar.




Em primeiro lugar ficou a canção dinamarquesa «Dansevise» - alguém se lembra?




Por isso não lido bem com estas coisas de festivais, óscares, prémios literários e outras competições artísticas. A arte - como quase tudo na vida - não foi "inventada" para ser  comparada e classificada.

Posso parecer um bocado "estranha", mas não suporto a competição...

terça-feira, 13 de março de 2018

Too tired...






É assim que estou! Desculpem-me qualquer coisinha... (especialmente de não usar a nossa bela Língua) 

Nem sei já se se trata de cansaço, se falta de imaginação para escrevinhar...

segunda-feira, 12 de março de 2018

Para começar bem a semana

Porque é preciso elevar os ânimos, (pelo menos os meus...) aqui fica uma pequena seleção de imagens divertidas desta bela senhora do cinema acompanhada por alguns belos senhores...

Espero que se divirtam.



sábado, 10 de março de 2018

Ir a águas

Precisa de ir a águas?

Não faça como o velho António Silva no Pátio das Cantigas que foi a águas para o Cartaxo...

Fica aqui a lista das termas onde pode ir a águas de modo a tratar os seus males.




sexta-feira, 9 de março de 2018

Ontem não deu, mas hoje...

Ontem não deu porque a filha foi «de charola» ter o seu segundo bebé - nosso quarto neto. (Maravilha!)

Mas hoje venho aqui deixar o meu sentir pela condição da Mulher nas lindas palavras de Adélia Prado.

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

( Adélia Prado )
do livro Bagagem. São Paulo: Siciliano, 1993)