quarta-feira, 25 de novembro de 2015

25 de Novembro de 1975

Passam hoje 40 anos sobre esse dia.

O General Ramalho Eanes, que foi o discreto herói do 25 de Novembro, afirmou hoje que "O 25 de Novembro foi um momento fraturante e eu entendo que não devemos comemorar, os momentos fraturantes não se comemoram, recordam-se e recordam-se apenas para refletir sobre eles.»

Nesse tempo andava eu ocupada por de mais com a nossa primogénita bebezinha e com uma carreira profissional também a começar numa cidade que não era a minha, pelo que pouco sei para refletir sobre essa data marcante da História da nossa recém-nascida Democracia. Assim, resolvi lançar mão de quem escreveu sobre esse(s) dia(s) nos próprios dias.

Vergílio Ferreira, na entrada de 26 de Novembro de 75 do seu diário «Conta-Corrente 1», escrevia no seu estilo seco:

«Na madrugada de ontem, sublevaram-se os pára-quedistas, que ocuparam várias bases. Reacção dos militares «fiéis». Declarado o estado de sítio. Confrontos. Tiros. Alguns mortos, para começar a haver revolução. Mas tudo isto é quase abstracto, porque nada vimos. Só a rádio não há jornais. Consta que o Otelo está preso. Presos outros, menores. Um momento de esperança de que a democracia triunfe. Entretanto a vida continua. (…)

27-Novembro (quinta). Ontem foi declarado o estado de sítio em Lisboa. Houve mortos num confronto de militares, hoje, aviões em esquadrilha sobre a cidade.

29-Novembro (sábado). Notícias da rádio dizem que terminou a resistência dos pára-quedistas de Tancos. Presos três oficiais e seis sargentos. A rádio transmite «folclore» português, dizendo com alegria que há muito não era transmitido. Limpeza geral nas redacções e administrações de jornais estatizados. Iremos enfim respirar? (…)

2-Dezembro (terça). Terminou o estado de sítio, no fundo, não se acreditou sequer que tivéssemos estado ameaçados. A nossa «brandura de costumes» é a nossa superficialidade de ser. A nossa infância prolonga-se até muito tarde e tudo assim nos é um jogo infantil. Simplesmente, com oitocentos anos de História, a nossa infância é a infância da velhice. O mais difícil sempre para nós é assumirmos gravemente o que somos. Assim o que nos perde (ou nos salva) é a nossa inconsciência.»

(in conta-corrente 1; Livraria Bertrand, Lisboa, 1982, pp 294-5)





Entretanto Natália Correia, no seu estilo emotivo, romântico, quase épico, escrevia em 25 de Novembro de 1975:

«Finalmente! Cessa o rodar de suspeita em suspeita, de ansiedade em ansiedade.  (…) Estávamos fartos de granadas fantasmas a rebentar-nos dentro do crânio.

É, por enquanto, inapreensível a dimensão do rebentar do fogo. Mas o que já se sabe torna inequívoco que o país está à beira de servir o sangue a uma guerra civil.

Os «páras» insurrectos que em Tancos levaram os oficiais moderados a abandonar a unidade num acto de protesto contra a subversão da hierarquia destituíram o chefe do seu Estado-Maior. Tancos, Monte Real, Ota e Montijo, assaltadas durante a noite, estão dominadas pelo braço armado do poder popular. (…) Vasco Lourenço acaba de ser nomeado comandante da Região Militar da Lisboa, apeando com o coração desfeito o parasita da sua afeição. (…) O Ralis (…) põe à porta do quartel o seu aparato bélico. Elementos dos Copcon ocupam a Emissora Nacional e o Rádio Clube Português. A EPAM apossa-se dos estúdios da RTP. No ecrã surge o emblema do poder popular enfeitando as bravatas de um vaqueiro western populista – o capitão Durand Clemente.  (…) A Frente Militar Unida, na qual o «grupo dos nove» é uma peça destacada de entre centenas de oficiais, acelera as suas reuniões clandestinas. (…) Otelo esbraveja contra o VI Governo, vetando publicamente a nomeação de Vasco Lourenço. Por largas horas o país dividido ao meio. Corta-o o levantamento de pequenos e médios agricultores concentrados em Rio Maior. (…) De facto esse esquiço da divisão do país em dois corresponde a um esquema de que tomei conhecimento na reunião de Cascais: no caso de se perder Lisboa e de resultar infrutífera a «selagem» da cintura da cidade por Cascais e Sintra, recuar para o paralelo entre Mafra e Santarém, para onde avançarão tropas vindas do Norte. Este projecto implica naturalmente a transferência do Governo e da Presidência da República para o Porto.

O telefone retine insistentemente. São amigos do Porto e de Coimbra. Pedem-me que saia de Lisboa.

(…) Fico.

O Presidente da República acaba de decretar o estado de emergência na capital.

28 de Novembro de 1975

À meia-noite uma última badalada varre os ruídos da cidade. O estado de emergência não foi considerado suficiente para a gravidade da situação militar e o estado de sítio passa a vigorar na Região Militar de Lisboa.

O silêncio exaspera. Estamos sem jornais. Lacónicos comunicados informam espaçadamente a nossa ansiedade. O mais angustiante é que dessas escassas informações não conseguimos concluir se estamos ou não numa guerra civil.

