Não posso deixar de manifestar aqui a minha satisfação por o país se ter finalmente livrado da terrível malha de paradigma «uma maioria, um governo, um presidente» em que ingenuamente se deixou cair.
Podia escrever aqui as minhas razões, mas melhor que eu as escreveu o embaixador Francisco Seixas da Costa no seu blog «duas ou três coisas» no texto «Não lhes perdoo!» que transcrevo na totalidade.
«Acaba hoje aquela que constitui a mais penosa experiência
política a que me foi dado assistir na minha vida adulta em democracia.
Salvaguardadas as exceções que sempre existem, quero dizer que nunca me senti
tão distante de uma governação como daquela a que este país sofreu desde 2011.
Não duvido que alguns dos governantes que hoje transitam
para o passado tentaram fazer o seu melhor ao longo destes cerca de quatro anos
e meio. Em alguns deles detetei mesmo competência técnica e profissional,
fidelidade a uma linha de orientação que consideraram ser a melhor para o país
que lhes calhou governarem. Mas há coisas que, na globalidade do governo a que
pertenceram, nunca lhes perdoarei.
Desde logo, a mentira, a descarada mentira com que
conquistaram os votos crédulos dos portugueses em 2011, para, poucas semanas
depois, virem a pôr em prática uma governação em que viriam a fazer
precisamente o contrário daquilo que haviam prometido. As palavras fortes
existem para serem usadas e a isso chama-se desonestidade política.
Depois, a insensibilidade social. Assistimos no governo que
agora se vai, sempre com cobertura ao nível mais elevado, a uma obscena
política de agravamento das clivagens sociais, destruidora do tecido de
solidariedade que faz parte da nossa matriz como país, como que insultando e
tratando com desprezo as pessoas idosas e mais frágeis, desenvolvendo uma
doutrina que teve o seu expoente na frase de um anormal que jocosamente falou,
sem reação de ninguém com responsabilidade, de "peste grisalha".
Vimos surgir, escudado na cumplicidade objetiva do primeiro-ministro, um
discurso "jeuniste" que chegou mesmo a procurar filosofar sobre a
legitimidade da quebra da solidariedade inter-geracional.
Um dia, ouvi da boca de um dos "golden boys" desta
governação, a enormidade de assumir que considerava "legítimo que os
reformados e pensionistas fossem os mais sacrificados nos cortes, pela fatia
que isso representava nas despesas do Estado mas, igualmente, pela
circunstância da sua capacidade reivindicativa de reação ser muito menor dos
que os trabalhadores no ativo", o que suscitava menos problemas políticos
na execução das medidas. Essa personagem foi ao ponto de sugerir a necessidade
de medidas que estimulassem, presumo que de forma não constrangente, o regresso
dos velhos reformados e pensionistas, residentes nas grandes cidades, "à
província de onde tinham saído", onde uma vida mais barata poderia ser
mais compatível com a redução dos seus meios de subsistência.
Fui testemunha de atos de desprezo por interesses económicos
geoestratégicos do país, pela assunção, por mera opção ideológica, por
sectarismo político nunca antes visto, de um desmantelar do papel do Estado na
economia, que chegou a limites quase criminosos. Assisti a um governante, que
hoje sai do poder feito ministro, dizer um dia, com ar orgulhosamente convicto,
perante investidores estrangeiros, que "depois deste processo de
privatizações, o Estado não ficará na sua posse com nada que dê lucro".
Ouvi da boca de outro alto responsável, a propósito do
processo de privatizações, que "o encaixe de capital está longe de ser a
nossa principal preocupação. O que queremos mostrar com a aceleração desse
processo, bem como com o fim das "golden shares" e pela anulação de
todos os mecanismos de intervenção e controlo do Estado na economia, é que
Portugal passa a ser a sociedade mais liberal da Europa, onde o investimento
encontra um terreno sem o menor obstáculo, com a menor regulação possível, ao
nível dos países mais "business-friendly" do mundo".
Assisti a isto e a muito mais. Fui testemunha do desprezo
profundo com que a nossa Administração Pública foi tratada, pela fabricação
artificial da clivagem público-privado, fruto da acaparação da máquina do
Estado por um grupo organizado que verdadeiramente o odiava, que o tentou
destruir, que arruinou serviços públicos, procurando que o cidadão-utente, ao
corporizar o seu mal-estar na entidade Estado, acabasse por se sentir solidário
com as políticas que aviltavam a máquina pública.
No Ministério dos Negócios Estrangeiros, assisti a uma
operação de desmantelamento criterioso das estruturas que serviam os cidadãos
expatriados e garantiam a capacidade mínima para dar a Portugal meios para
sustentar a sua projeção e a possibilidade da máquina diplomática e consular
defender os interesses nacionais na ordem externa. Assisti ao encerramento cego
de estruturas consulares e diplomáticas (e à alegre reversão de algumas destas
medidas, quando conveio), à retirada de meios financeiros e humanos um pouco
por todo o lado, à delapidação de património adquirido com esforço pelo país
durante décadas, cuja alienação se fez com uma irresponsável leveza de decisão.
