domingo, 1 de novembro de 2015

As Pérolas



Não, não vou falar daquelas preciosidades que se formam com muito sofrimento e ao longo do tempo dentro das ostras «vandalizadas» por simples grão de areia e que as senhoras tanto apreciavam. Nem das verdadeiras, nem das de cultura. São as de plástico que hoje aqui me trazem.

Nas pequenas cidades suburbanas de um pequeno país também suburbano que viveu, até há quarenta anos atrás, submerso no maior obscurantismo fruto da ignorância imposta e suportada clericalmente, parece sentir-se a necessidade de criar, de exibir as ditas pérolas. De plástico.

A cor, o tamanho, o aspeto podem sugerir uma pérola, mas falta-lhes o brilho. O que é compreensível: o brilho encandeia, ofusca, tolda quem se lhes aproxima e isso não traz vantagem. Assusta. Causa tremor – temor. Além disso, pérolas verdadeiras, daquelas acetinadas e com brilho, não abundam por aí. Muitas estão escondidas. Vivem escondidas.

As outras – e vêem-se tantas por aqui! Pululam nos eventos, nos organismos que nos decidem a vida, ocupam os melhores lugares – aparecem em bicos de pés, mostram-se, exibem os seus encantos. Maleáveis, adaptam-se a toda e qualquer situação para que são chamadas e ficam sempre bem. E são sempre chamadas porque estão sempre disponíveis. Fazem vida disso – e muitas vezes uma bela vida – mas não passam disso. «Triste de quem é feliz!» - dizia o Pessoa – ele próprio uma dessas pérolas com aquele brilho fulgurante que quase cega e, por isso, ignorado.

Este pequeno país suburbano que viveu séculos submerso no cinzentismo da sua ignorância, da sua tacanhez, da sua cupidez – de que não dá mostras de se querer separar – sempre conviveu mal com o brilho das pérolas verdadeiras. Veja-se como foi com Camões, com Pedro Nunes, com Damião de Góis, com Fernando Pessoa, com Jorge de Sena para falar apenas dos que de momento me assaltam a ideia.

Preferem-se sempre os Dantas e os Cavacos do regime. As pérolas opacas, baças, ocas. As de plástico.

13 comentários:

  1. Sophia, que é nome de pérola
    (nem sei como te esqueceste dela)

    e Saramago, tão raro

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    1. Mas o Saramago deu uma bofetada ou duas de luva branca nestes iletrados: foi viver para Espanha e depois veio com um Prémio Nobel! Tiveram de o engolir.... eh eh eh... o que eu adorei!!

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  2. A versão "desgaste rápido" cativa de forma impressionante.
    Um beijo, Graça.

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    1. Thank you for what, if I may ask.... You're welcome, anyway...

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  4. Bem pensado. Há por aí muita gente a puxar o lustro, constantemente, à sua pérola de imitação. Distinguem-se pela forma como se apresentam vestidas e brilham muito, como os novos faróis dos popós, mas, de repente, ficam baças..

    Boa semana

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    1. Só que, entretanto, vão enganado o pessoal e enchendo o papo...

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  5. É como diz a letra da canção do Carlos Mendes: "O BRILHO VAI-SE PERDENDO...". Assim é! Há por aí algumas pérolas mas o brilho delas vai-se perdendo ...

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    1. Não conheço essa canção de Carlos Mendes de quem sempre gostei muito. Mas fui ao YouTube e encontrei umas «brincadeiras» dele bem interessantes...

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    2. "Não me peças mais canções" é o título da canção do Carlos Mendes cuja letra integra: " o brilho vai-se perdendo". Estas 3 palavras ficaram-me gravadas na minha cabeça desde sempre, não sei porquê.
      https://www.youtube.com/watch?v=jxCOf1wXrFA

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  6. Neste teu manifesto, não anti-Dantas, mas anti-pérolas pretensamente preciosas, referes o país que viveu durante quarenta anos no obscurantismo, e ( digo eu) volvidos outros quarenta anos, sem mordaças nem amarras, anda mais falso e hipócrita que pérolas de fantasia rasca.

    Em minha opinião as pérolas verdadeiramente valiosas nem sequer necessitam ter brilho ofuscante. Basta que sejam genuínas! Dessas é que cada vez há menos...
    "Basta, pum, basta"...Ah, grande Almada Negreiros!!

    Belo texto, Graça!

    Beijinhos.

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    1. Obrigada, Janita. Realmente «basta que sejam genuínas», mas são tão barbaramente esquecidas e ultrapassadas, que até mete raiva!

      Beijinho

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