sexta-feira, 4 de junho de 2010

A Feira de S. Pedro de Sintra


(S. Pedro de Penafrim)

Por ter falado ontem na Feira de S. Pedro em Sintra, encontrei um poema da autoria de Vasco Graça Moura (poeta, estudioso e crítico de literatura, tradutor e ensaísta de valor incontestável, mas político assaz miope)  sobre a referida feira que a retrata exactamente como era no tempo em que eu a frequentava e que não resisti a transcrever para aqui.

Nos segundos e quartos domingos
de cada mês, o mundo é a feira de S. Pedro
de Sintra, desde que não chova muito.

Pode encontrar-se tudo: puxadores de portas
e sacos de feijão, pinturas sobre cobre, pratos velhos,
pintainhos e plainas, regueifas, beringelas. Umas pessoas sobem

até ao largo, e as outras descem, a apreçarem
calçado e hortaliças, caixinhas de música, tapetes,
ou a comerem queijadas e pevides, ou a comprarem flores,

ou simplesmente a olharem umas para as outras,
felizes por estarem na feira de S. Pedro de Sintra,
onde, além disso, ficam ao pé os ferros-velhos

e mesmo à mão as lojas de atoalhados muito coloridos.
Os automóveis passam em fila devagar,
a G.N.R. não é muito detestável,

e os namorados sussurram «olha aquela
chaleira é que ficava bem lá em casa»,
eu «gosto mais do de barro azul e verde».

As mães conceituadas sentam-se com os maridos nos comes-e-bebes,
a descansarem os pés inchados, com a máquina fotográfica ao colo, atentas,
não vá passar algum carteirista roubador do sossego.

Entretanto lá vem mais gente alegremente derreada
com cestinhos e alcofas a mostrarem
alhos-franceses, chouriços, queijos secos.

Mesmo as crianças não desatam a espernear
por dá cá aquela palha, que querem aquela gaitinha,
numa gritaria imprópria dos perfumes da tarde.

Depois, ao fim do dia, parece que não se passou nada,
as tendas foram desarmadas, as mercadorias
metidas em camionetas como bacorinhos.

A rua e o largo esvaziam-se à espera do primeiro
ou do terceiro domingo do mês, que ficam para a volta dos tristes,
e as pessoas foram-se embora quase de repente, sem

mais lembranças vagabundas de Byron ou de Beckford
ou de poetas em mangas de camisa,
desocupados por ali, plantados no meio do caminho.

Das várias feiras dos arredores de Lisboa,
a de S. Pedro de Sintra é a que mostra o útil e o inútil
em toda a pacatez da sua beleza transportável.

(Vasco Graça Moura, "Antologia dos Sessenta Anos", 2001)

4 comentários:

  1. Estas feiras são sempre um pretexto para observar como vai a vida.
    E, já que lá estamos, há sempre qualquer coisa que se pode comprar por peço apetecível e que até dá jeito.

    Abraço
    António

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  2. As feiras já foram um importante motor da economia...

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  3. De facto as feiras já foram um importante motor da economia!
    Esta feira de São Pedro de Sintra, é disso um excelente exemplo, estendia-se pelas ruas fora do perímetro do Largo da Feira, a oferta era imensa e a procura na proporção correspondente.
    Morei paredes meias com ela de 1970 até meados dos anos 80, e dia de feira era dia de não poder sequer sair de casa, porque me colocavam as camionetas e furgões mesmo em frente das portas janelas e sobretudo em frente da minha garagem, um verdadeiro pesadelo.
    Alguém tinha que por um fim nesta balbúrdia.
    A população Sanpedrina, está cada vez mais velha, um dia houve necessidade de prestar assistência a uma pessoa na sua residência e a ambulância não tinha como passar.
    Acabou!
    Feira só no recinto, e com alternativa para os moradores, e veículos de emergência poderem passar.
    A feira tem vindo a perder interesse. Menos feirantes, menos procura. Para mim agora é que ela está boa, já que voltei para junto dela novamente depois de vinte anos, agora tenho uma feira só para mim!
    Não é ser egoísta, mas quanto menos confusão melhor para mim!

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  4. Ó Gato Preto, estás a ficar velho, ou quê?... Nem te atrevas ( se não, eu também fico....) Obrigada pelo teu comentário de quem sabe exactamente o que foi a Feira de S. Pedro. De facto, estas feiras estão a perder importância. Agora com as grandes superfícies e supermercados por todo o lado que vendem de tudo , já ninguém está para ir para os aperto das feiras.

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