Nunca lhes perdoarei o que fizeram a este país ao longo dos
últimos anos. E, muito em especial, não esquecerei que a atuação dessas
pessoas, à frente de um Estado que tinham por jurado inimigo e no seio do qual
foram uma assumida "quinta coluna", conseguiu criar em mim, pela
primeira vez em mais de quatro décadas de dedicação ao serviço público - em que
cultivei um orgulho de ser servidor do Estado, que aprendi com os exemplos do
meu avô e do meu pai -, um sentimento de desgostosa dessolidarização com o
Estado que tristemente lhes coube titular durante este triste quadriénio.
Por essa razão, neste dia em que, com imensa alegria, os
vejo partir, não podia calar este meu sentimento profundo. Há dúvidas quanto ao
futuro que aí vem? Pode haver, mas todas as dúvidas serão sempre mais
promissoras que este passado recente que nos fizeram atravessar. Fosse eu
católico e dir-lhes-ia: vão com deus. Como não sou, deixo-lhes apenas o meu
silêncio.
Haja esperança! E Cavaco ainda se deu à arrogância de dizer que pode demitir o governo!!!
ResponderEliminarBeijos, Graça. :)
~~ Esta crónica do embaixador está, realmente. notável! ~~
ResponderEliminarAcabou o sofrimento de assistirmos, impotentes, à implosão
do nosso sistema educativo e a toda a destruição e falta de
respeito pelo Estado Social.
~~~ Beijinhos afetuosos. ~~~
Um grito de revolta que é comum a quase todos os portugueses.
ResponderEliminarNum dia em a esperança enche de novo o nosso horizonte. Decerto não vai ser o que gostaríamos, mas acredita-se que não será tão mau.
Um abraço
Aleluia!
ResponderEliminarObrigado pela partilha deste excelente texto, Graça. Apesar de ser leitor habitual do embaixador, não tinha lido, porque tenho andado bastante ausente da blogosera. Aos poucos vou tentando visitar os amigos o blogobairro e hoje foi o dia de passar por aqui. Beijinho, bom FDS e muito obrigado por toda a simpatia que tem tido comigo.
ResponderEliminarJá tinha lido e comentado este excelente texto de Seixas no seu blogue.
ResponderEliminarBeijinhos
Francisco Seixas da Costa, uma pessoa sensata, que bem conhece os meandros da política Portuguesa. Excelente texto, que já tinha lido no seu blogue.
ResponderEliminarSe a palavra "raiva" se pode traduzir, ela foi, como poucas vezes vi, patente no homem de Belém, ao dar posse a este governo. Ultrapassou, até, o Coelho e o Portas...
Excelente texto.
ResponderEliminarNão entendo o jogo e encenação produzido pelo presidente na tomada de posse do novo governo. O feio foi acentuado por uma máscara de ressentimento.
Espero que estes, que são referidos no artigo acima,vão para o quinto dos infernos, onde o sofrimento será menos doloroso do que tudo aquilo que nos fizeram sofrer.
ResponderEliminarNão foi um final feliz, nem princípio, nem meio... felizmente já acabou. A esperança renova-se.
ResponderEliminarSe Francisco Seixas da Costa me permitir, assino por baixo.
ResponderEliminarAchas que Cavaco chega ao Natal?
Uma renovada sensação de liberdade passa por aqui.
ResponderEliminarUm beijo
Lídia
Cavaco ficará na história
ResponderEliminarcomo um tartufo
Adeus até nunca mais
O texto é exemplar
Bj
Gracinhamiga
ResponderEliminarO artigo do meu Amigo Francisco Seixas da Costa vai ficar na História de Portugal! Se não...do Mundo. ´É inultrapassável! Parabéns aos dois: ao Chco Seixas da Costa e à Gracinhamiga pela ideia de o publicar.
A múmia afinal disse o que era ser rancoroso, vingativo, mau. Nenhum dicioário o diria melhor.
RIP
Bjs da Raquel e qjs do Leãozão
for... do Mundo.
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminarAdeus!
ResponderEliminarCavaquismo, nunca mais!
Há sempre um princípio e um fim...FIM.
ResponderEliminarO que transcreveu está notável.
M.A.A.
Eu também não sou católico mas também não lhes concedo o meu silêncio;
ResponderEliminar-grito-lhes: vão para o raio que os parta e não voltem!
Obrigado ao Sr. Embaixador pelo que disse e obrigado a ti Graça por teres mostrado.
Beijos
Gostei que tenham gostado do texto do embaixador que está escrito com tanta alma e tanta emoção! Apesar de siguir o seu blog com frequência, tenho de agradecer à Majo a sugestão de o ir ler e eventualmente transcrever para aqui. Ainda bem que o fiz.,
ResponderEliminarApesar de termos assistido ao fim da nossa triste vivência dos últimos quatro anos de abatimento do povo e de destruição do país, o que muito me apraz, receio muito as possíveis manobras maldosas de um (pseudo) presidente da República que tem cuspido ódio contra tudo quanto não seja gentinha lá da área dele. Receio muito!
A Graça reparou em alguns comentários ao texto do embaixador, no blogue dele?
EliminarEnojam pura e simplesmente.