O dia ontem tornou-se muito frio.
Não, não pretendo parafrasear «O dia deu em chuvoso» porque chuvoso já ele
estava e bem. Só que, para além do céu de chumbo próprio de novembro, a
temperatura foi descendo e, com o misto de humidade que sempre adeja aqui por
Leiria, tornou-se muito desagradável.
Eu bem sei que estive a passar a
ferro uma série de camisas – que querem? sempre gostei de passar camisas de
algodão! – mas, quando chamei para almoçarmos, já estava em manga curta o que
não deixou de causar alguma estupefação. A que se deviam tais calores se nem
somos dos afortunados que têm aquecimento central? Fácil de explicar: estive a
ouvir as “alegações finais” dos deputados dos vários partidos com assento na
Assembleia face ao assombroso (ou assombrado? Ou porque não ensombrado?) Orçamento de Estado para o
próximo ano.
Sempre calorosos e cheios de
garra os discursos da esquerda dita extrema; pragmáticos e rigorosos os dos
comunistas; o Seguro – mesmo que o pessoal do PS socrático (no qual me incluo
com grande honra e sem qualquer rebuço) não goste de ouvir elogiá-lo – esteve bastante
bem e chegou “forte e feio” neste “governo” que anaforicamente apelidou de incompetente.
Depois, o centrista Telmo Correia veio defender a “sua dama” com o já estafado discurso da “fatura que estamos a pagar
mercê dos gastos exagerados realizados desde 1995” – sim, porque durante a
interminável governação do PSD/Cavaco, o chamado tempo das “vacas gordas” não
houve gastos exagerados, nem se fizeram obras megalómanas, nem se admitiram e aumentaram
funcionários públicos aos magotes, nem os empresários, melhor dito, os patrões
se aviaram à grande com o dinheiro que entrava aos milhões para restruturação,
reorganização da indústria e para a famigerada formação do pessoal, etc. etc.,
tudo coisas de que o senhor Telmo não se lembra porque ainda não era nascido…
Agora quem me fez despir o casaco
de tanto rir – é verdade: rir – foi a
intervenção do deputado do PSD, que desta vez não foi feita pelo
verruminosamente demagógico e despudorado Luís Montenegro, mas por um qualquer
senhor “bem-intencionado” de quem eu nem sabia o nome e agora sei chamar-se
Pedro Pinto (ele é Pintos, Coelhos e sei lá o que mais, e nós todos aqui
armados em franguinhas de aviário, valha-nos Deus!) que num tom quase paroquial
e num solilóquio ali entre o epifânico e o tragicómico, engrandeceu a obra-prima
que é o OE para 2013 com o qual, naturalmente, o seu partido concorda e que,
depois da enumeração de todos os re que
o partido maioritário do governo gosta de referir, com exceção da refundação porque essa não caiu bem,
afirmou veemente que irá permitir uma reindustrialização
do país, constituindo uma porta aberta para a nossa redenção como
indivíduos e como país restaurando a
nossa soberania. Lembrei-me das tiradas dos ministros da Igreja Universal do
Reino de Deus que se contavam nas anedotas de aqui há uns anos atrás, género “Salve, Aleluia, Salve, meu Irmão!” E
por isso me deu para rir.
Por fim, a aparição do “nosso”
mui bem-falante e expressivo ministro Gaspar,
autor irrepreensível e contrito da obra apresentada que, depois da referência detalhada
a dados mapeados da absoluta compreensão do mais comum cidadão já que todos
recebemos noções de Economia e Finanças desde o jardim-de-infância, entrou no
campo político-partidário tomando o tom Calimero
justificando o OE versão 2013 com a “desgorvenação” nacional dos últimos cinco
anos e com a malvada da recessão europeia. Mas ele acredita que lá para 2000 e
tantos o país irá ressurgir, renascer! (Mais paleio IURDiano… à laia do Ite,missa est com que os padres
católicos despediam os fieis quando a missa ainda era dita em latim… )
Agora imaginem o gozo quando hoje
li na crónica em que Pedro Marques Lopes comentava estes mesmos discursos que
precederam a aprovação do OE que «só faltou mesmo alguém gritar [na Assembleia]
“Elvis está vivo!”...»
Tempo que não aquece nem molha, fizemo-nos inertes, parece que ficamos vazios de sentimentos... é só literatura, ninguém dá um passo em frente: nem no desespero!
ResponderEliminarGostei do teu gesto.
Um grande abraço e a minha admiração
Esta tua postagem está excelente. E que sarcástica! Se o assunto tão fosse tão triste ter-me-ia rido com vontade.
ResponderEliminarGostei da descrição daquela arengada. Bem melhor do que o reality show da TVI hoje estreado, em que a Judite e o Alberto entrevistaram um criminoso bem falante.
ResponderEliminarObrigada, amigos Duarte, Isabel e Carlos, pelas palavras e pela compreensão. Todos compreendemos muito bem, mas nunca mais nos juntamos todos, mas todos, para pormos estes criminosos bem falantes daqui para fora!
ResponderEliminarQue raiva! Que revolta!
Boa malha Graça.
ResponderEliminarNão vi nada disso: gosto de preservar o meu bom humor e estes gajos têm o condão de me enervarem. Mas já li várias cenas e realmente só deu para rir. Os deputados da maioria não acham que o OE vá salvar o país de coisa nenhuma, mas votaram a seu favor. Então para quê a declaração de voto? Para sacudirem a água do capote? Se não sabem representar o povo que os elegeu, pelo menos façam-nos o favor de ficar calados!
ResponderEliminarQuanto a esse Telmo, o coitado deve comer muito queijo!
Beijocas, Graça!
À noite, a entrevista ao PM, tb deu p'ra tirar a camisola...
ResponderEliminarMais uma vez , um artigo bem escrito com o qual concordo totalmente. Só é pena não me dar para rir , pois escusava de tomar os comprimidos que já ando a tomar....e já agora , ficar com calor....aqui em Bragança , dava jeito e ajudava a baixar a factura com aquecimento. Estamos entregues a um grupelho de canalhas que vai ficar na história como tal. M.A.A.
ResponderEliminarNão vi. Já não consigo ouvi-los.:(
ResponderEliminarbji
O que se passou? Algo relevante ou mais do mesmo?
ResponderEliminarO Gaspar falou? E ninguém adormeceu?
Bela crónica, Graça.
:)
Muito bom!
ResponderEliminarHá quem ande a tentar ressuscitar o Salazar não me admirava nada que fizessem o mesmo com o Elvis.