O sonso

Já é claro para toda a gente que quer ver: estamos a viver um golpe de estado por parte da direita. Não se pense, porém, que isto está a acontecer de momento e do nada. Não se pense que é resultado da crise (que só de há ano e meio passou a ser europeia, senão mesmo mundial) ou que está a ocorrer agora porque se elegeu um governo de direita. Isto esteve a ser montado pacata e sorrateiramente desde há uns largos anos a esta parte e o principal urdidor desta trama na qual estamos inexoravelmente enredados foi o senhor presidente Cavaco.

De facto a direita nunca se conformou com a Revolução de Abril, com a mudança de paradigma, com os privilégios que perdeu. Nunca perdoou à figura de Mário Soares (e ao partido que fundou) sobre quem continua a despejar o seu pote de veneno denegrindo-o de todas as formas que pôde e pode e com a incansável e aveludada ajuda da Igreja junto do povo em geral. 

Quando em 1995 o dr Cavaco deixou o governo (em tempo de vacas gordas) já o BPN – agremiação de grandes senhores da área do PSD – estava pensado, fundado e em funções e foi, aos poucos, construindo o seu trajeto silencioso e aleivoso: em 2002, por exemplo, compra o Banco Insular de Cabo Verde sem dar cavaco ao Banco de Portugal; depois alarga as suas malhas a Angola e ao Brasil, engordando-se  e engordando as contas dos seus administradores e dos seus acionistas, muitos e muitos, homens da área pessoal e política do dr Cavaco. Nunca houve antes um roubo desta dimensão no país!

Depois de dez anos à frente das decisões executivas do país, o dr Cavaco volta a ganhar a confiança da maioria dos eleitores – não sem antes ter sido derrotado pelo socialista Jorge Sampaio – ganhando a tão almejada morada no Palácio de Belém em 2006.

A ter de trabalhar com um governo socialista confortavelmente apoiado numa maioria de deputados na Assembleia da República, o dr Cavaco pôde sempre contar com os seus amigos do peito – Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Rui Machete, Daniel Sanches, Arlindo de Carvalho, entre muitos outros, sem esquecer o multifacetado Duarte Lima – que pontificavam no BPN, preparando, sob o olhar desatento ou inepto de Vítor Constâncio, as grandes falcatruas que (des)conhecemos que desfalcaram em muito as finanças portuguesas.

Hélas! Não há bem que sempre dure e aí por 2008 o BPN colapsou pondo em fuga os “grandes” portugueses que em tempos (de vacas gordas) emolduraram os governos do “honesto” dr Cavaco. «Ai, ai, ai, como vamos fazer para conseguirmos levar o nosso barquinho do poder a bom porto?» pensou o dr Cavaco. Mas eis que se dá a crise económica internacional de 2008 e aí as coisas começam a rodar de feição para esta direita desejosa de tomar conta do país no seu todo. A dita crise começa a acumular problemas que caem nos ombros do governo que, entretanto, vai a eleições e perde a maioria absoluta. Bom! Há que começar a corroer as fundações do edifício governamental e espalhar que a crise é da exclusiva responsabilidade do governo recém-eleito e em funções já sem o apoio seguro em número de deputados. As dificuldades económicas vão encastelando e o senhor presidente instado e suportado pelos seus habituais apaniguados da direita denigre e conspira contra o governo de que se quer livrar. Empurra(m)-(n)o para um pedido de resgate à Europa que o PM (nem a própria Europa) não queria fazer e força a queda do governo para lá meter  os seus correligionários. Finalmente a direita ultrapassou a esquerda desde Abril! Finalmente um governo, uma maioria, um presidente! Finalmente tomaram conta do país! Finalmente a vingança sobre Abril!

Daí para cá, já toda a gente – ou grande parte! – sabe o que aconteceu e que vai acontecendo dia a dia: a queda irrefutável de tudo o que foi construído nos últimos 30, os que se viveram em liberdade e democracia. Eis o verdadeiro e completo golpe de estado da direita! 

E o dr Cavaco – caladinho, caladinho, enroscado no seu cantinho, rabinho-entre-as-pernas. Não foi nada com ele…