Morreu, vítima desta maldita peste, o escritor chileno Luís Sepúlveda, (1949-2020) autor de vários livros, mais conhecido por cá como o autor de «História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar» que é de leitura obrigatória para os alunos do 7º ou do 8º ano.
Poderia dizer aqui muitas coisas sobre o infeliz escritor, mas vou transcrever parte de um lindo e ternurento texto que o meu amigo Amadeu Homem, também escritor e professor universitário deixou no facebook. (informei-o do roubo...)
Numa espécie de inter-texto que faz com o naufrágio do Sepúlveda da nossa «História Trágico-Marítima» de Bernardo Gomes de Brito, do século XVIII, tem por título «O novo naufrágio de Sepúlveda, com gato e gaivota» e insere-se num conjunto de textos que ele vai escrevendo quase diariamente subordinados ao tema «Crónicas da Peste Mansa».
E diz assim:
«A peste mansa requisitou o Sepúlveda e levou-o. Não lhe
consentiu, sequer, mais uma pequena narrativa sobre bichos, beirais, voos
rasantes e de médio porte, madrugadas vermelhas, planuras, cheiros de mar alto.
Limitou-se a colocá-lo no rol dos finados e talvez lhe tenha dito, com voz de
sargento-ajudante: - Embora, já à minha frente. Ala, que se faz tarde.
A minha apresentação ao Sepúlveda fez-se no dia em que me
foi dado conhecer o gatarrão compassivo, no momento em que fui apresentado a
uma gaivota menina e desajeitada que nascera sem saber voar. O resto da
história é conhecida, pelo que seria uma tautologia voltar a resumi-la aqui. (…)
Mas esse tal Sepúlveda tinha descoberto uma gaivota-bébé,
uma implume ave desvalida, que ainda não tinha feito a aprendizagem de voar.
Seguidamente, Sepúlveda tinha topado dentro de si com um gatarrão opinioso, que
iria ensinar a pequena gaivota a voar. Ficava entre uma coisa e outra a chama
da cumplicidade. Depois viria o tempo de uma gaivota de curiosa asa dizer um "até
breve" ao tal gato, agora comovido, e convicto de que não estava a escutar
um "até breve" mas antes um definitivo "adeus".
Bem vistas
as coisas, são sempre estas as balizas de todas as aprendizagens, mesmo as
afetivas. Ficamos no tempo curto do "até breve" e despedimos a alma
e o coração desenganado quando nos vemos forçados a dizer "adeus".
A verdade é que este Sepúlveda, escritor de bom quilate e
andarilho de melhor músculo, calcorreou o vasto mundo que o foi aplaudindo no
tempo em que eu fui assentando as sapatilhas por areias de desvairadas praias
interiores. Numa dessas últimas praias aprendi eu a gostar de gatos, a ronronar
por pitanças enlatadas e a roçar a pelagem por permissivas notas de crédito
alimentar.
Quando chegou a peste mansa, foi noticiado que Sepúlveda
andara pelas "Correntes de Escrita" , na Póvoa do Varzim. Nessa
altura já eu lera a história do gato pomposo e da gaivota frágil. (…)
"Olha" , pensei para comigo " o Sepúlveda
está por terras do Eça, o tal que dissera ter sido 'um pobre homem da Póvoa de
Varzim" . (…)
A informação televisiva veio tornar-me ciente de que
Sepúlveda talvez já estivesse infetado quando andarilhou por terras de Eça.
Pensei : "O tipo não é propriamente um Matusalém. Irá safar-se " e
deixei de pensar nele.
Um dia, inesperadamente, vieram dizer-me que Sepúlveda
falecera num hospital de Oviedo. A peste mansa liquidara-o mansamente, como
quem não quer a coisa. Relembrei ter pensado, para me pacificar, que tal tipo
iria escapar, por não ter exatamente a idade de Matusalém. (…)
"Lá se foi, lá se foi" e debrucei-me no meu
pequeno varandim, onde, suponho, declarei uma vez mais "olha, lá se foi o
Sepúlveda".
Julguei ter avistado uma gaivota tresmalhada, vinda do
"mar da palha", que fica ali mesmo à mão. Mas não o poderei dizer
ajuramentadamente. Digo, isso sim, que não vislumbrei na calçada nem um só
gato, nem um.»
Adeus, Luís Sepúlveda, até um dia!
Boa noite:- O covid-19 "nasceu" para matar. Maldito seja. Morreu um grande escritor. Deixou obra. Descanse em paz
ResponderEliminar.
Saudações de fé e esperança
Vi gaivota e vi gato. Vi, mesmo de ver, não de imaginar. Ficaram, como para sempre fica a obra dos escritores.
ResponderEliminarNão existe uma única palavra
ResponderEliminarpara dizer a morte
[sobretudo
quando vem reclamar para si
o que não lhe pertence]
(...)
Lídia Borges
Boa noite tudo bem? Procuro novos seguidores para o meu blog. Posso te seguir também. https://viagenspelobrasilerio.blogspot.com/?m=1
ResponderEliminarSe você me seguir manda o link para o meu blog que eu te sigo de volta.
Morreu o escritor revolucionário que escrevia histórias com bichos e outros livros...
ResponderEliminarEu e ele temos um herói comum
Isso mesmo, o caracol!
O "até breve" só se torna "adeus" quando se é esquecido.Fiquemos no até breve. Grande escritor!
ResponderEliminarAudrey
Agora a repousar.
ResponderEliminarHaverá algum gato a ensiná-lo a voar?
Beijinhos, bfds
No passado fim de semana fiquei sem computador e aconteceu reler Neruda, Isabel Allende, Zélia Gattai e o Luis Sepúlveda...
ResponderEliminarA partir do Poeta, fiz a revisão do terrível golpe de estado que implantou a odiosa ditadura militar...
Li-o sem saber que estava doente... Há cada coincidência!
E há quem seja capaz de escrever discursos, eu fico sem palavras...
Beijinhos
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Soube quando foi internado. No final do mês passado li que registava melhoras. Não li nada sobre ter piorado e por isso surpreendeu-me a notícia da sua morte.
ResponderEliminarLuz e Paz ao seu espírito.
Abraço e bom fim de semana
Pensava que por não haver mais notícias era porque tinha recuperado
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