Passam hoje 40 anos sobre esse dia.
O General Ramalho Eanes, que foi
o discreto herói do 25 de Novembro, afirmou hoje que "O 25 de Novembro foi um momento fraturante e eu entendo que não devemos
comemorar, os momentos fraturantes não se comemoram, recordam-se e recordam-se
apenas para refletir sobre eles.»
Nesse tempo andava eu ocupada por
de mais com a nossa primogénita bebezinha e com uma carreira profissional
também a começar numa cidade que não era a minha, pelo que pouco sei para
refletir sobre essa data marcante da História da nossa recém-nascida Democracia.
Assim, resolvi lançar mão de quem escreveu sobre esse(s) dia(s) nos próprios
dias.
Vergílio Ferreira, na entrada de
26 de Novembro de 75 do seu diário «Conta-Corrente 1», escrevia no seu estilo
seco:
«Na madrugada de ontem,
sublevaram-se os pára-quedistas, que ocuparam várias bases. Reacção dos
militares «fiéis». Declarado o estado de sítio. Confrontos. Tiros. Alguns mortos,
para começar a haver revolução. Mas tudo isto é quase abstracto, porque nada
vimos. Só a rádio não há jornais. Consta que o Otelo está preso. Presos outros,
menores. Um momento de esperança de que a democracia triunfe. Entretanto a vida
continua. (…)
27-Novembro (quinta). Ontem foi
declarado o estado de sítio em Lisboa. Houve mortos num confronto de militares,
hoje, aviões em esquadrilha sobre a cidade.
29-Novembro (sábado). Notícias da
rádio dizem que terminou a resistência dos pára-quedistas de Tancos. Presos três
oficiais e seis sargentos. A rádio transmite «folclore» português, dizendo com
alegria que há muito não era transmitido. Limpeza geral nas redacções e
administrações de jornais estatizados. Iremos enfim respirar? (…)
2-Dezembro (terça). Terminou o
estado de sítio, no fundo, não se acreditou sequer que tivéssemos estado
ameaçados. A nossa «brandura de costumes» é a nossa superficialidade de ser. A nossa
infância prolonga-se até muito tarde e tudo assim nos é um jogo infantil. Simplesmente,
com oitocentos anos de História, a nossa infância é a infância da velhice. O mais
difícil sempre para nós é assumirmos gravemente o que somos. Assim o que nos
perde (ou nos salva) é a nossa inconsciência.»
Entretanto Natália Correia, no
seu estilo emotivo, romântico, quase épico, escrevia em 25 de Novembro de 1975:
«Finalmente! Cessa o rodar de
suspeita em suspeita, de ansiedade em ansiedade. (…) Estávamos fartos de granadas fantasmas a
rebentar-nos dentro do crânio.
É, por enquanto, inapreensível a
dimensão do rebentar do fogo. Mas o que já se sabe torna inequívoco que o país
está à beira de servir o sangue a uma guerra civil.
Os «páras» insurrectos que em
Tancos levaram os oficiais moderados a abandonar a unidade num acto de protesto
contra a subversão da hierarquia destituíram o chefe do seu Estado-Maior.
Tancos, Monte Real, Ota e Montijo, assaltadas durante a noite, estão dominadas
pelo braço armado do poder popular. (…) Vasco Lourenço acaba de ser nomeado
comandante da Região Militar da Lisboa, apeando com o coração desfeito o
parasita da sua afeição. (…) O Ralis (…) põe à porta do quartel o seu aparato
bélico. Elementos dos Copcon ocupam a Emissora Nacional e o Rádio Clube
Português. A EPAM apossa-se dos estúdios da RTP. No ecrã surge o emblema do
poder popular enfeitando as bravatas de um vaqueiro western populista – o capitão Durand Clemente. (…) A Frente Militar Unida, na qual o «grupo
dos nove» é uma peça destacada de entre centenas de oficiais, acelera as suas
reuniões clandestinas. (…) Otelo esbraveja contra o VI Governo, vetando
publicamente a nomeação de Vasco Lourenço. Por largas horas o país dividido ao
meio. Corta-o o levantamento de pequenos e médios agricultores concentrados em
Rio Maior. (…) De facto esse esquiço da divisão do país em dois corresponde a
um esquema de que tomei conhecimento na reunião de Cascais: no caso de se
perder Lisboa e de resultar infrutífera a «selagem» da cintura da cidade por
Cascais e Sintra, recuar para o paralelo entre Mafra e Santarém, para onde
avançarão tropas vindas do Norte. Este projecto implica naturalmente a transferência
do Governo e da Presidência da República para o Porto.
O telefone retine
insistentemente. São amigos do Porto e de Coimbra. Pedem-me que saia de Lisboa.
(…) Fico.
O Presidente da República acaba
de decretar o estado de emergência na capital.
28 de Novembro de 1975
À meia-noite uma última badalada
varre os ruídos da cidade. O estado de emergência não foi considerado
suficiente para a gravidade da situação militar e o estado de sítio passa a
vigorar na Região Militar de Lisboa.
O silêncio exaspera. Estamos sem
jornais. Lacónicos comunicados informam espaçadamente a nossa ansiedade. O mais
angustiante é que dessas escassas informações não conseguimos concluir se
estamos ou não numa guerra civil.