(…) registo outro nome: Ramalho Eanes. Discretamente – pouco se fala dele – este Major é o coordenador do auge das operações contra golpistas que desde Agosto, pelo menos, têm, na clandestinidade, encontrando nele um firme atirador.

(…) Enfim: espremido o limão verde do 25 de Novembro resta-me a convicção de que o fogaréu revolucionário está a passar a cinzas. Estão criadas as condições para que a revolução recolha a penates e se institucionalize a democracia.»

(in «não percas e rosa», Editorial Notícias, Lisboa, 1978, pp 349-360)


20 comentários:

  1. Eu só me lembro que tínhamos regressado havia pouco tempo de Angola, e que o marido fuzileiro esteve uma semana sem vir a casa de prevenção no Alfeite.
    Um abraço

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    1. Tempos muito conturbados, Elvira! Muitos conturbados mesmo. Especialmente para quem teve de regressar de África.

      Beijinho

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  2. (Tanto Mar
    e a recordação
    da semente
    de que fala a canção!)

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  3. Ramalho Eanes que recebeu ontem o "Nobel da Ásia" em Manila.
    Atenta, a comunicação social portuguesa deixou o facto passar ao lado.
    Não há pachorra!!
    Beijinhos

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    1. E nós cá sem sabermos de nada!!! Uma vergonha sem tamanho!
      Obrigada pela informação.

      Beijinho

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  4. Na senda política portuguesa fazem falta homens de carácter como o General Ramalho Eanes, que prescindiu do seu direito a receber os retroactivos relativos à sua reforma enquanto General. Importância que ascendia a mais de um milhão de euros, já que o país se encontrava em crise...
    Este país é assim: coloca nos cornos da Lua gente oportunista e esquece os homens de valor.
    Pode ser que um dia, quando já cá não estiver, a História faça dele um herói.

    Beijinhos

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    1. E fará!! Parece-me que isso está já a acontecer.

      Beijinhos

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Foram, realmente, dias de grande preocupação para os democratas
    e de gáudio para os fascistas e direita reacionária.

    ~ Acho excelentes os textos que selecionaste...

    ~~~~ Beijinhos. ~~~~~~~~~~~~~

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    1. A direita reacionária que continua(rá) a atormentar-nos....

      Obrigada! És uma querida!

      Beijinhos

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  7. Vivi de perto o 25 de Novembro de 1975, em Lisboa, quando então terminou o PREC. Estou plenamente de acordo com a comentarista Janita, Ramalho Eanes é, pode dizer-se, dos poucos políticos íntegros que nos tem governado...

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    1. Ora pois, como dizem os brasileiros... No melhor pano cai a nódoa!
      Cumprimentos,

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  8. O simbolismo atribuído às datas é por vezes abusivo, cada um a entender o significado que mais lhe convém. O 25 de Novembro não escapa a essa tendência como se viu, agora mesmo, na tentativa que se passou na AR. Independentemente das "preferências" políticas temos de reconhecer que o general Ramalho Eanes foi determinante para que não se extremassem posições. O Melo Antunes também calou determinados grupos que pretendiam fazem "caça às bruxas"
    As palavras de Virgílio Ferreira e de Natália Correia (que não deveria ter desertado do rectângulo) escrevem cada um no seu estilo e sensibilidade, a Natália mais expansiva, com a emotividade que a caracteriza. Recordo-me bem desses dias.

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  9. Foi bombardeado o quartel onde estava omeu falecido marido estive 3 dias sem saber noticias dele! Hoje vivo com quem nesse dia não perdeu a vida vivo por milagre.

    Um beijinho Graça.

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    1. Foram tempos bem conturbados, Adélia!

      (Pelos vistos já andas pelo computador... sinal que está tudo a correr bem! Que bom!!!)

      Beijinhos

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  10. Gracinhamiga

    Textos escolhidos a dedo! Vivi o 25 de Novembro em Lisboa a fazer com o Manel Ricardo Ferreira (a servir de teletipista...) o Jornal Novo onde então trabalhava e que era feito em Coimbra, porque cá havia o estado de sítio...

    Fui à calçada da Ajuda onde morreram militares fazer a reportagem do triste acontecimento para depois o mandar para Coimbra.

    Entrei no Regimento de Comandos na Amadora (a minha antiga unidade que então era o Regimento de Infantaria 1, RI1) Fui o único jornalista que o conseguiu fazer - um dia contarei e estória - e foi ali que conheci o major António Ramalho Eanes que depois de eleito PR, ia com a sua mulher Manuela jantar a minha casa na Travessa do Ferreiro.

    Aliás a Manuela Neto Portugal tinha sido minha colega na Faculdade de Direito e o António Ramalho Eanes conhecera a Raquel, novinha, em Goa (onde prestava serviço como tenente do Quadro). Digam lá se não há coincidências...

    O meu 25 de Novembro foi assim muito "animado". As noites que perdi/ganhei juntamente com o Manel R Ferreira tornou a intentona na... revolução dos... Ferreiras.

    Bjs da Raquel e qjs do Leãozão

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  11. Gracinhamiga

    Espero por ti no A Travessa do Ferreira Fico à tua espera...

    + bjs & qjs

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