(…) registo outro nome: Ramalho
Eanes. Discretamente – pouco se fala dele – este Major é o coordenador do auge
das operações contra golpistas que desde Agosto, pelo menos, têm, na
clandestinidade, encontrando nele um firme atirador.
(…) Enfim: espremido o limão
verde do 25 de Novembro resta-me a convicção de que o fogaréu revolucionário
está a passar a cinzas. Estão criadas as condições para que a revolução recolha
a penates e se institucionalize a democracia.»
(in «não percas e rosa», Editorial Notícias, Lisboa, 1978, pp 349-360)
Eu só me lembro que tínhamos regressado havia pouco tempo de Angola, e que o marido fuzileiro esteve uma semana sem vir a casa de prevenção no Alfeite.
ResponderEliminarUm abraço
Tempos muito conturbados, Elvira! Muitos conturbados mesmo. Especialmente para quem teve de regressar de África.
EliminarBeijinho
(Tanto Mar
ResponderEliminare a recordação
da semente
de que fala a canção!)
«Guarda um cravo para mim»
EliminarRamalho Eanes que recebeu ontem o "Nobel da Ásia" em Manila.
ResponderEliminarAtenta, a comunicação social portuguesa deixou o facto passar ao lado.
Não há pachorra!!
Beijinhos
E nós cá sem sabermos de nada!!! Uma vergonha sem tamanho!
EliminarObrigada pela informação.
Beijinho
Na senda política portuguesa fazem falta homens de carácter como o General Ramalho Eanes, que prescindiu do seu direito a receber os retroactivos relativos à sua reforma enquanto General. Importância que ascendia a mais de um milhão de euros, já que o país se encontrava em crise...
ResponderEliminarEste país é assim: coloca nos cornos da Lua gente oportunista e esquece os homens de valor.
Pode ser que um dia, quando já cá não estiver, a História faça dele um herói.
Beijinhos
E fará!! Parece-me que isso está já a acontecer.
EliminarBeijinhos
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarForam, realmente, dias de grande preocupação para os democratas
ResponderEliminare de gáudio para os fascistas e direita reacionária.
~ Acho excelentes os textos que selecionaste...
~~~~ Beijinhos. ~~~~~~~~~~~~~
A direita reacionária que continua(rá) a atormentar-nos....
EliminarObrigada! És uma querida!
Beijinhos
Vivi de perto o 25 de Novembro de 1975, em Lisboa, quando então terminou o PREC. Estou plenamente de acordo com a comentarista Janita, Ramalho Eanes é, pode dizer-se, dos poucos políticos íntegros que nos tem governado...
ResponderEliminarSó foi pena aquela tolice do PRD!!
EliminarOra pois, como dizem os brasileiros... No melhor pano cai a nódoa!
EliminarCumprimentos,
O simbolismo atribuído às datas é por vezes abusivo, cada um a entender o significado que mais lhe convém. O 25 de Novembro não escapa a essa tendência como se viu, agora mesmo, na tentativa que se passou na AR. Independentemente das "preferências" políticas temos de reconhecer que o general Ramalho Eanes foi determinante para que não se extremassem posições. O Melo Antunes também calou determinados grupos que pretendiam fazem "caça às bruxas"
ResponderEliminarAs palavras de Virgílio Ferreira e de Natália Correia (que não deveria ter desertado do rectângulo) escrevem cada um no seu estilo e sensibilidade, a Natália mais expansiva, com a emotividade que a caracteriza. Recordo-me bem desses dias.
Obrigada, Agostinho, pelas palavras!
EliminarFoi bombardeado o quartel onde estava omeu falecido marido estive 3 dias sem saber noticias dele! Hoje vivo com quem nesse dia não perdeu a vida vivo por milagre.
ResponderEliminarUm beijinho Graça.
Foram tempos bem conturbados, Adélia!
Eliminar(Pelos vistos já andas pelo computador... sinal que está tudo a correr bem! Que bom!!!)
Beijinhos
Gracinhamiga
ResponderEliminarTextos escolhidos a dedo! Vivi o 25 de Novembro em Lisboa a fazer com o Manel Ricardo Ferreira (a servir de teletipista...) o Jornal Novo onde então trabalhava e que era feito em Coimbra, porque cá havia o estado de sítio...
Fui à calçada da Ajuda onde morreram militares fazer a reportagem do triste acontecimento para depois o mandar para Coimbra.
Entrei no Regimento de Comandos na Amadora (a minha antiga unidade que então era o Regimento de Infantaria 1, RI1) Fui o único jornalista que o conseguiu fazer - um dia contarei e estória - e foi ali que conheci o major António Ramalho Eanes que depois de eleito PR, ia com a sua mulher Manuela jantar a minha casa na Travessa do Ferreiro.
Aliás a Manuela Neto Portugal tinha sido minha colega na Faculdade de Direito e o António Ramalho Eanes conhecera a Raquel, novinha, em Goa (onde prestava serviço como tenente do Quadro). Digam lá se não há coincidências...
O meu 25 de Novembro foi assim muito "animado". As noites que perdi/ganhei juntamente com o Manel R Ferreira tornou a intentona na... revolução dos... Ferreiras.
Bjs da Raquel e qjs do Leãozão
Gracinhamiga
ResponderEliminarEspero por ti no A Travessa do Ferreira Fico à tua espera...
+ bjs & qjs